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the old soul girl

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21
Ago23

Reencontros felizes

girl

Este fim-de-semana encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Uma amiga que conheci na infância, reencontrei na adolescência e que foi companhia e presença constante nos anos da faculdade. Uma daquelas pessoas que encarna o fenómeno agulha num palheiro, por ser tão especial que, de facto, nos faz sentir que dificilmente encontraremos alguém semelhante. Foi tão engraçado encontrá-la no meio de uma avalanche de gente, ver aquele sorriso no meio de tantos rostos e aqueles braços abertos para me receber num abraço apertado, de saudade e alegria. 

Poderia ter-se passado uma década desde o nosso último encontro, a nossa última conversa e, ainda assim, tenho a certeza que teríamos a mesma facilidade em comunicar uma com a outra. Há pessoas, há amizades assim. O tempo passa, passa por cada uma de nós, mas não machuca a conexão criada e é simplesmente fácil. É simples. É um regresso a casa. É aquela sensação de conforto e serenidade de estarmos num espaço familiar e seguro. 

Atualizamos as novidades das nossas vidas. Somos ambas da mesma área profissional e, como tal, partilhamos as mesmas dificuldades, desafios e dúvidas. Optamos por percursos muito diferentes, mas parece-me que o resultado final não difere assim tanto. Ela, sempre mais persistente e sonhadora, decidiu abraçar o desafio de continuar na nossa área; eu, mais pragmática e realista, decidi seguir de imediato para o plano b, que rapidamente se tornou no único plano possível. Hoje estamos as duas afastadas da nossa paixão, com algumas desilusões e amarguras colecionadas pelo caminho.

A verdade é que a faculdade foi um período dourado nas nossas vidas. Não por não existirem dificuldades e momentos duros, porque existiram e a maioria deles aconteceu na nossa vida pessoal e não tanto académica. Mas porque tivemos a felicidade de decidir estudar uma área que nos preencheu por completo e nos fez sentir que estávamos no sítio certo. Eu, pelo menos, passei grande parte da minha vida de estudante a sentir-me desintegrada. Nunca fui uma má aluna, pelo contrário, mas sempre me senti à deriva. Estudava para ter boas notas, porque sabia que era o meu dever, porque os meus pais me incentivavam a tal, mas nunca estudei com um propósito maior. Nunca soube o que queria ser, a não ser saber que queria ser feliz. E isso significa que, independentemente do que estivesse a fazer, eu queria sentir-me feliz a fazê-lo. Quando chegou o momento de escolher, a minha opção foi feita pelo método mais arriscado: exclusão de partes. Excluindo tudo o que tinha a certeza que não gostava e não queria, sobraram poucas opções em cima da mesma e foram essas as minhas escolhas. 

Por isso, descobrir que, no meio do acaso, a escolha foi a certeira, foi uma sensação que ainda hoje não encontro palavras para descrever. Acho que foram os cinco anos mais felizes da minha vida e nos quais me consegui descobri e ser finalmente eu, se é que isto faz algum sentido. Foram anos de muito crescimento, de desafio, de estar simplesmente no caminho certo. Cada descoberta era mágica e reforçava as minhas certezas. 

Ao encontrar a minha amiga, viajei até esses anos, tão bons, tão ricos. Tempos em que o tempo era meu, era da minha total e inteira responsabilidade. Em que o mundo parecia estar nas nossas mãos e tudo era possível. Foi tão bom encontrar uma das personagens principais dessa época e perceber que, apesar tudo, a amizade, a pureza, se mantêm intactas. E que, apesar de tudo, das nossas vidas não se terem concretizado exatamente como prevíamos e desejávamos, conseguimos encontrar novos caminhos, reconstruir propósitos, compreender que há muitas opções diferentes para se ter um final feliz e que Carl Rogers foi sábio nas suas palavras e visão da vida:

"The good life is a process, not a state of being. It is a direction, not a destination.". Estamos a caminho, querida amiga 

17
Ago23

Ainda sobre a perda de expectativas ...

girl

Acho que uma das conclusões mais difíceis de digerir, para mim, é a de que não temos o poder de mudar ninguém. Eu sei, eu sei, é uma daquelas verdades absolutas e óbvias, mas, ainda assim, custa-me aceitá-la.

