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the old soul girl

the old soul girl

21
Ago23

Reencontros felizes

girl

Este fim-de-semana encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Uma amiga que conheci na infância, reencontrei na adolescência e que foi companhia e presença constante nos anos da faculdade. Uma daquelas pessoas que encarna o fenómeno agulha num palheiro, por ser tão especial que, de facto, nos faz sentir que dificilmente encontraremos alguém semelhante. Foi tão engraçado encontrá-la no meio de uma avalanche de gente, ver aquele sorriso no meio de tantos rostos e aqueles braços abertos para me receber num abraço apertado, de saudade e alegria. 

Poderia ter-se passado uma década desde o nosso último encontro, a nossa última conversa e, ainda assim, tenho a certeza que teríamos a mesma facilidade em comunicar uma com a outra. Há pessoas, há amizades assim. O tempo passa, passa por cada uma de nós, mas não machuca a conexão criada e é simplesmente fácil. É simples. É um regresso a casa. É aquela sensação de conforto e serenidade de estarmos num espaço familiar e seguro. 

Atualizamos as novidades das nossas vidas. Somos ambas da mesma área profissional e, como tal, partilhamos as mesmas dificuldades, desafios e dúvidas. Optamos por percursos muito diferentes, mas parece-me que o resultado final não difere assim tanto. Ela, sempre mais persistente e sonhadora, decidiu abraçar o desafio de continuar na nossa área; eu, mais pragmática e realista, decidi seguir de imediato para o plano b, que rapidamente se tornou no único plano possível. Hoje estamos as duas afastadas da nossa paixão, com algumas desilusões e amarguras colecionadas pelo caminho.

A verdade é que a faculdade foi um período dourado nas nossas vidas. Não por não existirem dificuldades e momentos duros, porque existiram e a maioria deles aconteceu na nossa vida pessoal e não tanto académica. Mas porque tivemos a felicidade de decidir estudar uma área que nos preencheu por completo e nos fez sentir que estávamos no sítio certo. Eu, pelo menos, passei grande parte da minha vida de estudante a sentir-me desintegrada. Nunca fui uma má aluna, pelo contrário, mas sempre me senti à deriva. Estudava para ter boas notas, porque sabia que era o meu dever, porque os meus pais me incentivavam a tal, mas nunca estudei com um propósito maior. Nunca soube o que queria ser, a não ser saber que queria ser feliz. E isso significa que, independentemente do que estivesse a fazer, eu queria sentir-me feliz a fazê-lo. Quando chegou o momento de escolher, a minha opção foi feita pelo método mais arriscado: exclusão de partes. Excluindo tudo o que tinha a certeza que não gostava e não queria, sobraram poucas opções em cima da mesma e foram essas as minhas escolhas. 

Por isso, descobrir que, no meio do acaso, a escolha foi a certeira, foi uma sensação que ainda hoje não encontro palavras para descrever. Acho que foram os cinco anos mais felizes da minha vida e nos quais me consegui descobri e ser finalmente eu, se é que isto faz algum sentido. Foram anos de muito crescimento, de desafio, de estar simplesmente no caminho certo. Cada descoberta era mágica e reforçava as minhas certezas. 

Ao encontrar a minha amiga, viajei até esses anos, tão bons, tão ricos. Tempos em que o tempo era meu, era da minha total e inteira responsabilidade. Em que o mundo parecia estar nas nossas mãos e tudo era possível. Foi tão bom encontrar uma das personagens principais dessa época e perceber que, apesar tudo, a amizade, a pureza, se mantêm intactas. E que, apesar de tudo, das nossas vidas não se terem concretizado exatamente como prevíamos e desejávamos, conseguimos encontrar novos caminhos, reconstruir propósitos, compreender que há muitas opções diferentes para se ter um final feliz e que Carl Rogers foi sábio nas suas palavras e visão da vida:

"The good life is a process, not a state of being. It is a direction, not a destination.". Estamos a caminho, querida amiga 

28
Set20

Who looks outside, dreams; who looks inside, awakes.

