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the old soul girl

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21
Ago23

Reencontros felizes

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Este fim-de-semana encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Uma amiga que conheci na infância, reencontrei na adolescência e que foi companhia e presença constante nos anos da faculdade. Uma daquelas pessoas que encarna o fenómeno agulha num palheiro, por ser tão especial que, de facto, nos faz sentir que dificilmente encontraremos alguém semelhante. Foi tão engraçado encontrá-la no meio de uma avalanche de gente, ver aquele sorriso no meio de tantos rostos e aqueles braços abertos para me receber num abraço apertado, de saudade e alegria. 

Poderia ter-se passado uma década desde o nosso último encontro, a nossa última conversa e, ainda assim, tenho a certeza que teríamos a mesma facilidade em comunicar uma com a outra. Há pessoas, há amizades assim. O tempo passa, passa por cada uma de nós, mas não machuca a conexão criada e é simplesmente fácil. É simples. É um regresso a casa. É aquela sensação de conforto e serenidade de estarmos num espaço familiar e seguro. 

Atualizamos as novidades das nossas vidas. Somos ambas da mesma área profissional e, como tal, partilhamos as mesmas dificuldades, desafios e dúvidas. Optamos por percursos muito diferentes, mas parece-me que o resultado final não difere assim tanto. Ela, sempre mais persistente e sonhadora, decidiu abraçar o desafio de continuar na nossa área; eu, mais pragmática e realista, decidi seguir de imediato para o plano b, que rapidamente se tornou no único plano possível. Hoje estamos as duas afastadas da nossa paixão, com algumas desilusões e amarguras colecionadas pelo caminho.

A verdade é que a faculdade foi um período dourado nas nossas vidas. Não por não existirem dificuldades e momentos duros, porque existiram e a maioria deles aconteceu na nossa vida pessoal e não tanto académica. Mas porque tivemos a felicidade de decidir estudar uma área que nos preencheu por completo e nos fez sentir que estávamos no sítio certo. Eu, pelo menos, passei grande parte da minha vida de estudante a sentir-me desintegrada. Nunca fui uma má aluna, pelo contrário, mas sempre me senti à deriva. Estudava para ter boas notas, porque sabia que era o meu dever, porque os meus pais me incentivavam a tal, mas nunca estudei com um propósito maior. Nunca soube o que queria ser, a não ser saber que queria ser feliz. E isso significa que, independentemente do que estivesse a fazer, eu queria sentir-me feliz a fazê-lo. Quando chegou o momento de escolher, a minha opção foi feita pelo método mais arriscado: exclusão de partes. Excluindo tudo o que tinha a certeza que não gostava e não queria, sobraram poucas opções em cima da mesma e foram essas as minhas escolhas. 

Por isso, descobrir que, no meio do acaso, a escolha foi a certeira, foi uma sensação que ainda hoje não encontro palavras para descrever. Acho que foram os cinco anos mais felizes da minha vida e nos quais me consegui descobri e ser finalmente eu, se é que isto faz algum sentido. Foram anos de muito crescimento, de desafio, de estar simplesmente no caminho certo. Cada descoberta era mágica e reforçava as minhas certezas. 

Ao encontrar a minha amiga, viajei até esses anos, tão bons, tão ricos. Tempos em que o tempo era meu, era da minha total e inteira responsabilidade. Em que o mundo parecia estar nas nossas mãos e tudo era possível. Foi tão bom encontrar uma das personagens principais dessa época e perceber que, apesar tudo, a amizade, a pureza, se mantêm intactas. E que, apesar de tudo, das nossas vidas não se terem concretizado exatamente como prevíamos e desejávamos, conseguimos encontrar novos caminhos, reconstruir propósitos, compreender que há muitas opções diferentes para se ter um final feliz e que Carl Rogers foi sábio nas suas palavras e visão da vida:

"The good life is a process, not a state of being. It is a direction, not a destination.". Estamos a caminho, querida amiga 

11
Ago23

Férias

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Já perdi a conta ao número de vezes que ouvi pessoas a dizer "para tirar férias e ficar em casa, prefiro estar a trabalhar!". Por mais que tente compreender esta forma de olhar para as férias, admito que ainda não consigo empatizar com esta visão. Talvez seja porque não adoro o meu trabalho, talvez seja porque me "contento" com pouco, não sei. Para mim, o conceito de férias é simples: não ir trabalhar. Não preciso de ter grandes planos, não preciso sequer de sair de casa, basta quebrar a rotina de acordar cedo, preparar almoço, passar o dia no escritório, para me sentir de férias. 

Este ano tirei uma semana de férias sozinha. O meu namorado mudou recentemente de emprego e, como tal, em ano de admissão o direito às férias só surge após seis meses de trabalho. Eu, pelo contrário, como mudei de emprego no ano passado, acumulei alguns dias de férias. Assim, marquei uma semana de férias para desfrutar da minha companhia e, sem dúvida, que me soube pela vida!

A liberdade de fazer o que me apetece, não ter de conciliar vontades nem fazer cedências, não ter de esperar por ninguém, ser a dona do meu tempo e determinar a que horas vou fazer o que me apetecer fazer foi maravilhoso. Aproveitei para me dedicar a tudo que me nutre e faz sentir feliz, viva: caminhar com a música como companheira, pela natureza, pela praia; ler; ouvir música; descansar no sofá, com direito a ver filmes românticos e com finais felizes; escrever: sentar-me a ver o mar, as ondas, a sentir o sol. Foi tão bom parar e descobrir o que existe à minha volta.

Acima de tudo, foi a oportunidade mágica para estar comigo e entender que solidão e solitude são conceitos muito diferentes. Estive quase sempre sozinha, mas senti-me sempre acompanhada, plena e feliz por estar na minha companhia. Cheguei, inclusive, a ir lanchar sozinha, levar o meu caderno e escrever sobre o desconforto inicial que senti por estar sozinha num café, a lanchar, e sobre o modo como, ao aceitar esse desconforto, ele se foi dissipando e a experiência se foi tornando, gradualmente, cada vez mais prazerosa e rica. O modo como me senti viva e presente, focada nos estímulos à minha volta a que, por norma, estou alheia. Depois do lanche, ainda fui caminhar até à praia, em modo de passeio, desfrutando do sol, do vento, da alegria de ter tempo para mim e para usufruir dos pequenos prazeres da vida.