Custou, inicialmente, a nível profissional. Quem trabalha na área da saúde, creio que partilha esta espécie de savior complex, em que achamos que podemos fazer a diferença na vida das pessoas que recorrem aos nossos cuidados. E, de facto, podemos. Podemos fazer a diferença, mas dentro de um raio delimitado, que apenas amplia se a outra pessoa assim o desejar. Podemos dar todos os recursos, oferecer as melhores estratégias e cuidados, mas, no final, será sempre a pessoa a decidir se deseja aplicar o que temos para oferecer. Não depende de nós. E se hoje isso me parece libertador, quando comecei a trabalhar, era um peso que carregava nos meus ombros. Sentia, genuinamente, que tinha o dever, a obrigação de transformar para melhor a vida das pessoas com quem me cruzava. Conseguem imaginar o quão difícil é gerir esta expectativa? E o quão impossível? 

Quando me reconciliei com esta ideia, a nível profissional, não a apliquei de imediato às outras esferas da minha vida. Continuei, secretamente, a acreditar ser responsável pelo bem estar e felicidade das pessoas que me são próximas. De que os problemas delas, são os meus problemas. E, mais uma vez, voltei a confrontar-me com sentimentos de culpa e de fracasso. Porque, como é óbvio, ninguém é responsável pela felicidade de ninguém! E, como tal, por maior que seja a nossa vontade de mudar o mundo do outro, se este não quiser, não vamos conseguir! É uma receita para o desastre isto de acreditar que vamos conseguir fazer alguém feliz, que vamos ser os impulsionadores da mudança do outro. Não vamos. Podemos inspirar a mudança, podemos incentivar, manifestar o nosso apoio, a nossa presença, podemos ser companheiros dessa viagem, mas jamais, em momento algum, seremos os condutores dessa viatura. Não é o nosso papel. Não é a nossa vida. Podemos contribuir, mas temos de reconhecer os limites da nossa ação, até onde podemos e devemos ir. 

Para mim, isto não é pacífico. Continua a ser difícil aceitar e gerir esta ansiedade que surge em mim. Tenho de repetir a mim mesma, muitas vezes, que não sou responsável pela felicidade de ninguém, a não ser da minha. Tenho de fazer desta conclusão uma espécie de mantra, de lema, de afirmação, para conseguir encontrar alguma paz dentro de mim. E é muito difícil quando as pessoas que quero "salvar" me são tão próximas, tão queridas, tão amadas. É igualmente difícil desconstruir esta crença que fui alimentando ao longo dos anos de que o problema de um é problema de todos, de que cuidar é esta entrega exclusiva e obrigatória ao outro. Que é um dever. Isto não tem nada de altruísta, nem de bondade. Isto é sentido, por mim, como algo que devo fazer, que tenho de fazer, que é esperado de mim. Quebrar este padrão requer uma força dantesca e extinguir o sentimento de culpa é algo que ainda estou a aprender a fazer. 

Ontem dei comigo a pensar nisto, porque tentei tantas vezes arranjar soluções para um "problema" que não é meu e estas foram sempre devolvidas. Aquela pessoa quer amarrar-se ao problema, ainda não está disposta a abraçar as soluções. Se eu tento incentivar a ver o copo meio cheio, a pessoa responde-me que o vê meio vazio. Se eu digo que é tão bom ter um copo, a pessoa diz-me que não precisa do copo para nada. E eu encontro-me com esta frustração, com esta angústia e entendo que não há nada, absolutamente nada, que eu possa fazer para que aquela pessoa tente mudar a sua visão, a sua perspetiva. Fico triste, lamento, mas ontem, pela primeira vez, não me senti responsável, não me senti culpada por isso. Aceitei, simplesmente, que a minha ajuda ou tentativa de, atingiu o seu alcance e que não há nada mais que eu possa fazer, neste momento. Gostaria que a situação fosse diferente? Sem dúvida alguma que sim. Depende exclusivamente de mim? Não. E pensei que, talvez, esta pessoa não precise das minhas soluções, mas sim da minha presença, da minha validação de que existe um problema. Esta vontade de querer mudar o outro e o seu mundo, às vezes, leva-me a achar que são necessárias grandes atitudes e grandes feitos, quando, na verdade, nem sempre é isso que é necessário. 

É estranho afastar-me deste sentimento tão familiar, de culpa, de responsabilidade, mas é libertador. E, acima de tudo, é essencial para o meu bem estar e felicidade. Esses que são, sim, da minha total responsabilidade e para os quais, sim, devo e tenho de trabalhar diariamente. 