girl

Na noite passada, tive um sonho em que tu aparecias. O sonho, em si, foi uma confusão. Literalmente uma confusão, que me envolvia a mim, dois pretendentes, uma escolha, um abandonado no altar. Hilariante, eu sei. Mas tu estavas lá, no momento em que tomei a minha decisão. Encostei a minha cabeça ao teu ombro, suspirei e tu disseste-me que estava tudo bem, que podia sempre contar contigo. Senti-me protegida e senti que estava tudo ali. A nossa amizade de anos, a nossa cumplicidade, a confiança. E, quando acordei, senti saudades tuas e nossas. Senti saudades da nossa infância e adolescência, em que não havia um dia em que não estivéssemos juntas ou que não falássemos. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que mudaste de casa e passaste a ser minha vizinha. Parecia algo demasiado bom para ser verdade. Iamos sempre juntas para a escola, ainda somos do tempo em que usávamos o telefone fixo, de casa, para nos perdermos em conversas de horas. A minha mãe questionava o que tanto tínhamos para dizer uma à outra quando passávamos o dia juntas. Mas a verdade é que tínhamos sempre assunto. Crescemos juntas, demos os primeiros passos em conjunto, contigo sempre mais à frente, mas nunca deixaste de esperar por mim e celebrar as minhas conquistas, por mais que fossem tardias. Naquela noite invernosa, quando comecei a namorar com o meu amor, foste tu quem acalmou a minha ansiedade. Fizemos uma pijama party, vimos (pela centésima vez) o Into the Wild e, quando amanheceu, bastou-me atravessar a rua e estava em casa.
Sinto que com a ida para a faculdade, nos afastamos. Seguimos caminhos diferentes, a vida intrometeu-se, mas admito que não nos priorizei, porque sempre soube que eras algo garantido. Serias sempre a minha melhor amiga e eu a tua. Conhecemos pessoas, fizemos amizades, vivemos experiências sem a presença uma da outra, mas aquele sentimento de total conforto e confiança que sinto contigo nunca se ofuscou.
Hoje, a pensar no sonho que tive, lá estavas tu. Gostei daquela proteção e da forma como me confortaste. Lembrei-me de como ouvias sempre os meus dramas e medos, éramos totais confidentes. Nunca tive medo nem vergonha de te dizer nada, até hoje. Gostava de te dizer o que se passa cá em casa e acho que mereces sabê-lo. Afinal, estas pessoas não te são estranhas e também cresceste com elas. Gostava de te dizer tudo, porque mereces que o faça e eu preciso do teu conforto. Aquele que nego, que digo não precisar, que se esconde atrás de um "está tudo bem".
Sempre nos chamamos de "maninha", porque é isso que sempre sentimos que éramos: irmãs. E, precisamente por isso, gostava de ter a coragem de te contar o que se passa deste lado da família. Eu creio que já sabes alguns detalhes, mas quero que saibas por mim. Quero ser eu a explicar-te tudo. Não sei quando nem como o vou fazer, mas sinto que é algo que está pendente entre nós. E se há coisa que este sonho mirabolante me mostrou é que sinto saudades tuas e que te quero na minha vida, como sempre tiveste. 

