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the old soul girl

the old soul girl

31
Ago20

o teu dia

girl

Avó, hoje farias anos. Onde quer que estejas e passe o tempo que passar, hoje é e sempre será o teu dia.

Tenho saudades tuas. Já aceitei a tua perda, já a chorei e já a encaixei no meu coração. No entanto, nunca deixarei de ter saudades tuas. Far-me-ás sempre falta e o tempo vai passando e vou pensando em ti, em tudo aquilo que já vivemos desde que partiste, tudo aquilo que já se passou. É uma das coisas que mais me faz confusão na perda. Continuamos a viver, o mundo continua a girar, o tempo não para, mas tu já cá não estás. É estranho tudo prosseguir e avançar e tu não fazeres parte.
Hoje é o teu aniversário e gosto de te recordar por tudo o que foste em vida. E que grande vida, avó! Podia passar horas a ouvir-te falar dos teus tempos de miúda, de como era a vida nesses dias, dos momentos de adversidade e prova que atravessaste. Contavas-me essas histórias e eu, ouvindo-te, sentia que as tinha vivido. Imaginava como teriam sido os teus pais, que nunca conheci; que menina e jovem foste; como te apaixonaste; como deste à luz um mão de filhos; como sempre foste uma mulher de garra e coragem. Penso não existir nada que não fosses capaz de alcançar, avó. Pelo menos, sempre foi assim que olhei para ti. Como uma força inquebrável, uma lutadora que não se verga nem desiste face a nenhuma batalha até a guerra se dar por terminada.
Eras sempre mais dos outros do que de ti mesma. É uma característica que corre na nossa família, metade de nós nascemos para ser cuidadores e direcionar as nossas forças e empenhos para os outros. Tu eras assim. Passarias fome se isso assegurasse que os teus teriam comida na mesa. Abdicarias de todo e qualquer conforto por nós todos. E assim o fizeste, muitas vezes, repetidamente.
Sabes, avó, sinto uma pena imensa de te ter perdido tão cedo. Não deveria ter sido assim. Há conquistas, momentos bons e maus, em que eu precisava de ti, aqui, ao meu lado. Em que, acima de tudo, lamento tanto que não estejas cá para ver, sentir, experienciar. É como se faltasse sempre algo e falta. Faltas tu.
Hoje farias anos, avó. Eu telefonar-te-ia e até iria ao teu encontro para te dar um beijo e um abraço apertado. Lembraste daqueles abraços em que me apertavas com força e sentias como o meu corpo se transformava? Nos teus braços eu passei de menina a mulher e tu fazias questão de me dizer. Eu ria-me e dizia-te que tinha mais de ti do que poderias imaginar. Ficaríamos assim, num abraço, contigo a agradecer todo o amor e eu sem jeito e sem forma de te explicar que tu mereces o mundo. Porque mereces, avó. Sempre o mereceste. Deste-me sempre tudo. Se fui uma criança feliz, a ti também te devo. Se hoje sou quem sou, tu também és responsável.
Avó, avó ... quando partiste, as minhas palavras foram contigo. Não me lembro do que te escrevi, mas sei que o fiz com urgência, sei que precisava que levasses contigo tudo aquilo que não tive tempo de te dizer. Avó, conforta-me saber que quando partiste, não estavas só. Estavas rodeada de amor. Nesse dia, ainda antes de saber que tinhas partido, falei de ti. Quando me preparava para entrar em casa, soube, antes de saber, que já não estavas cá. Não encontro lógica para explicar esta sensação, nem me faz falta. Chama-lhe intuição, ligação, o que preferires. Eu soube, antes de saber, que já não estavas connosco. E, mesmo preparada para esse desfecho, doeu como se não existisse preparação alguma no mundo capaz de nos fortalecer para um momento assim.
Parece que foi ontem, parece que foi há muito tempo. As saudades, essas malditas, conserva-as o tempo. E comigo vive a promessa de que enquanto viveres dentro de mim, e sempre viverás, és eterna. Por isso, parabéns avó. 