Confesso que também existiram momentos em que senti que seria bom estar acompanhada, em que gostaria de ter companhia para partilhar aquela sensação de paz e de bem-estar, de felicidade. Mas nunca foi um sentimento predominante e que me fez aproveitar menos o tempo livre. Pelo contrário, fez-me sentir grata por ter pessoas na minha vida com quem gosto de estar, de viver, e como uma dessas pessoas, a mais importante, sou eu mesma. 

Estar de férias, torno a dizer, é apenas não trabalhar. Por a rotina em stand-by e ter tempo para ser, para estar, para sentir, para fazer o que nos dá prazer e não apenas o que são obrigações e deveres. É desligar o despertador, mesmo que se continue a acordar cedo como se ele tocasse. Não faz mal, é um despertar completamente diferente. É a sensação de acordar para mais um dia, cheio de possibilidades, onde podemos escolher o que fazemos com cada segundo, porque somos os donos do nosso tempo. É cozinhar pratos deliciosos, que nos levam mais tempo, requerem mais técnica e trabalho, mas não faz mal, porque temos tempo para nos dedicarmos a eles. É conversar e estar com as pessoas de quem mais se gosta sem olhar para o relógio, porque existe todo o tempo do mundo para desfrutarmos uns dos outros, podemos dar atenção total a cada um. É um despir completo de afazeres, de telefonemas, emails, demandas. É abrandar para olhar para o céu, para ir ver o mar, para sentir o sol no rosto, para olhar para as árvores e flores e perceber que existe tanta natureza, todos os dias, à nossa volta. É regressar a casa, à casa que somos e cuidar dela, adorná-la, limpá-la, fazê-la sentir bonita, arrumada, serena novamente. É a sensação de regresso, de retorno, após uma longa temporada de ausência, de viver a meio gás, à superfície, apenas pela metade. 

14
Ago20

#5 Self-care Journal: 10 beauty self-care ideas to try

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As minhas ideias de beleza e autocuidado são muito básicas e assentam numa premissa simples: cuidar do interior é também uma forma de cuidar do exterior. Por isso, seguem as dicas que pratico no meu quotidiano, alternando entre a camada externa e interna:

1. Beber água

É um desafio para pessoas que, como eu, podem passar um dia inteiro sem sentir sede. O truque (que funciona comigo) é ter sempre uma garrafa de água e ir bebendo ao longo do dia, em quantidades menores, mesmo que o corpo não manifeste grande vontade. O foco é estabelecer um objetivo de x litros por dia e orientar forças para a concretização desse mesmo objetivo. O meu são os 2L diários e tenho-me superado!

2. Hidratação

Além da hidratação via ingestão aquosa (ver dica 1), é importante cuidar da pele (e também cabelo). Para mim, que sou uma preguiçosa no que diz respeito a estas coisas, aplicar creme hidratante todos os dias é um feito. O meu mindset passou a ser o seguinte: uma ação só se torna um hábito depois de ser praticada n vezes. Por isso, comecei a aplicar creme diariamente, a aproveitar esse momento para descontrair, e o que era um frete passou a ser um hábito que faço com todo o gosto. Além disso, tem o plus de que a pele fica super fofinha e a cheirar maravilhosamente bem!

3. Exercitar o corpo

Movimento, o nosso corpo precisa de movimento! Nós fomos feitos para nos movermos! Mas quando se tem um emprego em que as oito horas são passadas sentadas em frente a um computador, pode tornar-se um bocado difícil nos movermos a toda a hora. Para algumas pessoas, o gosto pelo desporto é inato e sentem-se verdadeiramente felizes quando estão a sofrer entre pranchas e halteres. Para outras, o exercício físico é um tormento. No entanto, tenho a minha teoria: todos nós gostamos de exercício, só temos de descobrir qual é o ideal para nós. Depois de descobrirmos o que nos faz sentir ativos e vivos, rapidamente se torna em algo prazeroso! Até porque, vamos lá admitir, não há muitas sensações que saibam tão bem como chegar ao final de um treino, com a sensação de dever cumprido certo? Eu adoro caminhadas, cardio, dança, localizada. Gosto, acima de tudo, de estabelecer objetivos e de me superar. Ter um corpo tonificado e saudável são os bónus! 

4. Dormir

O sono é a melhor meditação de todas as meditações, já dizia Dalai Lama, e é a mais pura das verdades. Dormir bem é reparador, não só para o corpo como para a mente. O nosso cérebro precisa do sono para fazer a triagem da informação recebida durante o dia, selecionando a que fica guardada daquela que vai direta para a reciclagem. Sei que no nosso quotidiano o tempo é algo que nos foge das mãos e, por isso, tentamos aproveitar todos os segundos e consideramos que parar é morrer, que dormir é um desperdício de tempo. Mas não é verdade, dormir é uma condição essencial para estarmos a 100% para aproveitar a vida. Poucas coisas sabem tão bem como dormir uma noite inteira, sem despertares, profundamente!

5. Alimentação saudável

Eu não vos disse que as minhas dicas eram do mais básico que poderia existir? Isto são apenas verdades de La Palice! No entanto, nunca é demais reforçar que o nosso corpo é a nossa casa, é o nosso templo sagrado e, como tal, temos de cuidar dele da melhor forma possível. É preciso nutrir o nosso corpo com alimentos do bem, ricos em nutrientes, que nos permitam ter energia e vitalidade para usufruir da nossa estadia nesta vida maravilhosa. Claro que há espaço para o chocolatinho maroto, para a francesinha mensal, há espaço para tudo, desde que a palavra-chave seja equilíbrio! 