02
Ago23

It's not you, it's me

girl

Ando a sentir uma desmotivação extraordinária no que diz respeito ao trabalho. Não é apenas uma falta de vontade em fazer as coisas das quais sou responsável, nem se cinge apenas à necessidade de férias que se começa a sentir nesta altura do ano. É algo mais profundo e denso. É falta de realização, é aborrecimento, é constatar que o locus do problema não se localiza fora, mas está bem dentro de mim, por mais que existam fatores externos que contribuam para me sentir assim. 

Mudar de emprego fez-me perceber algumas coisas que são essenciais para mim e na minha forma de estar profissionalmente. Até então, não valorizava estas "características", porque não sentia falta delas, eram um dado adquirido. Apenas sabia que um valor essencial para mim era ter um ambiente de trabalho saudável, sem medo, onde é possível crescer e, por isso mesmo, é possível falhar sem ser a pior coisa do mundo. Como escrevi ontem, nada disto existia onde trabalhava antes e, talvez por isso, quando procurei a saída, foquei-me neste aspeto quase exclusivamente. Não me interpretem mal, continua a ser um valor base para mim, do qual jamais abdicaria, mas hoje compreendo que não basta isso para termos um trabalho que nos realiza e satisfaz. É como numa relação amorosa: amar é importante, mas não é suficiente para fazer uma relação durar e prolongar-se no tempo. No meu caso, é exatamente isto: adoro o ambiente descontraído e respeitador que aqui se vive e no qual se trabalha, mas não me chega para sentir que trabalharei aqui até ao fim dos meus dias. 

Sinto falta de organização, por exemplo. Desculpem a redundância, mas a organização é organizadora. Dá coerência, sentido e sensação de controlo. Quando as coisas têm nome, lugar e espaço, é mais fácil trabalhar. Infelizmente, no sítio onde trabalho, vivemos numa desorganização que, muitas vezes, sinto como caótica. Entendo que é fruto de um crescimento rápido, que não foi planeado e gradual, as chamadas "dores de crescimento". No entanto, esta desorganização desmotiva, é exaustiva, as pessoas perdem-se naquelas que são as suas tarefas e no estabelecimento de prioridades. Quando as coisas não estão organizadas, tudo parece importante e urgente. Estou constantemente a sentir que me está a escapar alguma coisa, que me estou a esquecer de fazer algo. Tudo isto é oposto ao local de onde vim. Acho que foi na anterior empresa que aprendi a importância da organização, de ter as coisas bem estruturadas, saber sempre onde está determinado documento, determinada informação. 

Sinto falta do rigor. De trabalhar com cabeça, tronco e membros. De fazer as coisas com qualidade. De haver controlo de qualidade. Quando não existe rigor no que se faz, caímos no desmazelo. Tanto dá se fazemos assim ou assado; tudo serve. Tenho dificuldade em trabalhar nestes moldes. Tenho dificuldade em encontrar sempre tantos obstáculos para conseguir fazer um trabalho bem feito, um trabalho que cumpra com todos os requisitos e necessidades. 

Sinto que falta uma comunicação mais aberta e transparente. Não temos (nem devemos) de saber tudo, mas quando tudo parece um segredo de estado, começamos a sentir-nos desconfiados. Quando não existe transparência nos processos mais simples, mais inofensivos, é inevitável surgir uma sensação de desânimo e falta de pertença. Já para não falar dos constrangimentos que se criam, frequentemente, no trabalho por falta de comunicação. Coisas simples, de fácil resolução tornam-se complicadas, porque as pessoas não falam, porque escondem informação, porque estão constantemente a testar-se umas às outras. É cansativo. 

E, acima de tudo, sinto que esta já não é mais a área que me faz feliz. Mais do que todos os constrangimentos acima enumerados, este é o cerne, o ponto fulcral da questão: esta área não me preenche, não me realiza, não me faz sentir nada a não ser estagnação, frustração e desmotivação. Não vejo propósito no que faço. Não me encontro em nada deste trabalho, porque nas pequeninas coisas nas quais poderia fazer a diferença, sinto que não existe espaço para mim. Estou resignada a um trabalho para o qual não estudei, o qual nunca ambicionei nem desejei para mim. Sinto-me prestes a terminar uma relação, na qual o problema não é o outro lado, sou mesmo eu. 

