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the old soul girl

the old soul girl

02
Ago23

It's not you, it's me

girl

Ando a sentir uma desmotivação extraordinária no que diz respeito ao trabalho. Não é apenas uma falta de vontade em fazer as coisas das quais sou responsável, nem se cinge apenas à necessidade de férias que se começa a sentir nesta altura do ano. É algo mais profundo e denso. É falta de realização, é aborrecimento, é constatar que o locus do problema não se localiza fora, mas está bem dentro de mim, por mais que existam fatores externos que contribuam para me sentir assim. 

Mudar de emprego fez-me perceber algumas coisas que são essenciais para mim e na minha forma de estar profissionalmente. Até então, não valorizava estas "características", porque não sentia falta delas, eram um dado adquirido. Apenas sabia que um valor essencial para mim era ter um ambiente de trabalho saudável, sem medo, onde é possível crescer e, por isso mesmo, é possível falhar sem ser a pior coisa do mundo. Como escrevi ontem, nada disto existia onde trabalhava antes e, talvez por isso, quando procurei a saída, foquei-me neste aspeto quase exclusivamente. Não me interpretem mal, continua a ser um valor base para mim, do qual jamais abdicaria, mas hoje compreendo que não basta isso para termos um trabalho que nos realiza e satisfaz. É como numa relação amorosa: amar é importante, mas não é suficiente para fazer uma relação durar e prolongar-se no tempo. No meu caso, é exatamente isto: adoro o ambiente descontraído e respeitador que aqui se vive e no qual se trabalha, mas não me chega para sentir que trabalharei aqui até ao fim dos meus dias. 

Sinto falta de organização, por exemplo. Desculpem a redundância, mas a organização é organizadora. Dá coerência, sentido e sensação de controlo. Quando as coisas têm nome, lugar e espaço, é mais fácil trabalhar. Infelizmente, no sítio onde trabalho, vivemos numa desorganização que, muitas vezes, sinto como caótica. Entendo que é fruto de um crescimento rápido, que não foi planeado e gradual, as chamadas "dores de crescimento". No entanto, esta desorganização desmotiva, é exaustiva, as pessoas perdem-se naquelas que são as suas tarefas e no estabelecimento de prioridades. Quando as coisas não estão organizadas, tudo parece importante e urgente. Estou constantemente a sentir que me está a escapar alguma coisa, que me estou a esquecer de fazer algo. Tudo isto é oposto ao local de onde vim. Acho que foi na anterior empresa que aprendi a importância da organização, de ter as coisas bem estruturadas, saber sempre onde está determinado documento, determinada informação. 

Sinto falta do rigor. De trabalhar com cabeça, tronco e membros. De fazer as coisas com qualidade. De haver controlo de qualidade. Quando não existe rigor no que se faz, caímos no desmazelo. Tanto dá se fazemos assim ou assado; tudo serve. Tenho dificuldade em trabalhar nestes moldes. Tenho dificuldade em encontrar sempre tantos obstáculos para conseguir fazer um trabalho bem feito, um trabalho que cumpra com todos os requisitos e necessidades. 

Sinto que falta uma comunicação mais aberta e transparente. Não temos (nem devemos) de saber tudo, mas quando tudo parece um segredo de estado, começamos a sentir-nos desconfiados. Quando não existe transparência nos processos mais simples, mais inofensivos, é inevitável surgir uma sensação de desânimo e falta de pertença. Já para não falar dos constrangimentos que se criam, frequentemente, no trabalho por falta de comunicação. Coisas simples, de fácil resolução tornam-se complicadas, porque as pessoas não falam, porque escondem informação, porque estão constantemente a testar-se umas às outras. É cansativo. 

E, acima de tudo, sinto que esta já não é mais a área que me faz feliz. Mais do que todos os constrangimentos acima enumerados, este é o cerne, o ponto fulcral da questão: esta área não me preenche, não me realiza, não me faz sentir nada a não ser estagnação, frustração e desmotivação. Não vejo propósito no que faço. Não me encontro em nada deste trabalho, porque nas pequeninas coisas nas quais poderia fazer a diferença, sinto que não existe espaço para mim. Estou resignada a um trabalho para o qual não estudei, o qual nunca ambicionei nem desejei para mim. Sinto-me prestes a terminar uma relação, na qual o problema não é o outro lado, sou mesmo eu. 

Já existiu um momento, uma fase, em que este trabalho fazia sentido para mim. Talvez quando ainda estava a aprender como tudo funcionava, talvez quando o meu foco principal era ter um trabalho que me concedesse autonomia, independência financeira. Nessa fase da minha vida, fazia-me sentido. Hoje, depois de alguns anos nesta área, sinto que preciso de mais. Preciso de algo que prima os nervos certos em mim: algo que estimule a minha criatividade, a minha curiosidade, que me desafie. Gosto de aprender coisas novas, de estudar, de investigar. Gosto de trabalhar com pessoas e em equipa. Gosto de fazer, de fazer bem, de fazer o melhor. Não gosto de soluções rápidas, de tapar buracos e não resolver as questões na sua raiz, porque sinto que isso é contornar os problemas e dar-lhes mais profundidade. 