18
Ago20

As melhores férias

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A Ana, que já se apercebeu que eu gosto de desafios, lançou-me o de vos falar das melhores férias num máximo de 100 palavras. Ana, o desafio não será partilhar as melhores férias, mas sim ser capaz de o fazer recorrendo só a 100 palavras. Mas, challenge accepted, bring it on!

Quando te perdes é quando a verdadeira aventura começa” diz-me um estranho simpático, atento à minha falta de orientação. Barcelona é cor, luz, juventude, arte e liberdade. As longas caminhadas, ora subindo, ora descendo. As dores de pescoço de tanto olhar para cima e vislumbrar arte a cada passada e cada esquina. A explosão de sabores do Boquería e do Pura Brasa. A liberdade daqueles passeios de bicicleta, com o cabelo ao vento e o sorriso estampado na cara. A felicidade no estado mais puro dos espetáculos da Fonte Mágica. A dor na partida, com a promessa de um regresso.

29
Jul20

surrender

girl

No dia em que me ligaram a confirmar a minha disponibilidade para o novo desafio que me tinha sido proposto, eu tinha acabado de fazer uma meditação guiada da Sarah Blondin, chamada Learning to Surrender.

Antes de avançar, quero apenas dizer-vos que a Sarah é, provavelmente, das melhores "professoras" de meditação que poderão encontrar. Todas as meditações dela são mágicas, a Sarah tem uma presença que emana tranquilidade e paz. Por isso, fica aqui o meu conselho para a irem pesquisar no Insight Timer, estou certa de que não se arrependerão. 

Retomando. Learning to Surrender. Surrender pode ser traduzido como rendição, entrega. Para mim, como tenho vindo a escrever, a capacidade de entrega, de deixar fluir, é uma aprendizagem contínua, porque toca na minha maior necessidade, que é a de controlo. Controlo e entrega não são compatíveis. Do mesmo modo que controlo e vida também não o são. Na verdade, há pouquíssimas, raras coisas que podemos controlar nesta nossa existência. Podemos controlar os nossos pensamentos (ou, pelo menos, a influência que estes têm sobre nós), os nossos comportamentos e emoções. Podemos controlar a forma como reagimos ao que nos acontece, mas nunca seremos capaz de controlar o que nos acontece. As alegrias e infelicidades da vida não são, muitas vezes, selecionadas por nós. Apenas nos resta ser capazes de lidar com elas da melhor forma possível, do modo que temos disponível naquele momento para enfrentar aquela situação. 

Hoje é o segundo aniversário da morte da minha família como sempre a conheci. Da família onde cresci, onde fui e fomos imensamente felizes. Não escolhi este desfecho, simplesmente aconteceu. Veio bater-me à porta, com uma força e urgência de quem não pede permissão para entrar. Gosto de pensar que tudo o que nos acontece tem o poder de nos transformar. Que tudo pode ser um presente. Mesmo que não venha embrulhado num papel colorido e seja apetecível. Na verdade, há oportunidades únicas de mudança que nunca olharemos como positivas, mas saberemos sempre que foram necessárias para o nosso crescimento. Esta é uma delas. Dificilmente olharei para este acontecimento como positivo, mas consigo extrair dele valiosas aprendizagens. Uma delas é precisamente sobre ser capaz de me render à vida. Aceitar tudo - o bom e o mau - resistindo cada vez menos à mudança. 

Quando me telefonaram, tinha acabado de ouvir a Sarah a dizer que entrega não é o mesmo que desistência. Não é algo passivo. Entrega é sermos capazes de fluir com a vida, de a seguirmos como a água segue o curso natural do rio, que segue o seu caminho ao oceano, fundindo-se num só. É sobre desconstruir resistências, porque tudo aquilo ao qual resistimos, apenas persistirá, como Jung nos ensinou. É sobre compreender, com a mente e o coração, de que o controlo é uma ilusão, de que quando deixamos de ter essa necessidade, podemos estar abertos, curiosos e disponíveis para todas as oportunidades que a vida tem para nós. A meditação acabou, eu ainda estava enfeitiçada por estas palavras mágicas, quando o telefone tocou e me fizeram a proposta oficial. Eu sei que ultimamente tenho falado muito acerca de sinais, mas naquele momento, não fui capaz de ignorar a mensagem. Quando nos propomos a abraçar a vida, com tudo que esta tem para nos oferecer, as coisas simplesmente acontecem. No meu caso, tive esta prenda, mas não me enganei, este é um presente que traz consigo uma dose enorme de desafio e crescimento, como vos tenho contado. Deixou-me muito feliz, mas rapidamente percebi que ia estremecer com todas as minhas inseguranças e defesas. A vida não tira sem nos dar nada em retorno, do mesmo modo que não nos dá, sem nos tirar algo também. É um fluxo contínuo, que não podemos contrariar. 