26
Fev20

Querida amiga,

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Antes de te dizer o que pretendo realmente dizer, sinto-me na obrigação de esclarecer algumas questões iniciais. A primeira é de que te estou a dizer isto por escrito e não numa conversa, olhos nos olhos, porque ainda não consegui reunir forças e competências para o fazer. As palavras escritas, como sabes, sempre me permitiram expressar melhor o que vá dentro de mim e temo que se as dissesse em voz alta, não conseguiria sequer chegar a meio do que te pretendo dizer, porque a emoção falaria mais alto que a minha voz. E eu quero mesmo que saibas de tudo, com todos os detalhes, até os mais sórdidos, sádicos e tristes. Ao mesmo tempo, não o consigo dizer-te oralmente, numa conversa real, porque me sinto, de algum modo, envergonhada com esta situação. Num plano lógico e racional, sei que não fui eu a autora desta confusão, que não tenho a culpa do que se passou, mas sinto uma vergonha enorme de tudo o que se passou e, por vezes, também me sinto culpada. Não pelo que se passou, mas pela forma como lidei e lido com isso. Vergonha e culpa são emoções que, desde há dois anos, convivo de perto e sei como nos conseguem debilitar e paralizar. A segunda questão, que para ti será a primeira que vai surgir na mente, é o porquê de não o ter dito mais cedo. E a esta questão acho que te posso dar várias respostas, mas a que congrega todos os motivos, de forma mais simples e clara, é esta: porque ao não o dizer, não tenho de lidar com isto. Ou melhor, ter de lidar com isto, tenho de lidar todos os dias da minha vida, mas não tenho de lidar com as preocupações e questões de outros. Porque já é tão difícil lidar com as questões dos envolvidos, que não sei se aguentaria ter de lidar também com mensagens e dúvidas constantes sobre isto vindo de outros, de fora. Ainda que fossem de preocupação, de cuidado, de amizade, não me senti (e acho que ainda não me sinto) preparada para ver a minha vida exposta desta forma. Logo eu que, como sabes, sofro de exposiofobia. Gosto tanto do meu cantinho às escuras. Portanto, não interpretes esta atitude como um sinal de falta de confiança em ti, porque se for falta de confiança não será em ti, certamente, mas em mim e na minha capacidade de ser vulnerável.
Acho que depois de leres o que tenho para te dizer, todas as peças do puzzle se irão encaixar e tudo te fará muito mais sentido. A minha distância, a minha ausência, o meu silêncio. Os nossos amigos até brincam se eu estou viva ou já estou enterrada, tal é o meu desaparecimento. Acho que conseguirás compreender a minha fuga de qualquer contacto social e o meu isolamento, porque me conheces. E sabes que eu curo as feridas sozinha, no meu espaço, ao meu tempo. Mas a questão é que se passaram dois anos desde que tudo isto aconteceu e as minhas feridas continuam abertas e, se possível, talvez mais ardentes e profundas do que inicialmente estavam. O meu processo de cura não tem sido linear e por cada passo dado em frente, sinto que recuo outros tantos. Acho que faz tudo parte, mas, por vezes, sinto-me perdida e confusa. E nunca deixo de me sentir quebrada. Irremediavelmente quebrada. Se tivesse de escolher uma palavra para me descrever neste momento, essa seria a ideal: quebrada. Estou a fazer tantos lutos em simultâneo: luto da minha família, luto da ideia que tinha dos meus pais, luto de mim mesma, da minha vida antes de tudo isto. Porque em muitos momentos é isso que sinto: que morri. Deixei de ser a pessoa que era. Roubaram-me a leveza, a simplicidade, a tontice. Tornei-me numa pessoa séria e tão zangada. Às vezes a minha raiva faz o meu coração acelerar como se passasse da primeira à quinta mudança em segundos. Não sabia que uma pessoa de 1,65 cm conseguia conter tanta raiva dentro de si, mas ficarias surpreendida com as toneladas que consigo armazenar neste corpo de fada. Também me tornei numa daquelas pessoas que tem um sorriso triste, sabes? Nunca perdi o meu sorriso, mas para os mais atentos, é detetável a diferença de intensidade com que sorrio. Hoje o meu sorriso é um sorriso de nostalgia, de perda. O meu olhar confirma o mesmo. Estou triste, estou imensamente cansada, aliás, estou exausta e estou muito zangada. E tu nunca desconfiaste de nada, não só porque eu tenho fugido de todos os convívios como, quando estou presente, uso a minha melhor máscara. Todos esses momentos sociais são carnaval para mim. Coloco a minha melhor máscara e lá vou eu. Ao mesmo tempo, tenho de te confessar: nunca sabemos como vamos reagir às coisas até estas nos acontecerem. E também só conhecemos a nossa força e resiliência quando as coisas más nos batem à porta. Ainda hoje não te sei explicar como é que, naquela segunda-feira, consegui vir trabalhar e me apresentar ao mundo, quando só me apetecia ter ficado enfiada debaixo dos cobertores, de olhos fechados, a fingir que nada disto era real. Somos mais fortes do que julgamos e isso é uma descoberta positiva no meio de tanta coisa negativa. Mas também sei que esta força tem um custo, um preço.
No meu caso, foi a minha felicidade e, sem dúvida alguma, a minha liberdade. Cortaram-me as asas ao mesmo tempo que me tiraram o chão dos pés. Sei que hoje sou uma pessoa muito mais reativa a qualquer estímulo, salta-me logo tudo. Ando sempre com o coração nas mãos. Sabes, algumas das piores notícias da minha vida foram-me transmitidas via telefone, por isso, criei uma fobia a telefonemas inesperados. Se a minha mãe me liga ou manda mensagem a meio do dia, sem razão aparente, transformo-me numa pilha de nervos em segundos. Até gozam comigo por isso, mas não consigo evitar. Estou sempre em modo alerta e em modo de perigo. Como se me quisesse preparar para o mal que aí vem, porque espero sempre isso: mal. Viver neste constante estado de sobressalto é nocivo e sabes que ninguém melhor do que eu para o saber.
Já te disse tanto e ainda não te disse o mais importante, que foi o que provocou tudo isto. Mas agora que reflito, talvez a causa não seja o mais importante, talvez tudo o que disse até agora seja o mais urgente e pungente.
Amiga, uma lição que aprendi foi que nunca sabemos as lutas que cada pessoa que passa por nós trava no seu interior. Eu tornei-me numa dessas pessoas, que por fora parece intacta e intocável, mas por dentro está estilhaçada em fragmentos de todos os tamanhos e formas. Andamos todos tão cegos, focados em nós mesmos, que nunca esquecemos de olhar para fora de nós e ver o mundo que nos rodeia. Eu sou uma dessas pessoas, vivo aprisionada nos meus dramas e problemas. Com isto, quero dizer-te que tenho falhado como amiga. Não tenho manifestado qualquer interesse na tua vida, se estás bem, se estás a gostar do novo trabalho, se está tudo bem em casa. Não tenho feito nenhum esforço nem investimento em manter a nossa amizade. Mas também tenho de te dizer que esta falta de esforço não provém apenas da minha parca energia e disponibilidade emocional, mas também vem da certeza que a nossa amizade é daquelas de aço, que a água e fogo não conseguem quebrar nem corroer. Que o tempo de ausência se esfuma em segundos de contacto. Sei que estás sempre à distância de um click, a poucos metros de mim, caso seja necessário. Só não consegui ainda quebrar o vidro do alarme para acionar em caso de emergência. Não sei do que estou à espera, mas sei que se o fizer, tu não me faltarás e serás a chefe da fila do meu socorro. Tal e qual como eras sempre a chefe de fila nos simulacros da escola. Uns diriam que era por seres a mais alta da turma, eu acho que sempre foste tu por conseguires reunir a calma e tranquilidade necessárias quando todos os outros se entregavam ao stress e ao pânico.
Talvez eu consiga fazê-lo, talvez nunca o faça. Só espero é que, tanto num caso como noutro, não me falhes nunca.

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