Portanto, quando tornar a mudar (porque não é uma questão de "se", é mesmo de "quando"), sei que será uma mudança radical. Será um afastamento desta área, que já me serviu muito e da qual estou muito grata, mas já não me serve mais. É como quando a nossa peça de roupa favorita deixa de nos servir e, de repente, já não olhamos para ela da mesma forma. Fomos nós que crescemos? Foi a peça que perdeu o seu encanto? Foram ambas as hipóteses? O que é certo é que já não há conexão, já não faz sentido.

Chegar a esta conclusão é, de certo modo, libertador. É obter, finalmente!, o diagnóstico do problema e poder avançar para a cura, porque o problema já está identificado. É altura de tornar a pensar no meu plano de vida, nos valores que me são essenciais, no que considero absolutamente imperativo e do qual não quero, nem posso abdicar. É uma reflexão profunda, à qual me ando a dedicar quase todos os dias, desde há algum tempo. E, por isso mesmo, será tema presente e frequente aqui, porque, como já tantas e tantas vezes referi, escrever permite-me lançar as questões e pescar as respostas. 

01
Ago23

one year later ...

girl

Há um ano preparava-me para entregar a minha carta de demissão e dizer adeus, finalmente, a um lugar que me marcou profundamente. Foi o meu primeiro trabalho, a entrada no mundo profissional, o abraço de uma área próxima da minha de origem, mas não igual. Aprendi imenso durante os quatro anos que estive naquela empresa, desde competências técnicas às chamadas soft skills, por me ter visto obrigada a lidar com pessoas tão diferentes de mim, com feitios e personalidades complexos e difíceis. Foi nesse emprego que vivi o melhor e o pior da minha carreira profissional, que conheci pessoas incríveis e que continuam na minha vida (e espero que permaneçam para sempre), bem como outras que me mostraram como o ser humano consegue transformar-se no seu pior para se manter à tona. Era este o ambiente que vivia naquela empresa: de selva, de constante luta pela sobrevivência. As pessoas trabalhavam com medo e, como se pode imaginar, num lugar onde se teme, não há espaço para aprender, para arriscar, porque os erros comportam graves consequências e a culpa nunca pode morrer solteira. Este clima de opressão, de constante vigilância e terror esticou a minha sanidade mental aos píncaros. 

Assim, quando surgiu uma oportunidade na área, com condições muito semelhantes em termos de salário, função e horário, não hesitei. Naquela altura, o meu namorado, excelente conhecedor do ambiente profissional em que eu trabalhava, apenas me disse: se recusares esta oportunidade, tens de estar consciente de que nunca mais te poderás queixar do sítio onde estás. Porque estaria a optar por ficar nesse mesmo sítio, do qual tanto e tanto me queixava. E se o fizesse por livre escolha, usufruindo da minha liberdade, então teria de assumir a responsabilidade inerente a essa liberdade. 

Aceitei o novo desafio, cheia de entusiasmo, mas também de receios e medo do futuro. Mudar é assustador, faz com que o péssimo se transfigure e se torne "menos mau", porque é um "mau" que nos é familiar, que conhecemos e sabemos como gerir e lidar. O desconhecido, por sua vez, ainda que possa inacreditavelmente maravilhoso, assusta-nos, porque não sabemos o que nos espera, não temos recursos, estratégias nem ferramentas para saber como lidar nem com o que lidar. No meu caso, o que mais me custou foi deixar as "minhas" pessoas. Aceitar a ideia de que aquelas pessoas deixariam de fazer parte do meu quotidiano, deixariam de ser presença diária na minha vida. Reconciliar-me com a realidade de que, perante as adversidades e os dias difíceis de trabalho, não teria aquela rede de segurança, conforto e apoio. 

Integrei-me muito bem no novo trabalho, mas nunca recuperei a sensação de "casa" e "família" que construí com as pessoas do meu primeiro trabalho. Nunca abandonei a sensação de ser uma forasteira, uma espécie de estrangeira neste ambiente, que com o passar do tempo já não é assim tão estranho e novo, mas que ainda não é meu. 

Entregar a minha demissão foi uma prova de fogo, algo que sempre temi fazer. Os dias anteriores à entrega da carta foram vividos num estado de ansiedade angustiante, pensando em todos os cenários possíveis. Quando o momento chegou, convenci-me de que estava a dar um salto de fé, de que apenas poderia controlar o que queria dizer e como dizer. Tudo o resto estava fora do meu alcance. Foi uma das coisas mais simples e, simultaneamente, mais exigentes que já fiz e das quais mais me orgulho. Eu sei, parece ridículo, mas para mim teve um significado colossal ter conseguido desvincular-me de um lugar tão tóxico. 

Associo, ainda hoje, a minha relação àquele lugar como uma relação abusiva, na qual existe um estado constante de medo, de tensão, onde não há espaço para se ser. Um lugar vazio de humanidade, onde as pequenas e raras provas de existência de vida humana pareciam autênticos milagres; onde o que deve ser ordinário se torna extraordinário pela sua condição rara. 