Já existiu um momento, uma fase, em que este trabalho fazia sentido para mim. Talvez quando ainda estava a aprender como tudo funcionava, talvez quando o meu foco principal era ter um trabalho que me concedesse autonomia, independência financeira. Nessa fase da minha vida, fazia-me sentido. Hoje, depois de alguns anos nesta área, sinto que preciso de mais. Preciso de algo que prima os nervos certos em mim: algo que estimule a minha criatividade, a minha curiosidade, que me desafie. Gosto de aprender coisas novas, de estudar, de investigar. Gosto de trabalhar com pessoas e em equipa. Gosto de fazer, de fazer bem, de fazer o melhor. Não gosto de soluções rápidas, de tapar buracos e não resolver as questões na sua raiz, porque sinto que isso é contornar os problemas e dar-lhes mais profundidade. 

Portanto, quando tornar a mudar (porque não é uma questão de "se", é mesmo de "quando"), sei que será uma mudança radical. Será um afastamento desta área, que já me serviu muito e da qual estou muito grata, mas já não me serve mais. É como quando a nossa peça de roupa favorita deixa de nos servir e, de repente, já não olhamos para ela da mesma forma. Fomos nós que crescemos? Foi a peça que perdeu o seu encanto? Foram ambas as hipóteses? O que é certo é que já não há conexão, já não faz sentido.

Chegar a esta conclusão é, de certo modo, libertador. É obter, finalmente!, o diagnóstico do problema e poder avançar para a cura, porque o problema já está identificado. É altura de tornar a pensar no meu plano de vida, nos valores que me são essenciais, no que considero absolutamente imperativo e do qual não quero, nem posso abdicar. É uma reflexão profunda, à qual me ando a dedicar quase todos os dias, desde há algum tempo. E, por isso mesmo, será tema presente e frequente aqui, porque, como já tantas e tantas vezes referi, escrever permite-me lançar as questões e pescar as respostas. 

06
Out20

happy birthday

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Hoje este blog faz um ano de existência. Não acredito que já se passou um ano e que, mesmo com algumas irregularidades e inconsistências, fui capaz de escrever pelo menos uma vez nestes doze meses. Por acaso (ou não), este fim de semana prolongado andei a reler os meus cadernos/diários e maravilhei-me com os meus registos. É engraçado ler acerca de coisas que já aconteceram há muito tempo e ver quais eram os meus pensamentos e a minha visão naquela época e comparar com a atualidade. Foi também doloroso confrontar-me com algumas passagens, sobretudo aquelas que contrastam muito com a pessoa em que me transformei e com a realidade em que vivo.
Percebi que me tornei uma pessoa mais fria, mais desligada e distante das pessoas. Tornei-me menos inocente, mais densa e ainda mais complexa. Amadureci e, se num texto escrevia acerca de sentir que vivia numa redoma, numa espécie de bolha protegida que não sabia quando ia arrebentar, hoje sei esse dia com precisão e conheço a realidade dentro e fora da tal bolha. Ao mesmo tempo, há muito de mim que se manteve intacto. Continuo a ser uma pessoa agradecida, naturalmente feliz pelo simples facto de existir e acordar mais um dia para esta aventura. Permaneço com as mesmas questões e desafios, acabando sempre com a mesma assinatura de esperança e positividade.
E, se há algo que nunca se altera, é o facto de encontrar na escrita a minha terapia. É no meio das palavras que me expresso e me encontro, que me organizo e recentro. Sempre assim foi, creio que sempre assim será. Este blog confirma-o.
A todos vocês que me leem, que me deixam as vossas palavras, o meu enorme obrigada. São vocês que acrescentam vida a este caderno digital.

10
Ago20

#1 Self-care Journal: What is your favorite book of all time and why?

girl

Quando quero escrever, mas não sei exatamente acerca de que assunto, gosto de me inspirar em desafios. No ano passado, dediquei-me ao dos 30 dias de escrita e se no início pensei que seria uma excelente forma de explorar a escrita criativa e dar asas à imaginação, rapidamente percebi que cada uma daquelas 30 ideias de escrita servia o propósito de me por a reflectir e resignificar momentos e memórias. 

Pelo bem que me fez e pela quantidade de gavetas mentais que ordenei, achei que estava no momento de me entregar a algo do género. Desta vez, são 100 questões que visam o autocuidado e, claro, o autoconhecimento. 

A primeira questão é:

What is your favorite book of all time and why?

