Se há tema no qual me sinto uma verdadeira impostora, é no que diz respeito à terapia. Casa de ferreiro, espeto de pau; faz o que eu digo e não o que eu faço; são alguns provérbios que ilustram tão bem a minha relação com a ideia de fazer terapia. Sei que faz tão bem, sei que pode fazer a diferença na vida de qualquer pessoa e, ainda assim, no que me concerne, andei a mastigar a ideia de forma ruminativa, sem nunca avançar. Entreguei-me a vários argumentos que justificavam a minha inércia e fui escrevendo esta vontade nos meus objetivos anuais, nas transições de vários anos, quando somos invadidos por aquela súbita e misteriosa força motivadora de mudar a vida num ápice.
Mesmo sabendo que a terapia é umas das melhores ferramentas que podemos ter na nossa caixinha de utensílios para fazer face aos desafios da vida, sempre temi sentar-me do outro lado da secretária. Tive medo de me abrir com alguém que não soubesse acolher-me, a mim e às minhas dores, às minhas fragilidades e questões. Tive receio de ser vulnerável com alguém desconhecido, cuja atenção está só e somente focada em mim, não me dando escapatória e não me permitindo nenhuma saída de emergência. Precisamente por conhecer a terapia tão de perto, por dentro, tive receio de não ser capaz. Mesmo sabendo que, do outro lado, existe um profissional treinado para saber ouvir e escutar, ler nas entrelinhas, procurar significados, relacionar acontecimentos e iluminar padrões escondidos e subterrados. É uma daquelas situações em que a lógica e a emoção não se casam e, por mais que o racional grite, o emocional parece sempre mais forte e vencedor.
Um dia, da forma mais natural e espontânea do mundo, deparei-me com uma aplicação que providencia consultas psicológicas online e fiquei curiosa. Embora não goste nada de videochamadas e considere que não se consegue reproduzir a intensidade de uma presença física, de um espaço partilhado por duas pessoas, que se olham e escutam diretamente, achei interessante a possibilidade de fazer algo que tanto me assustava no conforto da minha casa, do meu espaço, com a distância de segurança devida. E achei ainda mais interessante a possibilidade de conciliar com a minha rotina, que é sempre tão preenchida. Decidi arriscar, movida pelo pensamento "vamos ver o que isto é, se não gostar, não preciso de continuar". E lá marquei uma sessão.
Senhores, como eu estava nervosa para aquela primeira sessão! Só conseguia pensar em todos os meus clientes, os passados e os atuais, e na sua coragem para, semanalmente, se sentarem diante de mim e se abrirem comigo. Que honra ser merecedora dessa confiança, dessa entrega! Acho que suei mais naqueles instantes antecedentes ao início da sessão do que nas últimas caminhadas que fiz.
Começou a sessão e eu, de forma automática e inconsciente, começo a tirar notas mentais do modo como a psicóloga me recebe e se apresenta. Começo a estudá-la e apercebo-me que ela espera que eu comece a falar acerca do motivo que me levou a marcar a sessão. Explico, de forma desajeitada e atrapalhada, numa tentativa de elaborar e, ao mesmo tempo, de não ser demasiado descritiva e aborrecida. Alterno entre o papel de cliente e o de psicóloga, colocando-me no lugar dela e pensando que será mais fácil quanto mais objetiva eu for, quanto mais clareza eu conseguir oferecer ao meu raciocínio.
Ela pede-me para falar acerca das minhas primeiras memórias e, quando dou por mim, a sessão está a chegar ao fim e ela pede-me para identificar um sentimento que esteja presente depois de 50 minutos a falar acerca da minha trajetória de vida. Falo-lhe de um sentimento de leveza e de alívio. E de surpresa, por ter sido capaz de falar tanto e de forma tão honesta. Despedimo-nos, agendando a próxima sessão e desejando uma boa semana uma à outra. O ecrã desliga-se e vejo a minha reflexão no monitor. A sorrir, orgulhosa de mim, do passo que fui capaz de dar. Com a certeza, mais uma vez, de que a experiência é o melhor antídoto do medo.
Desde dessa 1ª sessão, tenho feito um diário de terapia, onde vou escrevendo sobre as sessões, sobre as minhas reflexões pós consulta e os meus pensamentos em relação ao próprio processo terapêutico. Ajuda-me a organizar as ideias e a construir esta experiência; a decifrar melhor os meus ângulos mortos. Não sei se vou alcançar o objetivo terapêutico, mas sei que a cada sessão que compareço, que me apresento e me entrego, estou a dar o meu melhor. E isso é suficiente. Ser eu é suficiente. Ser é suficiente.
Estou mais focada no processo do que no resultado. Mais do que alcançar o que me levou a marcar a consulta, estou a alcançar pequenas vitórias que não faziam parte do meu objetivo principal. Uma delas é, sem dúvida, permitir-me ser vulnerável, falar do que me preocupa, mostrar as minhas feridas sem vergonha, verbalizar o que vai dentro de mim sem ter de me preocupar se vou ferir suscetibilidades. Estas são conquistas que não posso negligenciar e parte desta jornada é estar consciente da relação que estabeleço comigo mesma. Em vez de ser a minha maior crítica, a inimiga nº1 de mim própria, estou a tentar ser genuinamente minha amiga e torcer por mim, aplaudir as minhas vitórias e incentivar-me, mesmo quando as coisas nem sempre correm como eu gostaria.
Há uma vozinha em mim que me diz que este não é o match perfeito e que a minha psicóloga não é exatamente o tipo de pessoa que eu procurava, mas estou a tentar ser paciente com ela também e com ambas. Uma relação não se constrói num só encontro, requer algum tempo e entrega, dedicação. Fiquei apreensiva quando, no início da 2ª sessão, me questionou, novamente, o nome próprio. Fez-me sentir ... esquecida? Invisível? Sei que pode parecer um pormenor pequenino e insignificante, mas talvez por também conhecer o lado de lá, de me sentar semanalmente na cadeira oposta à que me sento quando estou nestas sessões, é que senti um desconforto quando me fez esta pergunta. Poderia estar cansada, ter tido um dia, uma semana difíceis, é certo. Mas ... questionar o nome fez-me sentir pequena num espaço em que me deveria sentir à minha altura.
Estou a tentar compreender se poderei estar a ser demasiado implacável ou se poderá existir aqui alguma razão de ser, que me possa levar a procurar outra pessoa, com quem sinta uma base mais sólida no que diz respeito à relação terapêutica. Por isso, estou a dar-me tempo, mantendo-me atenta a estas sinergias e dinâmicas.
Para terminar este desabafo, deixo-vos com uma questão que, de quando a quando, me vou colocando e me ajuda a reorientar: se alguém falasse convosco como vocês falam convosco próprios, seriam amigos dessa pessoa?
(Nem vou comentar nada sobre a ausência do blog, porque seria chover no molhado. Já se compreendeu que este lugar é como um caderno, um bloco de notas infinito, onde existe sempre uma folha branca disponível, à espera da composição frásica. Não é um diário, mas é um fiel companheiro. A todos vocês que me vão deixando comentários, sempre tão carinhosos, muito obrigada por continuarem aí )