Passado quase um ano desse ato de coragem, de liberdade, de amor próprio, não posso dizer que estou no emprego que sempre sonhei, onde me sinto inteiramente realizada. Porque não estou e sobre isso escreverei num outro dia, num texto dedicado apenas ao tema. Mas estou num ambiente onde é permitido errar, ainda que não seja o desejado. Um sítio onde não venho trabalhar com dores de barriga, onde posso respirar tranquilamente e onde não sinto medo. Sei que tudo isto é básico, isto deveria ser o normal em todos os lugares, todas as empresas que empregam pessoas. Mas também sei que, tal como eu, muita gente trabalha em locais onde as pessoas não são respeitadas, onde nem sequer são vistas e aceites como seres humanos, falíveis, imperfeitos, onde é exigida a perfeição e devoção total. 

Por isso, um ano depois e sei que tomei a decisão certa. Este ainda não é o meu lugar de chegada, a minha meta, mas é o meu caminho até lá chegar. 

28
Jul20

trust

girl

Os sinais existem e estão presentes, basta estarmos atentos e, talvez o mais importante, estarmos recetivos. Hoje entro no meu computador de trabalho, iniciando sessão e abrindo o google chrome, que me recebe sempre com uma frase inspiradora para começar o dia em pleno. A frase que me abraçou hoje foi a seguinte:

Unless you try to do something beyond what you have already mastered you will never grow. - Ralph Waldo Emerson 

Esta citação resume na perfeição a fase que estou a viver. Estou perante um processo de aprendizagem enorme, que me está a desafiar a todos os níveis. Está a mexer com todos os meus medos e receios, com todas as minhas forças e fragilidades. Tenho momentos de confiança e, a seguir, começo a sentir o medo a espreitar, a aproximar-se e a sussurar-me ao ouvido "será que és mesmo capaz?". Sinto o entusiasmo, a adrenalina de me dedicar a algo que me enche tanto o coração e me faz sentir tão viva, mas, ao mesmo tempo, os velhos receios e os pensamentos negativos explodem diante de mim. Quero focar-me apenas no lado positivo, mas não existe luz sem sombra; esta experiência é um todo e, como tal, é também constituída por momentos de angústia no meio de tantos momentos de alegria e euforia. 

Olho para dentro de mim e vejo dois caminhos. Vejo o velho e conhecido caminho, aquele que me faz sentir segura, mas frustrada; que é reto, plano e não requer grande energia da minha parte para ser percorrido (porque, de tão velho que é, conheço-lhe cada milímetro e percorro-o de olhos fechados). E depois vejo um outro, que não está sequer finalizado, que brilha com muita intensidade, com tanta luz, que me ofusca e faz sentir tonta e desnorteada. É tentador, mas deixa-me apreensiva, o meu estômago enrola-se em si mesmo e sinto a minha garganta contorcer-se num nó cego. Por um lado, quero sentir-me segura e estável; por outro, quero a aventura, o desafio. Quero ambos os caminhos, quero se cruzem e formem um só. 

No fundo, o que eu quero é sentir-me segura nesta nova fase. Quero adquirir a experiência que me faz sentir tranquila e plena, embora, para tal, necessite de percorrer o caminho desconhecido vezes e vezes sem conta até este se tornar familiar. Quero ser grande sem precisar de crescer. Faz algum sentido? Ser sábia sem ter de passar pelas adversidades e lições da vida? 

Sei que esta ânsia é a minha necessidade de controlo a falar. É a minha necessidade de ser bem sucedida, não aos olhos dos outros, mas aos meus. Porque os meus olhos são os mais exigentes de todos. Eu sou a única que não me permito falhar, que não aceito a incerteza, que não normalizo o que é natural. Tenho tanto medo de fracassar, de fazer e dizer a coisa errada, de descobrir que sou uma farsa, uma impostora. No fundo, é como se todo o meu valor dependesse do que sou capaz de alcançar. 

Preciso de abraçar a incerteza com curiosidade; de me permitir errar; de desfrutar mais do processo e desligar-me do resultado final; de viver mais no agora do que nos meus medos imaginários, que apenas pertencem a um futuro longínquo e, muito provavelmente, nunca tornado realidade. 

Estou a crescer e a ser desafiada. Já me tinha esquecido de como é assustador e entusiasmante ao mesmo tempo. Preciso de respirar fundo e aceitar que este processo é mesmo assim. Que estes momentos de incerteza e vontade de desistir fazem parte. É a necessidade de conforto e controlo a gritar, são as resistências a fazer força e pressão. Respiro fundo e sei que, apesar de tudo, nunca conseguirei desistir. Pelo menos não agora. Porque se o fizesse não seria pelos motivos corretos. Não seria por perceber que afinal não é isto que me preenche e não é isto que quero para mim. Seria apenas pelo medo. 

Quando aceitei este desafio, foi com as palavras do meu amor em mente e com o bichinho de felicidade que se instalou no meu coração. Ele disse-me "aceita, nem que seja para perceberes se gostas!". E quando ele me disse estas palavras, tudo fez sentido e percebi que queria muito isto. Queria muito tentar. Mesmo que, para isso, me sinta tão perdida e desorientada tantas vezes. Mas se há característica que faz parte de mim é a persistência. Para ser grande, sê inteiro! Põe quanto és, no mínimo que fazes! Este é o meu lema, é a minha forma de estar na vida e é o modo com que encaro todos os desafios que me são lançados. Talvez seja até desta dedicação que nascem as ramificações do meu medo de fracassar, pois dou tudo de mim, pelo que é inevitável surgir o pensamento "e se, mesmo assim, não for suficiente?". O meu medo é proporcional à quantidade de esforço, energia e dedicação que emprego. Quanto maior é o meu medo, maior é a minha vontade de o ultrapassar. Mas quanto maior é o meu esforço e entrega, maior é a possibilidade de o fracasso ser recebido com angústia e dor. 