6. Respirar conscientemente

Aprender a respirar bem é uma ferramenta importantíssima, que todos devíamos ter na nossa caixa de pronto socorro da vida. Respirar profundamente, sem pressas, permitindo ao corpo absorver o ar puro e libertar o tóxico liberta-nos a mente e tranquiliza-nos o corpo. Parar ao longo do dia para verificar como está a nossa respiração e perder uns segundos a fazer três a cinco respirações conscientes é das melhores formas que temos para expressar ao nosso corpo e à nossa mente de que está tudo bem, está tudo tranquilo. Muitas vezes, no trabalho, quando vou à casa de banho, fico um bocadinho a respirar fundo. Inspiro lentamente, sentindo o ar chegar a cada ponto do meu corpo e depois expiro, de forma controlada e longa, de forma a que o ar vá saindo aos poucos, como se o meu corpo estivesse a esvaziar. Aparentemente nada se altera, mas por dentro sinto-me plena e confortada.

7. Expressão emocional

Rir, chorar, soltar um suspiro, um grito se for necessário. Expressem-se pela vossa saúde. As emoções existem para nos guiar, são indicadores do nosso estado mental e precisam de ser ouvidas e libertadas. Aceitar o que estamos a sentir, neste instante, é o truque para que a emoção, seja ela qual for, seja experienciada e passe. Sim, as emoções são transitórias quando as aceitamos e lhes damos espaço para se libertarem. Afinal, qual é a pior coisa que pode acontecer? O pior advém, acreditem, quando não o fazemos. 

8. Sorrir :)

Faço parte do grupo de gente que acredita que a sorrir tudo se torna melhor. Sorrir ilumina-nos e ilumina os que estão ao nosso redor. Mesmo nos dias difíceis, um sorriso tem a capacidade de apaziguar a dor e, biologicamente falando, quando sorrimos transmitimos ao nosso cérebro a mensagem de que está tudo bem. Por isso, sorriam sempre e sorriam muito :)

9. Desfrutar da vida

Não se levem a sério, aproveitem a vida ao máximo, mesmo nas coisas mais simples e singelas. Estejam abertos à experiência e não tenham medo de correr riscos. Eu escrevo-vos isto e escrevo-o para mim também, que vivo sempre com o modo medo ativado. Cantem a caminho do trabalho, dancem no quarto, façam coisas que elevem o vosso espírito para cima, que vos preencham o coração. Para mim, ler um bom livro, ver aqueles filmes clássicos que já vi mil vezes mas que mesmo assim me encantam sempre (sim Dirty Dancing, estou-me a referir a ti!), jogar uno com a minha família, ouvir música bem alto e dançar sem vergonhas, escrever,  beber uma boa chávena de chá, são tudo coisas que me fazem sentir bem. Descubram o que vos faz bem e façam-no! 

10. Agradecer

Por último, mas não menos importante, agradeçam. Agradeçam o simples facto de estarem vivos, de respirarem, de cá estarem. Agradeçam, mesmo pelas adversidades que a vida trouxer, porque não há crescimento nem transformação sem dor, a vida é mesmo assim, uma constante e incessante procura pelo equilíbrio. Pensem no milagre que é o funcionamento do nosso planeta, do nosso corpo, na riqueza que existe neste mundo e sintam-se gratos por terem a oportunidade, ainda que vã, de poderem usufruir desta magia. Quando agradecemos pelo que temos, mesmo que não pareça ser muito, o pouco transforma-se em riqueza. 

12
Ago20

#3 Self-care Journal: Describe your perfect mourning

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A manhã perfeita começa com um acordar tranquilo, sem despertador, abraçada no conforto e calor dos braços do meu amor. Levanto-me, esticando o corpo, e vou até à janela para descobrir um sol luminoso, envolvido por um céu azul com apenas um rasgo aqui e ali de nuvens, semelhante às linhas deixadas pelos aviões. A temperatura está ótima, está calor e corre apenas uma ligeira e suave brisa, que sabe pela vida. Tomo um pequeno-almoço rico e nutritivo, repondo os níveis de energia para viver este dia maravilhoso que me foi dado. Como sem pressas, saboreio, delicio-me com o contraste de sabores e termino em grande, com a minha sempre fiel chávena de chá. Faça frio, faça calor, o meu chá nunca pode faltar.
Refresco-me com um banho rápido, que me dá a verdadeira sensação de despertar e visto uma roupa confortável, leve e fresca. Não preciso de me arranjar, não são necessárias mordomias. Calço as sapatilhas de desporto e sigo o meu caminho. Vou ao encontro do meu lugar favorito. Um lugar onde o mar e o monte se abraçam, onde posso percorrer trilhos envolvidos pelas árvores altas e frescas e outros acompanhados pelo mar, olhando para o horizonte infinito. Caminho com vitalidade e vigor, a cada passo que dou sinto-me viva e grata pela vida. O sol queima-me a pele, o suor começa a escorrer pelas costas abaixo, mas tudo me sabe a vida e continuo o meu percurso. Estou na natureza mais pura e simples, sinto uma tranquilidade que me faz sentir em casa. Ali estou em paz, enquanto me movimento e me perco nas flores, nas árvores, no chilrear dos passarinhos, no som das ondas. Quando termino a minha caminhada, sou invadida por uma sensação de bem-estar que ultrapassa qualquer cansaço.
Regresso a casa, agora pronta a tomar um banho demorado. A água lava-me o corpo e também a alma. Não há dor nenhuma que um banho de água quente não seja capaz de apaziguar. Seco-me, hidrato a minha pele com cuidado, penteio o meu cabelo, olho-me ao espelho e sorrio. O meu rosto está vermelho do vapor da água quente, os meus olhos brilham com a felicidade que sinto dentro de mim e o meu sorriso faz-me sentir plena.
É então que me sento, por vezes no chão, por vezes na minha cama, e me entrego à meditação. Respiro devagar e profundamente, entrego-me a cada inspiração e expiração como se nada mais importasse naquele momento porque, na verdade, nada realmente importa. Regresso a mim, regresso a casa. Sinto-me em paz e grata. Sinto-me numa relação de amor comigo mesma. Agradeço-me e agradeço à vida. Quando olho para o relógio, a manhã já passou e, como sempre, foi vivida em perfeita harmonia.

29
Jul20

surrender

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No dia em que me ligaram a confirmar a minha disponibilidade para o novo desafio que me tinha sido proposto, eu tinha acabado de fazer uma meditação guiada da Sarah Blondin, chamada Learning to Surrender.