Eu considero sempre perto do impossível a ideia de escolher um livro favorito, assim como não sou capaz de escolher o melhor filme que já vi ou uma música favorita. A verdade é que não tenho apenas um, mas vários livros (e filmes, músicas, bandas, etc.) que ocupam um lugar especial no meu coração e, como tal, é ingrato selecionar apenas um. Até porque eu leio diferentes estilos literários e dentro de uma categoria poderá haver um que se destaque mais, mas no todo dos livros da minha vida, poderá ficar esquecido.
Por isso, vou optar por responder a esta questão guiando-me pelo livro que me surgiu de imediato na memória. Não será, seguramente, o melhor livro que já li, nem aquele que mais me impactou, mas é, sem dúvida, um dos livros que marca a minha vida. Falo-vos de A Lua de Joana de Maria Teresa Gonzalez.
Perdi a conta ao número de vezes que o li, mas posso assegurar que a cada leitura, me toca mais e mais. Este é um livro clássico, que li no inicio da minha adolescência e que me fez questionar.

Começou por me fazer questionar acerca do final, não por se tratar de um fim aberto, mas por não nos ser dado de forma direta. Na primeira vez que o li, passei os dias seguintes a tentar digeri-lo, questionando todos os meus colegas de escola se tinham compreendido o mesmo final que eu havia entendido. Queria certificar-me de que aquele desfecho trágico era real, porque não conseguia acreditar que algo tão triste pudesse acontecer a uma pessoa tão jovem, tão semelhante a mim e aos meus pares. Levou-me a questionar sobre a facilidade com que nos perdemos do nosso rumo e sobre a forma como podemos estar rodeados de gente e, ainda assim, nos sentirmos completamente sozinhos e abandonados. Fez-me pensar na invisibilidade e no modo como passamos tantas vezes despercebidos aos outros. Às vezes forçamo-nos a usar uma máscara que esconde toda a nossa dor, outras vezes nem precisamos de o fazer, porque o mundo anda tão rápido e as pessoas estão tão mergulhadas nas suas vidas e problemas, que não reparam nas dores que os outros carregam.
Mas o que mais me marcou e que ainda hoje trago comigo é aquele final, aquele pai, perdido na perda, de relógio na mão, entregue à triste e dura descoberta de que agora tinha todo o tempo do mundo, mas para quê? O melhor presente que podemos dar às pessoas que amamos é o nosso tempo, pois este tempo é, de igual modo, o nosso bem mais precioso. Escolhemos dar o nosso tempo sempre que escutamos, em vez de ouvir; sempre que vemos, em vez de olhar. Uma conversa real, em que ambas as partes se ouvem atentamente, se sentem compreendidas e abraçadas, vale mais do que qualquer bem material, por maior que seja o seu valor. Quando só restava a lua de Joana, o seu pai compreendeu que aquela tatuagem, com o relógio parado, traduzia um poderoso e gritante pedido, assente numa grande e cruel solidão.
Talvez por me ter marcado tanto e ainda estar tão presente em mim, mesmo depois de tantos anos, este livro será sempre um dos livros da minha existência. É de uma escrita tão simples e deliciosa, que nos envolve e prende. É de uma riqueza tão grande e alerta - tanto adolescentes como pais - para a forma débil e confusa como comunicamos. Tudo é comunicação, tudo é uma forma, um veículo de transmitir um pedido, uma mensagem. É preciso estarmos atentos uns aos outros, pois esta atenção é, também ela, uma forma de expressarmos todo o nosso amor.

29
Jul20

surrender

girl

No dia em que me ligaram a confirmar a minha disponibilidade para o novo desafio que me tinha sido proposto, eu tinha acabado de fazer uma meditação guiada da Sarah Blondin, chamada Learning to Surrender.

Antes de avançar, quero apenas dizer-vos que a Sarah é, provavelmente, das melhores "professoras" de meditação que poderão encontrar. Todas as meditações dela são mágicas, a Sarah tem uma presença que emana tranquilidade e paz. Por isso, fica aqui o meu conselho para a irem pesquisar no Insight Timer, estou certa de que não se arrependerão. 