Independentemente de tudo, estou consciente de tudo o que estou a sentir e a pensar. Estou consciente de que este é um processo. E comecei este texto a falar de sinais. Comecei a escrever este texto ontem e hoje, quando regressei ao meu rascunho, sabem qual era a frase que me esperava?

Trust the process.

Acho que me resta confiar, certo? Em mim e em que tudo vai dar certo. Seja lá o que for esse certo!

21
Jul20

Life is a gift; experience is the beauty

girl

Passou-se um mês desde que escrevi pela última vez. Não tenho escrito por uma miríade de motivos, desde falta de tempo, de vontade, de assunto, excesso de preguiça, etc e etc. Mas escrever faz parte do meu ADN e, como tal, não posso ignorar a minha natureza. Por isso, cá estou, novamente, na minha casinha digital, pronta para fazer um update dos acontecimentos ocorridos neste mês de ausência.

Considero-me uma pessoa a quem nunca acontece nada realmente interessante de ser partilhado. Não sou, nunca fui, aquele tipo de gente a quem tudo lhe acontece e tem sempre uma história ou novidade para partilhar. Às vezes até penso na minha vida como uma paisagem alentejana, plana e árida, sempre igual por maior que seja o número de quilómetros percorridos. Não que isto me entristeça, porque, como gosto de ver o copo meio cheio, tendo a pensar que ausência de novidades pode muito bem ser sinónimo de ausência de tempestades. 

No entanto, este mês, uma novidade, das boas, veio bater-me à porta. Recebi, inesperadamente, uma proposta para trabalhar na minha área de formação em part-time. Uma proposta que me permite conciliar com o meu trabalho atual, permitindo-me ter o conforto e estabilidade, por um lado, com o desafio, criatividade e paixão, por outro. Quando recebi a proposta, o meu primeiro instinto foi declinar. Típico da minha pessoa, assustei-me, pensei logo que era areia demais para o meu camião e fiquei com medo. Aquela vontade de dizer "não" era o meu medo de falhar a falar por mim. Mas depois, com calma e com o apoio do meu mais que tudo, que me disse "eu aceitava sem pensar duas vezes, não penses, diz já que sim!", percebi o quão feliz estava por me estar a ser dada uma oportunidade tão boa, sem eu sequer ter ido atrás dela, sem ter dispendido um único segundo ou milésimo de energia. Literalmente, bateu-me à porta. Fiquei extasiada de felicidade e entendi que a minha alegria e vontade de aceitar o desafio conseguiam ser maiores e mais fortes do que o meu medo. Senti que seria uma ingratidão enorme da minha parte declinar uma prenda que o universo me estava a dar. Soube que me iria arrepender se não tentasse, que passaria a minha vida toda a pensar "e se ...?". E, talvez o mais importante, tive a certeza de que esta prenda da vida carregava um conjunto de aprendizagens, em que a maior delas todas é, sem qualquer dúvida, enfrentar o medo que me aprisiona e condiciona tantas vezes: o de falhar, o de não corresponder às expectativas e o de não ser suficiente. Esta oportunidade veio mascarada de desafio, no sentido em que me obriga a dar um salto de fé, no desconhecido, onde as certezas pura e simplesmente não existem. Por todos estes motivos, soube que recusar não era uma opção. Eu fiquei eufórica, com a adrenalina a percorrer-me o corpo, sabem aquela sensação de entusiasmo tão forte, que se confunde com ansiedade, mas uma ansiedade boa? Como é que eu poderia dizer não a algo que, pelo simples facto de vir ao meu encontro, já me deixara tão feliz? 

Posso dizer-vos que já iniciei este projeto e que, como em todos os começos, a ânsia, o nervosismo, o medo estavam presentes. Tentei dar-me consolo, conforto e colo. Procurei normalizar o que estava a sentir, dando espaço a todos os sentimentos para se expressarem. Convidei todas as emoções a apresentarem-se, entendendo que as emoções são temporárias, tal como aparecem também desvanecem. Assim como os pensamentos. A minha mente, não fosse ela hiperativa, fez mil e um filmes, desde os românticos aos catastróficos. Mas os pensamentos são também eles fugazes e tentei ao máximo não me prender a nenhum deles, com a exceção de um: vai tudo correr bem.

Por maior que seja o meu medo de errar, e acreditem que é muito grande, eu tenho sempre uma luzinha acesa no meu íntimo, que simboliza a esperança de que tudo vai correr bem. Mesmo que tudo corra mal, há sempre a oportunidade de retirar algo de bom. Até porque a maior parte dos nossos medos são ficcionários e imaginativos, nunca chegam a transformar-se em realidade. Foi o que me aconteceu. Estava muito ansiosa, mas quando se deu o click "ação!", tudo fluiu e fez sentido. Como se aquele fosse o meu lugar, a minha casa, onde pertenço.