Antes de avançar, quero apenas dizer-vos que a Sarah é, provavelmente, das melhores "professoras" de meditação que poderão encontrar. Todas as meditações dela são mágicas, a Sarah tem uma presença que emana tranquilidade e paz. Por isso, fica aqui o meu conselho para a irem pesquisar no Insight Timer, estou certa de que não se arrependerão. 

Retomando. Learning to Surrender. Surrender pode ser traduzido como rendição, entrega. Para mim, como tenho vindo a escrever, a capacidade de entrega, de deixar fluir, é uma aprendizagem contínua, porque toca na minha maior necessidade, que é a de controlo. Controlo e entrega não são compatíveis. Do mesmo modo que controlo e vida também não o são. Na verdade, há pouquíssimas, raras coisas que podemos controlar nesta nossa existência. Podemos controlar os nossos pensamentos (ou, pelo menos, a influência que estes têm sobre nós), os nossos comportamentos e emoções. Podemos controlar a forma como reagimos ao que nos acontece, mas nunca seremos capaz de controlar o que nos acontece. As alegrias e infelicidades da vida não são, muitas vezes, selecionadas por nós. Apenas nos resta ser capazes de lidar com elas da melhor forma possível, do modo que temos disponível naquele momento para enfrentar aquela situação. 

Hoje é o segundo aniversário da morte da minha família como sempre a conheci. Da família onde cresci, onde fui e fomos imensamente felizes. Não escolhi este desfecho, simplesmente aconteceu. Veio bater-me à porta, com uma força e urgência de quem não pede permissão para entrar. Gosto de pensar que tudo o que nos acontece tem o poder de nos transformar. Que tudo pode ser um presente. Mesmo que não venha embrulhado num papel colorido e seja apetecível. Na verdade, há oportunidades únicas de mudança que nunca olharemos como positivas, mas saberemos sempre que foram necessárias para o nosso crescimento. Esta é uma delas. Dificilmente olharei para este acontecimento como positivo, mas consigo extrair dele valiosas aprendizagens. Uma delas é precisamente sobre ser capaz de me render à vida. Aceitar tudo - o bom e o mau - resistindo cada vez menos à mudança. 

Quando me telefonaram, tinha acabado de ouvir a Sarah a dizer que entrega não é o mesmo que desistência. Não é algo passivo. Entrega é sermos capazes de fluir com a vida, de a seguirmos como a água segue o curso natural do rio, que segue o seu caminho ao oceano, fundindo-se num só. É sobre desconstruir resistências, porque tudo aquilo ao qual resistimos, apenas persistirá, como Jung nos ensinou. É sobre compreender, com a mente e o coração, de que o controlo é uma ilusão, de que quando deixamos de ter essa necessidade, podemos estar abertos, curiosos e disponíveis para todas as oportunidades que a vida tem para nós. A meditação acabou, eu ainda estava enfeitiçada por estas palavras mágicas, quando o telefone tocou e me fizeram a proposta oficial. Eu sei que ultimamente tenho falado muito acerca de sinais, mas naquele momento, não fui capaz de ignorar a mensagem. Quando nos propomos a abraçar a vida, com tudo que esta tem para nos oferecer, as coisas simplesmente acontecem. No meu caso, tive esta prenda, mas não me enganei, este é um presente que traz consigo uma dose enorme de desafio e crescimento, como vos tenho contado. Deixou-me muito feliz, mas rapidamente percebi que ia estremecer com todas as minhas inseguranças e defesas. A vida não tira sem nos dar nada em retorno, do mesmo modo que não nos dá, sem nos tirar algo também. É um fluxo contínuo, que não podemos contrariar. 

Por isso, escolho olhar para o dia de hoje como uma oportunidade de recomeço. De renovar pensamentos, de me desfazer de crenças e medos que não me acrescentam, apenas consomem. Somos responsáveis pela nossa vida e, como tal, pela nossa felicidade. Que nos esqueçamos de que somos detentores desse poder e, como tal, dessa responsabilidade. 

28
Jul20

trust

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Os sinais existem e estão presentes, basta estarmos atentos e, talvez o mais importante, estarmos recetivos. Hoje entro no meu computador de trabalho, iniciando sessão e abrindo o google chrome, que me recebe sempre com uma frase inspiradora para começar o dia em pleno. A frase que me abraçou hoje foi a seguinte:

Unless you try to do something beyond what you have already mastered you will never grow. - Ralph Waldo Emerson 

Esta citação resume na perfeição a fase que estou a viver. Estou perante um processo de aprendizagem enorme, que me está a desafiar a todos os níveis. Está a mexer com todos os meus medos e receios, com todas as minhas forças e fragilidades. Tenho momentos de confiança e, a seguir, começo a sentir o medo a espreitar, a aproximar-se e a sussurar-me ao ouvido "será que és mesmo capaz?". Sinto o entusiasmo, a adrenalina de me dedicar a algo que me enche tanto o coração e me faz sentir tão viva, mas, ao mesmo tempo, os velhos receios e os pensamentos negativos explodem diante de mim. Quero focar-me apenas no lado positivo, mas não existe luz sem sombra; esta experiência é um todo e, como tal, é também constituída por momentos de angústia no meio de tantos momentos de alegria e euforia. 

Olho para dentro de mim e vejo dois caminhos. Vejo o velho e conhecido caminho, aquele que me faz sentir segura, mas frustrada; que é reto, plano e não requer grande energia da minha parte para ser percorrido (porque, de tão velho que é, conheço-lhe cada milímetro e percorro-o de olhos fechados). E depois vejo um outro, que não está sequer finalizado, que brilha com muita intensidade, com tanta luz, que me ofusca e faz sentir tonta e desnorteada. É tentador, mas deixa-me apreensiva, o meu estômago enrola-se em si mesmo e sinto a minha garganta contorcer-se num nó cego. Por um lado, quero sentir-me segura e estável; por outro, quero a aventura, o desafio. Quero ambos os caminhos, quero se cruzem e formem um só. 