Por isso, escolho olhar para o dia de hoje como uma oportunidade de recomeço. De renovar pensamentos, de me desfazer de crenças e medos que não me acrescentam, apenas consomem. Somos responsáveis pela nossa vida e, como tal, pela nossa felicidade. Que nos esqueçamos de que somos detentores desse poder e, como tal, dessa responsabilidade. 

10
Jan20

5

girl

Avó,

Já foram inúmeras as vezes que olhei para a data de hoje no calendário e pensei em ti. Pensei que foi neste dia, há precisamente 5 anos, que nos disseste adeus (ou até já) num sábado frio e solarengo. Lembro-me como se fosse hoje daquela sensação estranha e premonitória que percorreu o meu corpo segundos antes de entrar em casa e me cair o mundo em cima. De algum modo, que desconheço por completo, era como se eu já soubesse que já não estavas connosco. E não estavas, pelo menos na forma, no corpo, na matéria como te conhecíamos. 

Torno a dizer-te que esbarrei tantas vezes na data de hoje e pensei em ti, avó. Mas tenho de te confessar que em nenhum momento me dediquei a pensar em ti só e exclusivamente, como tu mereces. Tenho dito e repetido a mim mesma, ao longo do dia, que esta data merece ser sentida e refletida como deve ser: com calma, tempo e amor. Quero dedicar-me a pensar em ti, em nós, na vida que partilhamos com toda a atenção do mundo, focando-me muito mais no que vivemos do que naquilo que deixamos por viver após a tua partida. 

Sabes, avó, quando tento encontrar recordações de momentos vividos contigo em que não fui feliz, falho sempre redondamente. E acho que deve ser a ocasião em que mais adoro ser uma falhada!  Talvez a única, para ser sincera. Porque não há uma única memória, nem sequer uma exceção que confirme a regra, em que eu não tenha sido feliz ao teu lado. Quer dizer, avó, haver, claro que há, mas são as memórias de quando estavas doente e essas não contam, porque não foste a culpada da minha infelicidade, tu estavas tão mais triste do que eu, tão mais desesperada. Essas memórias foram-nos impostas, não fomos nós que as criamos, por isso continuo a sentir que não houve um momento em que não me tenhas feito feliz. 

E tu sabias tão bem como me fazer feliz. Era uma fórmula simples e que resultava sempre. Com as coisas pequenas, como a minha comida preferida, a cama sempre quentinha, os longos e aventureiros banhos de espuma, os desenhos animados nas manhãs de domingo, as torradas e o leite com chocolate, as palmadinhas de orgulho à medida que o meu corpo ia crescendo e me transformava numa menina-mulher, as idas ao sótão da tua casa que hoje vejo como era pequeno, mas naquela altura parecia-me gigantesco. Porque em cada uma destas pequenas coisas imprimias sempre tanto amor, tanto carinho e doçura. Num só abraço seguravas o mundo e fazias sentir-me intocável e protegida por uma força oculta e invisível. 

E depois há outra coisa, avó. É que tu eras um terramoto, uma força incontrolável da natureza. Eu nunca conheci ninguém como tu, tão destemida, tão guerreira, tão senhora segura de si mesma. O orgulho que eu tenho em ti desde sempre. Se tu soubesses como eu falava de ti aos meus amigos, ficarias enternecida e perceberias que para mim sempre foste a super-mulher. 

