um sopro de esperança
Ela tinha esperança de que as coisas se resolvessem. Acreditava em finais felizes e na velha máxima de que se não está tudo bem no final, então é porque o fim ainda não chegou. Esta visão romântica da vida, para uns lírica e ingénua, protegia-a da crueldade dos últimos acontecimentos. Ela sabia que as coisas se haviam transformado radicalmente, de tal forma que não era capaz de se lembrar da sua vida antes de tudo se ter descoberto. Era como se alguém tivesse espalhado um pó mágico e amnésico, que apagara qualquer memória e lembrança anterior àquele momento que mudou tudo na sua vida. Por vezes, dava consigo a falar sozinha e a pensar alto de que poderia estar traumatizada ou, num pensamento menos dramático, de que poderia estar a reprimir todas as recordações boas e saudáveis da sua família como era antes, de forma a proteger-se do choque com a realidade de que essa família se desmoronou e cujos alicerces ficaram de tal forma quebrados, que é impossível tornarem a erguer-se.
Mas, ainda assim, ela tinha esperança. Não queria que tudo voltasse a ser como antes. Porque se as coisas terminaram da forma que terminaram, é porque antes também já não estavam bem. Não sonhava com uma reconciliação, não achava possível nem positivo. Porque, lá no fundo, sabia que este acontecimento mau podia ser transformado numa bênção a longo prazo. Ainda faltava algum tempo e algum distanciamento para que se fosse possível compreender uma rutura desta origem como algo bom, mas ela sabia que, eventualmente, acabaria por acontecer.
O que ela esperava, de mãos juntas e dedos entre cruzados, era que cada pequena parte daquele conjunto que outrora se chamou família fosse capaz de se reconstruir. Que aquele acontecimento não definisse as suas vidas para sempre. Que se erguessem além disso e fossem, desde o sentido literal ao metafórico, capazes de avançar. De contar esta história sem pesar, vergonha, repulsa, raiva, tristeza.
Porque a ideia de carregarem este fardo para toda a vida esmagava-a. Ela queria ser apenas uma pessoa comum, a quem acontecem coisas boas e más. Esta era uma coisa má, mas era apenas isso: uma coisa que lhe acontecera. Como tantas outras podem acontecer desde que estejamos vivos. Esse era o sopro de esperança que a aquecia.