No fundo, o que eu quero é sentir-me segura nesta nova fase. Quero adquirir a experiência que me faz sentir tranquila e plena, embora, para tal, necessite de percorrer o caminho desconhecido vezes e vezes sem conta até este se tornar familiar. Quero ser grande sem precisar de crescer. Faz algum sentido? Ser sábia sem ter de passar pelas adversidades e lições da vida? 

Sei que esta ânsia é a minha necessidade de controlo a falar. É a minha necessidade de ser bem sucedida, não aos olhos dos outros, mas aos meus. Porque os meus olhos são os mais exigentes de todos. Eu sou a única que não me permito falhar, que não aceito a incerteza, que não normalizo o que é natural. Tenho tanto medo de fracassar, de fazer e dizer a coisa errada, de descobrir que sou uma farsa, uma impostora. No fundo, é como se todo o meu valor dependesse do que sou capaz de alcançar. 

Preciso de abraçar a incerteza com curiosidade; de me permitir errar; de desfrutar mais do processo e desligar-me do resultado final; de viver mais no agora do que nos meus medos imaginários, que apenas pertencem a um futuro longínquo e, muito provavelmente, nunca tornado realidade. 

Estou a crescer e a ser desafiada. Já me tinha esquecido de como é assustador e entusiasmante ao mesmo tempo. Preciso de respirar fundo e aceitar que este processo é mesmo assim. Que estes momentos de incerteza e vontade de desistir fazem parte. É a necessidade de conforto e controlo a gritar, são as resistências a fazer força e pressão. Respiro fundo e sei que, apesar de tudo, nunca conseguirei desistir. Pelo menos não agora. Porque se o fizesse não seria pelos motivos corretos. Não seria por perceber que afinal não é isto que me preenche e não é isto que quero para mim. Seria apenas pelo medo. 

Quando aceitei este desafio, foi com as palavras do meu amor em mente e com o bichinho de felicidade que se instalou no meu coração. Ele disse-me "aceita, nem que seja para perceberes se gostas!". E quando ele me disse estas palavras, tudo fez sentido e percebi que queria muito isto. Queria muito tentar. Mesmo que, para isso, me sinta tão perdida e desorientada tantas vezes. Mas se há característica que faz parte de mim é a persistência. Para ser grande, sê inteiro! Põe quanto és, no mínimo que fazes! Este é o meu lema, é a minha forma de estar na vida e é o modo com que encaro todos os desafios que me são lançados. Talvez seja até desta dedicação que nascem as ramificações do meu medo de fracassar, pois dou tudo de mim, pelo que é inevitável surgir o pensamento "e se, mesmo assim, não for suficiente?". O meu medo é proporcional à quantidade de esforço, energia e dedicação que emprego. Quanto maior é o meu medo, maior é a minha vontade de o ultrapassar. Mas quanto maior é o meu esforço e entrega, maior é a possibilidade de o fracasso ser recebido com angústia e dor. 

Independentemente de tudo, estou consciente de tudo o que estou a sentir e a pensar. Estou consciente de que este é um processo. E comecei este texto a falar de sinais. Comecei a escrever este texto ontem e hoje, quando regressei ao meu rascunho, sabem qual era a frase que me esperava?

Trust the process.

Acho que me resta confiar, certo? Em mim e em que tudo vai dar certo. Seja lá o que for esse certo!

21
Jul20

Life is a gift; experience is the beauty

girl

Passou-se um mês desde que escrevi pela última vez. Não tenho escrito por uma miríade de motivos, desde falta de tempo, de vontade, de assunto, excesso de preguiça, etc e etc. Mas escrever faz parte do meu ADN e, como tal, não posso ignorar a minha natureza. Por isso, cá estou, novamente, na minha casinha digital, pronta para fazer um update dos acontecimentos ocorridos neste mês de ausência.

Considero-me uma pessoa a quem nunca acontece nada realmente interessante de ser partilhado. Não sou, nunca fui, aquele tipo de gente a quem tudo lhe acontece e tem sempre uma história ou novidade para partilhar. Às vezes até penso na minha vida como uma paisagem alentejana, plana e árida, sempre igual por maior que seja o número de quilómetros percorridos. Não que isto me entristeça, porque, como gosto de ver o copo meio cheio, tendo a pensar que ausência de novidades pode muito bem ser sinónimo de ausência de tempestades. 

No entanto, este mês, uma novidade, das boas, veio bater-me à porta. Recebi, inesperadamente, uma proposta para trabalhar na minha área de formação em part-time. Uma proposta que me permite conciliar com o meu trabalho atual, permitindo-me ter o conforto e estabilidade, por um lado, com o desafio, criatividade e paixão, por outro. Quando recebi a proposta, o meu primeiro instinto foi declinar. Típico da minha pessoa, assustei-me, pensei logo que era areia demais para o meu camião e fiquei com medo. Aquela vontade de dizer "não" era o meu medo de falhar a falar por mim. Mas depois, com calma e com o apoio do meu mais que tudo, que me disse "eu aceitava sem pensar duas vezes, não penses, diz já que sim!", percebi o quão feliz estava por me estar a ser dada uma oportunidade tão boa, sem eu sequer ter ido atrás dela, sem ter dispendido um único segundo ou milésimo de energia. Literalmente, bateu-me à porta. Fiquei extasiada de felicidade e entendi que a minha alegria e vontade de aceitar o desafio conseguiam ser maiores e mais fortes do que o meu medo. Senti que seria uma ingratidão enorme da minha parte declinar uma prenda que o universo me estava a dar. Soube que me iria arrepender se não tentasse, que passaria a minha vida toda a pensar "e se ...?". E, talvez o mais importante, tive a certeza de que esta prenda da vida carregava um conjunto de aprendizagens, em que a maior delas todas é, sem qualquer dúvida, enfrentar o medo que me aprisiona e condiciona tantas vezes: o de falhar, o de não corresponder às expectativas e o de não ser suficiente. Esta oportunidade veio mascarada de desafio, no sentido em que me obriga a dar um salto de fé, no desconhecido, onde as certezas pura e simplesmente não existem. Por todos estes motivos, soube que recusar não era uma opção. Eu fiquei eufórica, com a adrenalina a percorrer-me o corpo, sabem aquela sensação de entusiasmo tão forte, que se confunde com ansiedade, mas uma ansiedade boa? Como é que eu poderia dizer não a algo que, pelo simples facto de vir ao meu encontro, já me deixara tão feliz? 