Naquele dia, senti um conjunto ambivalente de emoções. Primeiro, senti-me feliz e plena. Depois, quando comecei a dar corda à minha mente e aos meus medos, fiquei apreensiva e envolvida em pensamentos de "será que dei o meu melhor?", "será que deveria ter feito aquilo assim?", "e se não sou capaz?", "e se eu descubro que sou uma nódoa nisto?", entre outros. Posso dizer-vos que passei dois dias completamente abananada e perdida no meu mundo interno de terror. O meu namorado olhava para mim e dizia-me que estava estranha. E estava. Sentia-me cheia de medo e apavorada. Até que parei para pensar na forma como me estava a tratar. Estava a regressar aos meus velhos hábitos de exigir de mim o inatingível, de não me oferecer compaixão e compreensão quando me é tão fácil oferecer aos outros, de me massacrar vezes e vezes sem conta com as coisas que podiam ter corrido melhor em vez de olhar para as que correram espetacularmente bem, de me pressionar a ser perfeita à primeira. Percebi que era aqui que residia a oportunidade de fazer diferente. Desta vez, em lugar de me fechar numa masmorra de autopunição e autocrítica, eu quero fazer as coisas de forma diferente. Quero dar-me espaço, liberdade e tempo. Quero permitir-me errar e quero, acima de tudo, tratar-me com amor. Quero dizer-me que farei asneiras, terei momentos de impasse e dificuldade, mas que serei capaz de os ultrapassar, recorrendo às minhas competências, à ajuda de colegas e de estudar as vezes que forem necessárias para me tornar cada vez melhor. Quero desfrutar da viagem, sentir o vento no rosto, o sol a queimar, ver paisagens diferentes, sem me importar se chego rápido. Eu quero apenas chegar longe. 

Quando interiorizei tudo isto, a calma regressou. E ainda me senti mais plena quando fui reler antigos documentos de projetos anteriores e me confrontei com a paixão que sinto pela minha área. Como aquilo que estudei é tão enriquecedor e, ao mesmo tempo, tão complexo e exigente. Preciso de me dar permissão a ser uma mera aprendiz para me tornar numa profissional excelente. E só o posso fazer se, em simultâneo, me desenvolver enquanto pessoa. 

Este texto vai longo, mas queria contar-vos sobre esta oportunidade, porque acredito que este processo que estou a vivenciar é comum a muitos de vós e a outros tantos. Quantas vezes deixamos que seja o medo a comandar a nossa vida e a tomar as decisões por nós? Quantas vezes abdicamos de sonhos e paixões porque somos dominados pelo medo de errar? Eu recebi uma oportunidade rara e única, sem sequer a procurar, e fiquei completamente dividida entre o êxtase e o terror. Aceitei e, todos os dias, me questionei se fiz bem, seguindo-se o pensamento de que sim, fiz. Somos tão complexos e frágeis, temos todos medo de errar, de expor as nossas vulnerabilidades e de nos confrontarmos com a desilusão. Eu tenho medo de fracassar, de não ter controlo, de ficar à mercê dos meus pontos fracos. Mas o que mais me assusta é nem sequer tentar e ser infeliz por este medo de errar. 

Esta semana torno a ter uma reunião deste projeto. Sinto-me tranquila, estou entusiasmada a preparar tudo o que quero abordar, sinto-me até receosa de me sentir tão bem. Porque esta é outra característica muito comum do medo: espreitar entre a felicidade, fazendo-a parecer estranha e incomum. Mas estou atenta aos meus mecanismos de sempre. Estou aberta à experiência e estou genuinamente curiosa para ver o resultado final. Do projeto e de mim mesma. 

 

23
Mar20

one way or another

girl

Mais do que nunca preciso de manter este emprego, mais do que nunca apetece-me desistir e entregar a minha carta de demissão. Estou numa encruzilhada, onde sei qual é o caminho a seguir, embora não seja o caminho certo. Porque o caminho a seguir é o da responsabilidade e bom senso, de me manter sossegada e focar-me no objetivo mais importante, que é ter dinheiro para pagar todas as contas que vão cair no final deste mês. O caminho a seguir é assegurar que o dinheiro não falta, porque ter um emprego, neste momento, é uma segurança, uma tábua de salvação no meio do oceano e todos sabemos que os próximos tempos serão de tempestade. Mas o caminho certo não é este. O caminho certo é aquele que é percorrido com dignidade, com os valores que me foram transmitidos e com a certeza de que a minha saúde está em primeiro lugar. Porque, neste momento em que me encontro, não posso afirmar estar doente, mas também não estou sana e conheço bem a velocidade com que se entra em espirais de tristeza, cansaço e desespero. Conheço-me bem e sei quando estou à beira daquele que é o meu limite.
Mas também sei que estou numa situação em que não o posso fazer. Uma situação na qual o limite tem de se expandir, tem de ir mais além. Porque preciso, mais do que alguma vez precisei, do dinheiro e da segurança que este emprego do demo me traz. Sinto-me uma hipócrita, sinto que me estou a apunhalar nas próprias costas. E questiono-me até quando vou aguentar. Se serei eu a parar ou o meu corpo a parar por mim. O copo encheu, transbordou e não cabe nem mais uma gotícula. Se até aqui já me sentia desmotivada e num ambiente hostil, os últimos dias mostraram-me que ainda não tinha visto nada. Que o pior ainda estava para vir. E tanto estava para vir, que chegou, instalou-se e eu não sou mais a mesma dentro destas quatro paredes. A diferença é notória, visível, palpável. O meu rosto cansado, a minha falta de energia, o meu sorriso caído.
Gostaria de pensar que estou num dilema, mas na verdade, não estou. O caminho a seguir é muito óbvio e claro. Só espero que, ao percorrê-lo, não me perca.