Retomando. Learning to Surrender. Surrender pode ser traduzido como rendição, entrega. Para mim, como tenho vindo a escrever, a capacidade de entrega, de deixar fluir, é uma aprendizagem contínua, porque toca na minha maior necessidade, que é a de controlo. Controlo e entrega não são compatíveis. Do mesmo modo que controlo e vida também não o são. Na verdade, há pouquíssimas, raras coisas que podemos controlar nesta nossa existência. Podemos controlar os nossos pensamentos (ou, pelo menos, a influência que estes têm sobre nós), os nossos comportamentos e emoções. Podemos controlar a forma como reagimos ao que nos acontece, mas nunca seremos capaz de controlar o que nos acontece. As alegrias e infelicidades da vida não são, muitas vezes, selecionadas por nós. Apenas nos resta ser capazes de lidar com elas da melhor forma possível, do modo que temos disponível naquele momento para enfrentar aquela situação. 

Hoje é o segundo aniversário da morte da minha família como sempre a conheci. Da família onde cresci, onde fui e fomos imensamente felizes. Não escolhi este desfecho, simplesmente aconteceu. Veio bater-me à porta, com uma força e urgência de quem não pede permissão para entrar. Gosto de pensar que tudo o que nos acontece tem o poder de nos transformar. Que tudo pode ser um presente. Mesmo que não venha embrulhado num papel colorido e seja apetecível. Na verdade, há oportunidades únicas de mudança que nunca olharemos como positivas, mas saberemos sempre que foram necessárias para o nosso crescimento. Esta é uma delas. Dificilmente olharei para este acontecimento como positivo, mas consigo extrair dele valiosas aprendizagens. Uma delas é precisamente sobre ser capaz de me render à vida. Aceitar tudo - o bom e o mau - resistindo cada vez menos à mudança. 

Quando me telefonaram, tinha acabado de ouvir a Sarah a dizer que entrega não é o mesmo que desistência. Não é algo passivo. Entrega é sermos capazes de fluir com a vida, de a seguirmos como a água segue o curso natural do rio, que segue o seu caminho ao oceano, fundindo-se num só. É sobre desconstruir resistências, porque tudo aquilo ao qual resistimos, apenas persistirá, como Jung nos ensinou. É sobre compreender, com a mente e o coração, de que o controlo é uma ilusão, de que quando deixamos de ter essa necessidade, podemos estar abertos, curiosos e disponíveis para todas as oportunidades que a vida tem para nós. A meditação acabou, eu ainda estava enfeitiçada por estas palavras mágicas, quando o telefone tocou e me fizeram a proposta oficial. Eu sei que ultimamente tenho falado muito acerca de sinais, mas naquele momento, não fui capaz de ignorar a mensagem. Quando nos propomos a abraçar a vida, com tudo que esta tem para nos oferecer, as coisas simplesmente acontecem. No meu caso, tive esta prenda, mas não me enganei, este é um presente que traz consigo uma dose enorme de desafio e crescimento, como vos tenho contado. Deixou-me muito feliz, mas rapidamente percebi que ia estremecer com todas as minhas inseguranças e defesas. A vida não tira sem nos dar nada em retorno, do mesmo modo que não nos dá, sem nos tirar algo também. É um fluxo contínuo, que não podemos contrariar. 

Por isso, escolho olhar para o dia de hoje como uma oportunidade de recomeço. De renovar pensamentos, de me desfazer de crenças e medos que não me acrescentam, apenas consomem. Somos responsáveis pela nossa vida e, como tal, pela nossa felicidade. Que nos esqueçamos de que somos detentores desse poder e, como tal, dessa responsabilidade. 

28
Jul20

trust

girl

Os sinais existem e estão presentes, basta estarmos atentos e, talvez o mais importante, estarmos recetivos. Hoje entro no meu computador de trabalho, iniciando sessão e abrindo o google chrome, que me recebe sempre com uma frase inspiradora para começar o dia em pleno. A frase que me abraçou hoje foi a seguinte:

Unless you try to do something beyond what you have already mastered you will never grow. - Ralph Waldo Emerson 

Esta citação resume na perfeição a fase que estou a viver. Estou perante um processo de aprendizagem enorme, que me está a desafiar a todos os níveis. Está a mexer com todos os meus medos e receios, com todas as minhas forças e fragilidades. Tenho momentos de confiança e, a seguir, começo a sentir o medo a espreitar, a aproximar-se e a sussurar-me ao ouvido "será que és mesmo capaz?". Sinto o entusiasmo, a adrenalina de me dedicar a algo que me enche tanto o coração e me faz sentir tão viva, mas, ao mesmo tempo, os velhos receios e os pensamentos negativos explodem diante de mim. Quero focar-me apenas no lado positivo, mas não existe luz sem sombra; esta experiência é um todo e, como tal, é também constituída por momentos de angústia no meio de tantos momentos de alegria e euforia. 