Posso dizer-vos que já iniciei este projeto e que, como em todos os começos, a ânsia, o nervosismo, o medo estavam presentes. Tentei dar-me consolo, conforto e colo. Procurei normalizar o que estava a sentir, dando espaço a todos os sentimentos para se expressarem. Convidei todas as emoções a apresentarem-se, entendendo que as emoções são temporárias, tal como aparecem também desvanecem. Assim como os pensamentos. A minha mente, não fosse ela hiperativa, fez mil e um filmes, desde os românticos aos catastróficos. Mas os pensamentos são também eles fugazes e tentei ao máximo não me prender a nenhum deles, com a exceção de um: vai tudo correr bem.

Por maior que seja o meu medo de errar, e acreditem que é muito grande, eu tenho sempre uma luzinha acesa no meu íntimo, que simboliza a esperança de que tudo vai correr bem. Mesmo que tudo corra mal, há sempre a oportunidade de retirar algo de bom. Até porque a maior parte dos nossos medos são ficcionários e imaginativos, nunca chegam a transformar-se em realidade. Foi o que me aconteceu. Estava muito ansiosa, mas quando se deu o click "ação!", tudo fluiu e fez sentido. Como se aquele fosse o meu lugar, a minha casa, onde pertenço.

Naquele dia, senti um conjunto ambivalente de emoções. Primeiro, senti-me feliz e plena. Depois, quando comecei a dar corda à minha mente e aos meus medos, fiquei apreensiva e envolvida em pensamentos de "será que dei o meu melhor?", "será que deveria ter feito aquilo assim?", "e se não sou capaz?", "e se eu descubro que sou uma nódoa nisto?", entre outros. Posso dizer-vos que passei dois dias completamente abananada e perdida no meu mundo interno de terror. O meu namorado olhava para mim e dizia-me que estava estranha. E estava. Sentia-me cheia de medo e apavorada. Até que parei para pensar na forma como me estava a tratar. Estava a regressar aos meus velhos hábitos de exigir de mim o inatingível, de não me oferecer compaixão e compreensão quando me é tão fácil oferecer aos outros, de me massacrar vezes e vezes sem conta com as coisas que podiam ter corrido melhor em vez de olhar para as que correram espetacularmente bem, de me pressionar a ser perfeita à primeira. Percebi que era aqui que residia a oportunidade de fazer diferente. Desta vez, em lugar de me fechar numa masmorra de autopunição e autocrítica, eu quero fazer as coisas de forma diferente. Quero dar-me espaço, liberdade e tempo. Quero permitir-me errar e quero, acima de tudo, tratar-me com amor. Quero dizer-me que farei asneiras, terei momentos de impasse e dificuldade, mas que serei capaz de os ultrapassar, recorrendo às minhas competências, à ajuda de colegas e de estudar as vezes que forem necessárias para me tornar cada vez melhor. Quero desfrutar da viagem, sentir o vento no rosto, o sol a queimar, ver paisagens diferentes, sem me importar se chego rápido. Eu quero apenas chegar longe. 

Quando interiorizei tudo isto, a calma regressou. E ainda me senti mais plena quando fui reler antigos documentos de projetos anteriores e me confrontei com a paixão que sinto pela minha área. Como aquilo que estudei é tão enriquecedor e, ao mesmo tempo, tão complexo e exigente. Preciso de me dar permissão a ser uma mera aprendiz para me tornar numa profissional excelente. E só o posso fazer se, em simultâneo, me desenvolver enquanto pessoa. 

Este texto vai longo, mas queria contar-vos sobre esta oportunidade, porque acredito que este processo que estou a vivenciar é comum a muitos de vós e a outros tantos. Quantas vezes deixamos que seja o medo a comandar a nossa vida e a tomar as decisões por nós? Quantas vezes abdicamos de sonhos e paixões porque somos dominados pelo medo de errar? Eu recebi uma oportunidade rara e única, sem sequer a procurar, e fiquei completamente dividida entre o êxtase e o terror. Aceitei e, todos os dias, me questionei se fiz bem, seguindo-se o pensamento de que sim, fiz. Somos tão complexos e frágeis, temos todos medo de errar, de expor as nossas vulnerabilidades e de nos confrontarmos com a desilusão. Eu tenho medo de fracassar, de não ter controlo, de ficar à mercê dos meus pontos fracos. Mas o que mais me assusta é nem sequer tentar e ser infeliz por este medo de errar. 

Esta semana torno a ter uma reunião deste projeto. Sinto-me tranquila, estou entusiasmada a preparar tudo o que quero abordar, sinto-me até receosa de me sentir tão bem. Porque esta é outra característica muito comum do medo: espreitar entre a felicidade, fazendo-a parecer estranha e incomum. Mas estou atenta aos meus mecanismos de sempre. Estou aberta à experiência e estou genuinamente curiosa para ver o resultado final. Do projeto e de mim mesma. 

 

23
Jun20

quem fui, quem sou

girl

Naquela semana mítica e inesquecível de dois feriados seguidos, aproveitei para remodelar o meu quarto. Claro que não o poderia fazer sem a ajuda da minha mãe, que adora todo e qualquer tipo de atividade que envolva decoração e remodelação. O que começou por ser apenas um projeto de quarto rapidamente se estendeu a outras divisões da casa, em que, a dado momento, já era tanta a confusão instalada que nos fez pensar “porque é que nos metemos nisto?”. Conhecem esta sensação de arrependimento quando olham para o caos instalado à vossa volta? Tudo desarrumado, não sabem onde começa e termina a bagunça? A sorte é que tanto eu como a minha mãe nos guiamos pela velha, mas sábia, máxima de Nelson Mandela, em que tudo parece impossível até estar feito. Por isso, deitamos as mãos ao trabalho e o que deveria ser um feriado transformou-se num dia de muito trabalho, em que as únicas pausas que fizemos foi para comer qualquer coisa.