27
Fev20

"apenas depende de ti"

girl

Faltar-me-ão sempre estudos para compreender as pessoas (em específico os patrões e entidades patronais) que consideram as questões motivacionais dos seus colaboradores um não assunto. Ou, como já ouvi, um capricho. Divido-me sempre entre pensar que é ignorância ou estupidez ou até um pouco de ambos. Uma coisa sei: inteligência não é certamente.
Sei que não se pode agradar a gregos e a troianos e também sei que existem muitos queixosos crónicos. São aquele grupo de pessoas que se queixa sempre de tudo, tem sempre um problema para cada solução e que parece sentir um genuíno prazer em protestar. Estas pessoas não são apenas assim no trabalho, são assim na vida em geral e os que os aturam têm um lugar reservado no céu. Mas mesmos estes queixosos crónicos ressentem quando a motivação é tratada como um capricho e uma questão que apenas depende do colaborador (como também já ouvi).
A verdade é que a motivação nunca será uma questão exclusiva do trabalhador ou do empregador. É um filho cuja guarda é partilhada e, como tal, cada um tem de fazer a sua parte para que o filho cresça e chegue a bom porto. No entanto, a realidade a que assisto diariamente é que as empresas se descartam da sua responsabilidade e exigem aos colaboradores que a sua automotivação se multiplique e que substitua o papel que só diz respeito ao empregadores. Por muito que um colaborador goste do seu trabalho e chegue todos os dias à empresa com vontade de se exceder e alcançar o seu potencial, não depende apenas de si. Este mesmo colaborador precisa de ter feedback quanto ao seu trabalho, precisa de ver as suas competências valorizadas e não apenas monetariamente, embora também seja muito importante. Mas creio que um "bom trabalho!" enche mais os reservatórios da vontade e dedicação do que alguns euros a mais que, por vezes, com tantos descontos e acertos, se diluem rapidamente. É extremamente importante orientar os colaboradores, dar-lhes oportunidades de crescimento e melhoria contínua, investindo na sua formação não só profissional, mas também pessoal. Proporcionar um bom ambiente de trabalho, no qual sintam que errar não é sinónimo de ter a cabeça a prémio, pelo contrário, utilizar os erros para fomentar aprendizagens e potenciar o seu desenvolvimento. Muitas das pessoas que erram são aquelas que estão sobrecarregadas, divididas entre tantas tarefas que, mais tarde ou mais cedo, alguma vai resvalar e falhar. Ninguém é imenso e o tempo é democrático, todos temos direito às mesmas 24h. Motivar os colaboradores passa também por respeitar a vida destes, sabendo que a esfera profissional é apenas isso, uma esfera no meio de outras igualmente importantes, como a família, os amigos, os tempos livres. Atualmente, as empresas exigem uma disponibilidade quase total aos seus colaboradores, indo além das fronteiras físicas das suas instalações através de chamadas e emails fora de horas. As pessoas não descansam, nunca desligam, entram num ritmo frenético do qual não conseguem encontrar a saída.
Envolvidos num stress constante e crónico, começam a surgir os primeiros sintomas - falta de concentração, de energia, de criatividade para pensar em soluções face aos problemas - e são apenas a pontinha do iceberg. A questão mais fascinante (e ridícula) é que as empresas perdem dinheiro com estes fenómenos, porque depois surgem as baixas, as demissões ou o famoso presentismo, em que temos as pessoas presentes fisicamente no trabalho, mas estarem ou não estarem é quase o mesmo. Está o corpo, mas não está a cabeça.

Será que os patrões desta vida não conseguem mesmo compreender a simplicidade da equação colaboradores motivados = sucesso da empresa? Como é que alguém pode exigir aos seus colaboradores para que estes vistam a camisola, se entreguem de alma e coração às balas, se não há qualquer retorno nem apreço? Por caridade? Por misericórdia?
Trabalho numa empresa onde todos os dias assisto a espetáculos deploráveis de extermínio motivacional. E o que me impressiona mais, ao fim de tanto tempo, nem é a forma como a empresa trata os colaboradores, mas a forma como estes toleram e, mesmo assim, se esforçam. A realidade é que as pessoas precisam de trabalhar, as contas no final do mês são certas e há um medo constante do incerto, porque apesar de isto ser mau, ao menos sabemos como é, a empresa do lado pode ser ainda pior. Só que esta tolerância desgasta-se e as pessoas acabam mesmo por adoecer e perdem tanta qualidade de vida. Tenho tantos colegas à beira do esgotamento, outros tantos que mal conseguem falar e passar tempo de qualidade com as suas famílias. Inevitavelmente, questiono-me se isto vale a pena? Dar tanto a quem nos dá tão pouco?
Não posso deixar de me rir quando me dizem que a motivação apenas depende de mim. Não posso aceitar isso, não posso aceitar que sejam exigidos resultados em tempos recordes, perfeitos, quando neste jogo de dar e receber se dá tanto e se recebe tão pouco. E hoje estas questões pesam-me mais porque olho em meu redor e cada vez conto mais os desmotivados. Vejo rostos cansados, olheirentos, corpos que se alimentam de shots diários de cafeína e refeições pouco saudáveis, telemóveis que não param de tocar e vibrar, emails seguidos a entrar, algumas vozes altas em exaltação por pequenas coisas, mas as pessoas perderam a capacidade de distinção entre o que é pequeno e grande, entre o que é grave e leve. É um cenário triste e degradante, mas mais comum e frequente do que se desejaria. 