Olho para dentro de mim e vejo dois caminhos. Vejo o velho e conhecido caminho, aquele que me faz sentir segura, mas frustrada; que é reto, plano e não requer grande energia da minha parte para ser percorrido (porque, de tão velho que é, conheço-lhe cada milímetro e percorro-o de olhos fechados). E depois vejo um outro, que não está sequer finalizado, que brilha com muita intensidade, com tanta luz, que me ofusca e faz sentir tonta e desnorteada. É tentador, mas deixa-me apreensiva, o meu estômago enrola-se em si mesmo e sinto a minha garganta contorcer-se num nó cego. Por um lado, quero sentir-me segura e estável; por outro, quero a aventura, o desafio. Quero ambos os caminhos, quero se cruzem e formem um só. 

No fundo, o que eu quero é sentir-me segura nesta nova fase. Quero adquirir a experiência que me faz sentir tranquila e plena, embora, para tal, necessite de percorrer o caminho desconhecido vezes e vezes sem conta até este se tornar familiar. Quero ser grande sem precisar de crescer. Faz algum sentido? Ser sábia sem ter de passar pelas adversidades e lições da vida? 

Sei que esta ânsia é a minha necessidade de controlo a falar. É a minha necessidade de ser bem sucedida, não aos olhos dos outros, mas aos meus. Porque os meus olhos são os mais exigentes de todos. Eu sou a única que não me permito falhar, que não aceito a incerteza, que não normalizo o que é natural. Tenho tanto medo de fracassar, de fazer e dizer a coisa errada, de descobrir que sou uma farsa, uma impostora. No fundo, é como se todo o meu valor dependesse do que sou capaz de alcançar. 

Preciso de abraçar a incerteza com curiosidade; de me permitir errar; de desfrutar mais do processo e desligar-me do resultado final; de viver mais no agora do que nos meus medos imaginários, que apenas pertencem a um futuro longínquo e, muito provavelmente, nunca tornado realidade. 

Estou a crescer e a ser desafiada. Já me tinha esquecido de como é assustador e entusiasmante ao mesmo tempo. Preciso de respirar fundo e aceitar que este processo é mesmo assim. Que estes momentos de incerteza e vontade de desistir fazem parte. É a necessidade de conforto e controlo a gritar, são as resistências a fazer força e pressão. Respiro fundo e sei que, apesar de tudo, nunca conseguirei desistir. Pelo menos não agora. Porque se o fizesse não seria pelos motivos corretos. Não seria por perceber que afinal não é isto que me preenche e não é isto que quero para mim. Seria apenas pelo medo. 

Quando aceitei este desafio, foi com as palavras do meu amor em mente e com o bichinho de felicidade que se instalou no meu coração. Ele disse-me "aceita, nem que seja para perceberes se gostas!". E quando ele me disse estas palavras, tudo fez sentido e percebi que queria muito isto. Queria muito tentar. Mesmo que, para isso, me sinta tão perdida e desorientada tantas vezes. Mas se há característica que faz parte de mim é a persistência. Para ser grande, sê inteiro! Põe quanto és, no mínimo que fazes! Este é o meu lema, é a minha forma de estar na vida e é o modo com que encaro todos os desafios que me são lançados. Talvez seja até desta dedicação que nascem as ramificações do meu medo de fracassar, pois dou tudo de mim, pelo que é inevitável surgir o pensamento "e se, mesmo assim, não for suficiente?". O meu medo é proporcional à quantidade de esforço, energia e dedicação que emprego. Quanto maior é o meu medo, maior é a minha vontade de o ultrapassar. Mas quanto maior é o meu esforço e entrega, maior é a possibilidade de o fracasso ser recebido com angústia e dor. 

Independentemente de tudo, estou consciente de tudo o que estou a sentir e a pensar. Estou consciente de que este é um processo. E comecei este texto a falar de sinais. Comecei a escrever este texto ontem e hoje, quando regressei ao meu rascunho, sabem qual era a frase que me esperava?

Trust the process.

Acho que me resta confiar, certo? Em mim e em que tudo vai dar certo. Seja lá o que for esse certo!

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