No meio deste projeto, encontramos um baú, mais antigo do que eu, onde guardamos todos os álbuns de fotografias. Sim, eu ainda sou da geração foto, em que toda a gente andava de máquina fotográfica e rolos na mão para, a seguir, ir a correr ao fotografo revelar as fotos, não sabendo ao certo o que encontraria nelas. E sou da geração primeira filha, o que significa que, como novidade da casa, tudo era digno de ser eternizado. Podem imaginar a quantidade astronómica de fotografias da minha pessoa, nas mais variadas posições e atividades, em todas as estações do ano e festividades. Começamos a abrir álbum a álbum, embarcando numa viagem pelo tempo, até a um passado distante, mas que, por vezes, parece tão próximo. Ri-me muito a ver todas aquelas fotografias, em muitas delas apareciam os meus avós, que saudades deles. Que saudades dos meus velhinhos, já na altura velhinhos, acho que para mim sempre o foram. Aquelas fotos fizeram-me sentir tão amada. Tão desejada, tão querida. Fui uma criança imensamente feliz e aquelas fotografias comprovam-no. E acho que essa felicidade advém pura e simplesmente de todo o amor que sempre recebi. Dos meus pais, tios, avós, primos. Fui uma criança muito amada e adorada, o que me transformou numa criança com um sorriso do tamanho do mundo. A minha mãe conta-me muitas vezes que as pessoas passavam por mim na rua e diziam-lhe: a sua filha é uma criança tão feliz.

Acho que foi um dos traços que nunca perdi, assim como a minha criança interior. Nunca perdi a alegria espontânea e o sorriso fácil. Muitas vezes dou por mim a sorrir sozinha, a sentir-me feliz simplesmente por existir, por cá estar. Sempre que passo num espelho e vejo o meu reflexo, ofereço-me um sorriso. Não conheço em detalhe o meu rosto sem ser com um sorriso espetado. Não sei ser séria, nunca soube. Nunca consegui esconder emoções, nunca soube mentir, sou transparente como a água.

Olhar para aquelas fotografias fez-me sentir grata. Sei que a minha família mudou e já não somos aquele grupo unido e indestrutível. Já não somos uma única unidade, mas sim quatro pessoas distintas, que coabitam debaixo do mesmo teto. Ainda assim, o meu berço, os meus alicerces foram construídos no seio de uma felicidade inesgotável. Cresci com união e amor, são os valores que reconheço sem qualquer dúvida. Por isso, apesar de tudo se ter perdido, desmantelado, não deixo de me sentir grata por ter acontecido agora, quando já sou uma adulta formada. Agora que tenho outros recursos e maturidade para compreender as coisas como são. Sinto-me grata pela família que outrora tive. E conheço a aprender a sentir-me grata pela que tenho presentemente. Porque a verdade é que, juntos ou não, tenho os meus pais e sei que posso contar sempre com eles para tudo. Os meus pais separaram-se, mas nunca, nem por um segundo, deixaram de ser meus pais. E eu continuo a ser filha, embora, por vezes, me sinta mãe deles. Mas continuo a saber, inconsciente e conscientemente, de que eles nunca me falharão enquanto cá estiverem. O amor deles mantém-se intacto.

Começo a perceber que a vida é isto mesmo. Não temos o poder de decisão e escolha em tudo o que nos acontece. As coisas simplesmente batem-nos à porta. Não são, muitas vezes, justas, mas a justiça é um conceito criado por nós, humanos, que é quase utópico. Não há justiça num acidente. Não há justiça numa doença. Não há justiça num divórcio. As coisas acontecem e acontecem-nos. O que podemos fazer é escolher como vamos lidar com elas. Neste momento, prefiro abdicar de sentimentos negativos e lamúrias, para me concentrar na riqueza que tenho. Sei que tenho um longo caminho de “cura” interior para fazer no que diz respeito à minha família. É o meu processo de luto e fá-lo-ei. Aliás, faço-o todos os dias até chegar o dia em que este acontecimento estará de tal modo assimilado e integrado, que será apenas mais um acontecimento, no meio de tantos outros. Mas não quero ser vítima dele. Quero ser a pessoa a quem tal aconteceu, mas que reconstrói a sua narrativa de forma a adaptar mais uma vivência. Quero estar plena e quero aproveitar o melhor dos meus pais, duas pessoas completamente humanas e, como tal, falíveis. Pessoas reais, de carne e osso, que cometem erros, que sofrem, que se perdem, que se desorientam e que precisam de ser cuidadas. Não quero ressentimentos nem angústias, opto antes pelo caminho de aceitar que as coisas são como são e que podemos fazer delas algo incrível se nos propusermos a isso. Escolho perdoar tudo que há para perdoar, não apenas por eles, mas sobretudo por mim.

Porque dentro de mim ainda reside aquela menina travessa, de sorriso muito aberto e pronto para devorar o mundo. O passado não regressa, mas funciona como uma boa lanterna para iluminar o futuro. 

(Vou simplesmente ignorar o meu período de ausência. Sim, não senti vontade de escrever, respeitei essa falta de vontade. Afinal, num mundo com tantas obrigações, escrever ainda não é, para mim, uma delas. Talvez seja por isso que me saiba tanto a liberdade. Espero que todos vocês se encontrem bem!)