Por isso, nunca conseguirei compreender como é que a motivação é entendida como um capricho. Ainda falta a muitos administradores e empresários desta vida a capacidade de compreensão de que as pessoas serão sempre o melhor recurso de qualquer negócio. Serão sempre elas o motor, a força motriz, a chave do sucesso. Hoje investe-se muito em tecnologia de ponta, máquinas novas e XPTO, mas cada vez cai mais no esquecimento a valorização dos recursos humanos. Estes são aqueles que são mais difíceis de substituir e que podem ser o elemento chave no sucesso ou deterioração de uma empresa. Mas o que sei eu de gestão? Sou apenas uma colaboradora caprichosa, cuja subida dos níveis baixos de motivação apenas depende de si mesma. 

25
Nov19

gente mesquinha

girl

Haja cada vez mais paciência e imunidade para lidar com a mesquinhez humana. Não digo que todos temos de nos ajudar e sermos os melhores amigos, mas já seria bom se não nos tentássemos prejudicar deliberadamente. 

O mundo provavelmente sempre foi assim, mas eu tive a sorte de viver numa bolha protegida durante a maior parte da minha vida. Foi preciso chegar ao mercado de trabalho para que a bolha rebentasse e me pudesse aperceber que as pessoas são mais como a minha mãe me dizia que eram do que eu poderia alguma vez imaginar. 

Hoje é um daqueles dias em que sinto que paciência não é suficiente. É preciso todo um antídoto contra gente estúpida, mesquinha e que se preocupa mais com o trabalho dos outros do que com o seu. O que me vale é pensar que já falta menos de uma hora para me por andar daqui e saber que nem todas as pessoas com quem trabalho, felizmente, são desta natureza rara. Ah, e claro, saber que mal ponha os pézinhos fora daqui, posso regressar à minha bolha. Porque apesar de testemunhar o que de pior há nas pessoas, continuo a preferir focar-me no que há de melhor. A única questão é que nem todas as pessoas valem a pena esse esforço e estas certamente não valem. 

Só lamento dedicar-lhes alguma atenção a escrever estas palavras. Mas foi mais forte do que eu, até porque se não escrever, não sei como poderei canalizar esta frustração. Quer dizer, provavelmente até sei, mas poderia valer-me um processo disciplinar com vista a despedimento. E isso sim, seria dar-lhes toda uma importância que não têm nem merecem!

06
Nov19

Rotina matinal

girl

Hoje adormeci. O despertador tocou, ouvi-o e desliguei-o, na expectativa inocente de que me levantaria de seguida. Não aconteceu. Eu sei o motivo e sei de quem é a responsabilidade. Fiquei a ler pela noite dentro e a responsabilidade poderia ser unicamente minha, mas creio que o livro também deveria ter a sua quota parte. Afinal, se não fosse tão bom, eu não teria tanta dificuldade em parar de lê-lo ... 

Quando vi as horas, fiquei em sobressalto, mas felizmente deu para fazer dentro do tempo. Às vezes esqueço-me que, por norma, acordo bem mais cedo do que seria necessário e que, mesmo adormecendo como hoje, ainda fico com uma margem de tempo confortável para fazer tudo o que preciso. 

O dia abraçou-me chuvoso e frio. Arrefeceu bastante e já começa a saber bem usar roupas verdadeiramente quentes e usar e abusar da quantidade de chá. A chuva, miudinha, faz-me sentir vontade de regressar aos lençóis e ficar neles o dia todo, envolvida numa boa história. Como tal não é possível, penso que ao menos não sinto vontade de andar ao ar livre e, como tal, a ideia de estar todo o dia no escritório não é assim tão aborrecida. 

Sempre gostei mais de trabalhar nas estações frias. Não custa tanto estar fechada o dia todo e até sinto uma gratidão leve de pensar que posso estar recolhida e quentinha, enquanto algumas pessoas têm de enfrentar a chuva, o frio e o vento. Tudo na vida tem dois polos e acredito cada vez mais que depende de nós sintonizarmo-nos com o positivo. 

Tomo o pequeno-almoço, preparo a lancheira, tudo fica pronto e arrumado. Fico feliz por saber que vou almoçar uma comida de que gosto muito. Sei que pode parecer ridículo, mas trata-se de uma coisa maravilhosa: trazer uma comida da qual se gosta. É porque é logo um incentivo para nos sentirmos bem. Preparo o meu termo de chá (indispensável!) e sigo para a casa de banho.

Arranjo-me, sempre o mais simples possível, não fosse eu uma daquelas pessoas que até para colocar batom de cieiro precisa de ver um tutorial no youtube. Sempre fui assim: simples e descontraída. Mesmo nos dias em que capricho mais, nunca perco este conforto e simplicidade. Quando me maquilham, deixo de me reconhecer. Gosto de ter a cara lavada e é assim que me apresento ao mundo todos os dias. 