Hoje recordo-te por todas as coisas boas que nasceram da sorte de sermos neta e avó uma da outra. Estou em paz com a tua ausência, porque compreendi, não só com a cabeça, mas também (e sobretudo) com o coração, que vives em mim. Nunca estarás ausente enquanto continuares tão viva dentro de mim. Quando te vi naquele caixão, não derramei uma lágrima, porque aquele corpo já não eras tu, era apenas isso, um corpo. O que tu eras já não estava ali e, por isso mesmo, não eras, continuas a ser. Para mim continuas a ser, sempre serás. Claro que nunca deixarei de sentir que te perdi cedo demais, mas não seria sempre cedo demais? Não me farias sempre uma imensa falta e deixarias sempre uma excruciante saudade? 

Avó, 5 anos longe de ti. Sabes do que sinto mais saudades? Dos teus abraços. Ainda não voltei a encontrar noutros braços o conforto e a inocência que encontrava sempre que me aprisionavas nos teus. Sinto que aquela menina pequena ficou para sempre amarrada num abraço teu. Um abraço casa, que em meros segundos transformava todo o restante dia. 

Avó, gosto tanto de ti. E todos os dias luto contra a minha racionalidade para me convencer que um dia voltarei a encontrar esse abraço apertado e me sentirei novamente em casa, contigo. Era tudo o que mais queria. 

02
Jan20

Everything will slide, Love will never die

girl

Ontem adormeci a pensar nas minhas avós, relembrando-as numa tentativa de as manter vivas em mim, resgatando-as do esquecimento que a morte traz consigo. Ao pensar nelas, pensei naquela fase distante da minha vida em que tudo era diferente. Regressei àqueles dias maravilhosos, que na altura me pareciam banais, em que elas existiam no plano físico e a sua presença era o suficiente para me sentir sempre protegida e em casa. Aos dias em que elas, cada uma à sua maneira, me amaram e me fizeram acreditar no mundo, inspirando-me com a sua força, determinação e garra. As minhas avós eram autênticas gladiadoras, mulheres de forças e armas, pilares fortes e densos da nossa família. 

Inevitavelmente, o meu coração apertou-se com as saudades. Saudades delas, saudades de mim, saudades desse tempo em que elas estavam cá e, só por isso, tudo era diferente e melhor. Este aperto adensa-se com o contraste gigante que existe entre a vida, nessa altura, e a vida agora. Como tudo se alterou, como todos os caminhos que pareciam certos se desvaneceram e nos levaram a um circuito labiríntico, que nos faz andar às voltas, sem encontrar a saída.

Não sei o que pensariam de tudo isto, bem não seria certamente. Sei que não poderiam inverter o rumo que os acontecimentos tomaram e sei, com segurança, que nada poderiam fazer para tornar a situação fácil. Mas também sei, com toda a certeza que existe no mundo, que tornariam tudo mais suportável. Que a sua presença, apenas, por ser tão forte, nos faria sentir um bocadinho menos perdidos, menos inseguros e mais capazes. Que o seu abraço, o seu colo, as suas sábias palavras tornariam toda a nossa realidade mais aceitável e menos negra. Porque esta é, talvez, a característica que mais associo aos avós, a todos no geral e aos meus em particular: a capacidade de nos fazer sentir protegidos, como se fossem o nosso escudo contra os males do mundo. A realidade não deixa de nos atingir, de nos provocar qualquer tipo de dano ou estrago, mas quando o faz, passou primeiro pela nossa bolha protetora. E quando nos trespassa, estão sempre, calorosos, com um abraço que nos desarma e nos faz encolher como se regressássemos à fase mais pura e inocente das nossas vidas. 

Avós, tenho saudades. A cada ano que passa, imagino como teria sido se estivessem cá. As alegrias, que celebraríamos juntas, as tristezas, que partilharíamos, juntas também. Aliás, juntas sempre. Tenho saudades. Acredito que algures saibam que a nossa vida só empobreceu com a vossa partida, abriu-se um vazio, uma espécie de buraco negro, impossível de preencher. Tenho sempre saudades vossas, mas, se for de alguma forma possível, acho que hoje tenho ainda mais um bocadinho, a somar à enorme quantidade de saudades que já sinto. E sabem? Não sinto apenas saudades vossas, sinto também saudades de quem eu era com vocês. Esse lado meu, chamemos-lhe assim, que foi com vocês, assim que decidiram embarcar. A única coisa que me aquece o coração é saber o quanto de vocês, que também ficou, comigo.