18
Nov19

it's you, it's me

girl

Acaba de me ligar para contar duas boas notícias. Sinto o entusiasmo na sua voz e sorrio. Adoro que me ligue sempre, sejam boas ou más notícias. Adoro a necessidade que sente de partilhar comigo o que abala o seu mundo, sabendo que abala também o meu. É como se ao fazê-lo multiplicássemos as alegrias e dividíssemos as tristezas. Adoro que ele saiba tudo que se passa na minha vida e que tenha estado lá desde o começo de toda esta tragédia. Mas que também tenha estado no começo de outras fases e tenha acompanhado de perto cada uma delas, inclusive o seu fim. De igual modo, adoro estar presente em todas as fases da sua vida. Há uma vida que partilhamos, mas depois existem pequenas ramificações que precisamos de vivenciar sozinhos. Nessas estradas paralelas, é bom sentir que estamos do outro lado da rua um para o outro.
Adoro a necessidade e o gosto que sinto em partilhar com ele alguma coisa que me acontece ou que descubro. Sinto essa urgência e, ao longo do meu dia, vou anotando mentalmente todas as coisas que lhe quero contar quando conversarmos à noite. Sempre foi o nosso ritual. Não somos adeptos de mensagens, preferimos falar ao telemóvel: é mais fácil, prático e podemos ouvir a voz um do outro. Podemos ouvir as expressões, as entoações, os risos, os suspiros. Habituamo-nos a conversar todas as noites, nem que seja para desejar uma boa noite um ao outro e dizer que nos amamos. Adoro quando me liga mais cedo do que o habitual para termos mais tempo para falar. Às vezes sou forçada a interromper a leitura, mas por ele quase que não importa. Aliás, importa só um bocadinho no início, a meio da chamada já não tem qualquer relevo. Afinal, ele é a minha história de amor real, verdadeira e não ficcionada. Uma das personagens principais da trama da minha vida.
Hoje dei por mim a pensar que nos conhecemos há praticamente uma década e que é muito pouco o que não sabemos um do outro. Ainda vamos descobrindo coisas novas, não só porque estamos, ambos, em constante mudança, mas também porque vamos partilhando cada vez mais de nós e com a exposição, vem a vulnerabilidade e todas as possíveis defesas e máscaras tombam. Gosto desta dualidade: de o conhecer tão bem e, ainda assim, encontrar coisas novas em si. Da descoberta. É como Proust diz "a única verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas paisagens, mas olhar com novos olhos". O que significa que não é só ele que se dá a conhecer, sou também eu que vou ao encontro do que ele me dá. Porque se há coragem e entrega para dar, é preciso ter também a abertura e atenção para receber.
Sinto que nos aceitamos como somos e que nos permitimos ser livres. Não preciso de me esconder, de me refugiar numa versão qualquer que não a minha única e real. Ele não tem qualquer reserva em ser ele mesmo e eu fico feliz com isso. Que seja livre e, desse modo, nunca sinta necessidade de voar para longe.

Penso que isto é intimidade. Mais do que conhecermos os nossos corpos nus, conhecemos as nossas almas despidas, frágeis e vulneráveis. Somos experts um do outro. Companheiros desta viagem única, que escolhemos viver em conjunto e lado a lado. Porque sim, eu acredito que amar é uma escolha que fazemos todos os dias. Escolhemos aquela pessoa para ser a nossa pessoa, apostamos as nossas fichas todas nela e no que juntos construímos. Trabalhamos para os mesmos fins, aplicando os mesmos esforços e meios. Só assim faz sentido. Dois têm sempre de ser mais do que um, só assim vale a pena. 

01
Nov19

all that jazz

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Sempre tive mais dificuldade em escrever quando estou feliz. Acho que isto se deve a uma velha crença minha de que quando estamos felizes, devemos aproveitar essa felicidade ao máximo, não perdendo sequer tempo a escrever sobre ela. A tristeza, por sua vez, sempre me serviu como uma ótima força motriz para a escrita. Talvez pela lógica freudiana da sublimação, a tristeza transforma-se em obra de arte e, ao sê-lo, deixa de ser um pouco menos de tristeza. Mas, como o nosso amigo Camões nos diz, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Neste caso, muda-se a forma de olhar para o mundo e a minha tem-se transformado. 

Acordei feliz e quero escrever sobre esta felicidade. Porque a felicidade pode ser igualmente matéria-prima para a escrita como é a tristeza. A felicidade é igualmente inspiradora. E é precisamente sobre inspiração e felicidade que me apetece escrever, como se uma pulsão incontrolável gritasse dentro de mim. 

Desde ontem que sinto uma felicidade esmagadora no coração. Sinto uma excitação eletrizante a percorrer o meu peito e sei que é um sentimento dos bons, como quando estamos prestes a fazer algo que desejamos muito e há muito tempo. É esse tipo de euforia e inquietação, que nos faz vibrar dos pés à cabeça. E sinto-me assim porque tive oportunidade de viver uma experiência que desejava há muito tempo: finalmente fui a um concerto de jazz! 

Superou qualquer expectativa que eu pudesse ter criado. E, acreditem, as expectativas estavam bem lá no alto, não fosse o jazz o estilo de música que me aquece a alma. Mas o que eu não podia esperar, de forma alguma, era sentir-me tão viva, tão feliz e grata por estar ali, naquele instante, sendo completamente conduzida pela música e esquecendo que existia um antes e depois daquele momento. 

Viver o momento. Foi apenas isso e foi tudo isso. Todos os meus sentidos ficaram reféns daquela fórmula mágica que só uma orquestra de jazz, uma big band, consegue aplicar e transformar em melodia. Olhar, ouvir, sentir, saborear e respirar música. Cada poro, cada microrganismo do meu corpo estava conectado naquele momento, concentrado naquele ritmo e seguimento, como se fosse também um elemento da banda a ser conduzido pelo maestro. 

Ontem descobri que é possível passarmos uma hora e meia a sorrir de orelha a orelha e não ficarmos com paralisia da face. Que é possível viver uma experiência que nos absorve por completo, que nos afunda e traz à tona no mesmo instante. 

Estou a sonhar acordada. Com a magia do que vivi, do que senti. E enquanto ali estava, petrificada a sentir tudo isto e mais um universo de sensações e sentimentos, só me passava pela cabeça como a vida é maravilhosa e como a felicidade é inspiradora. Uma imensidão de ideias começaram a pulsar, vindas de todos os lados e direções. Outra vez aquela sensação que parecia estar adormecida em mim: a capacidade de sonhar. Novamente aquela vontade de ir desbravar o mundo, de ir, ir e só ir! De por em ação todos os itens da minha bucket list. De arriscar, de não ter medo de ser eu mesma, de sentir, de viver. Estar aqui de passagem e poder, no final, dizer "eu estive aqui!". 

Não sei sequer se faz algum sentido o que acabei de escrever. Porque a tristeza tem um compasso totalmente diferente da felicidade: enquanto a primeira é lenta e organizada, a segunda é veloz e sem direções. Mas não há qualquer problema. Hoje estou feliz e isso é suficiente. 

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