Casaco vestido, mala ao ombro, lancheira na mão e lá vou eu. Entro no carro, beijinho de bom dia ao meu amor e seguimos viagem. Há vários percursos até ao trabalho e, por norma, aprecio mais quando vamos pelo mais longo. É como um aquecimento, vou acordando para a cidade, observo as restantes pessoas nas suas rotinas matinais, uns a caminho o trabalho, outros a regressar de levar os filhos à escola. A cidade desperta e nós despertamos com ela. 

Quando chego, respiro fundo e sorrio. Mais um dia, cá vou eu. Nunca sei o que me espera nem o que vou encontrar. Não faz mal, não é exclusivo do trabalho, a vida é mesmo assim: uma surpresa. Sorrio pelo corredor, cumprimento colegas e amigos. Sento-me na minha área de trabalho, inspiro e expiro, começa oficialmente a jornada. Tenho no meu computador uma frase inspiracional, para me aquecer o coração nos dias mais difíceis:

The purpose of life is to enjoy every moment.

E é verdade. Grata por estar viva, por ter um emprego, por estar aqui. Polo positivo ligado. 

10
Out19

em modo de jacto

girl

o meu dia começou tão bem. dormi muitíssimo bem, abraçada pelo novo edredon quentinho. tive oportunidade de ver o dia nascer, o sol a acordar e o céu a transformar-se numa paleta de cores lindíssima. meditei, como faço todas as manhãs, e preparei-me para mais um dia de trabalho. quinta-feira, o primo da sexta. a sensação de que estamos mesmo quase a cortar a meta, mas ainda falta um último esforço.
gargalhadas em casa, miminhos no carro. chego ao trabalho sempre com um sorriso no rosto, porque acredito que ninguém merece levar com as nossas dores e dramas. "bom dia!" digo alto, em bom som, e com um sorriso generoso. para mim sorrir é a cafeína de que preciso para enfrentar mais um dia. lá vou eu, pelo corredor da empresa, a distribuir sorrisos e boa energia. assim custa menos, penso eu.
quando o trabalho efetivamente começa, nem sempre é fácil continuar com esta boa disposição. aliás, não é fácil, é praticamente impossível. só mesmo com muito esforço.
e depois há dias como o de hoje. o dia começa bem, maravilhoso, mas à medida que vai passando, não é apenas a energia que vai sendo consumida. é toda a satisfação, a vontade de fazer mais, de fazer melhor.
ontem corrigiram um erro meu. por norma, aceito as chamadas de atenção com exigência: a que tenho comigo mesma e com o meu trabalho. não há ninguém que se castigue e puna mais do que eu comigo mesma. mas ontem, surpreendentemente, não senti qualquer pressão vinda de mim. pelo contrário, aceitei tranquilamente, pacífica. e foi esta falta de interesse que ligou um alarme dentro de mim. porque eu nunca sou assim. sou comprometida com as coisas. dou sempre o meu melhor, não fosse o meu lema de vida "para ser grande, sê inteiro". por isso, quando dou por mim a contentar-me com ser medíocre, a nem sequer ficar chateada comigo mesma por falhar, é hora de fazer alguma coisa.
desde que estou neste trabalho, o lema tem sido "aceitas ou mudas", porque é certo que as empresas dificilmente mudam. ou aceitamos as coisas como são ou mudamos nós.
só que mudar, na situação atual em que me encontro, é muito complicado. apesar de trabalhar num local que suga tudo o que há de melhor nas pessoas, o meu emprego é estável, recebo bem tendo em conta o panorama nacional e da minha profissão, estou pertíssimo de casa, gosto muito dos meus colegas de trabalho e integrei-me muito rápido. às vezes penso que os motivos que existem para mudar são tão pequeninos. a questão é que, embora pequenos, são demasiado fortes e gritantes para ignorar. são pequenas partículas que vão contra todos os meus valores, tudo aquilo que acredito no que diz respeito à forma como se devem tratar as pessoas, como deve ser um bom ambiente de trabalho. e eu sou teimosa com estas coisas. sobretudo em tudo aquilo que diz respeito a pessoas. não consigo evitar ser assim.
o dia começou mesmo muito bem. quase todos começam. mas quando subo as escadas para o meu gabinete, a barriga começa a apertar, a contrair-se num pequeno feijão e, quando dou por ela, é difícil respirar. não é no sentido literal da respiração, é no sentido em que todo o ar do mundo parece insuficiente para aguentar o ambiente saturado, asfixiante e tenso em que passo a maior parte do dia, aliás, as melhoras horas do dia. quando regresso a casa, a disposição para o que quer que seja é quase nenhuma. os dias repetem-se numa rotina enfadonha, aborrecida, que ou é má ou muito má. e esta lufa-lufa quotidiana, o vício de estar sempre a queixar e resmungar do mesmo cansam. é por isso que sinto que tenho de mudar. e estou a escrever tudo isto para que o que sinto há tanto tempo venha cá para fora. para que se materialize em palavras. palavras que espero, um dia, escrever numa carta. a carta que ditará o fim de um capítulo e o início de outro: a de demissão.

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