sonho recorrente
Ela tinha deixado de sonhar. Não se lembrava de quando é que tinha deixado de o fazer, mas sabia o motivo. Evitar desilusões. Sonhar é criar expectativas, é criar desejos sem necessidade. Se os pés e a cabeça estiverem ambos no chão, o coração manter-se-á protegido. E foi assim que aconteceu: numa decisão rápida e racional, ela havia escolhido nunca mais sonhar.
Foi uma escolha de tal forma séria, que mesmo dormindo não era capaz de sonhar. Acordava com a sensação de mente em branco, como se a noite tivesse sido apenas reparadora do cansaço e nada mais. Não tinha histórias mirabolantes para contar, não se lembrava de nada a não ser do momento em que adormecera e, depois, do despertar para mais um dia.
Não sabia se invejava os sonhadores ou se tinha pena deles. Pobres criaturas inocentes, suspensas e seguras por uma ilusão, guiadas pelo imaginário. Como é que eles conseguiam? Acreditar num pedaço de imaginação, numa projeção criada pelas suas cabeças? E de onde vinha aquela força, aquela vontade insaciável de concretização?
Como em tudo na vida, para cada ganho há uma perda. Ela ganhou segurança, perdeu aventura. Ganhou o concreto e palpável à custa do imaginário e abstrato. Ganhou anticorpos à desilusão, mas perdeu a capacidade de sonhar e, assim, também a oportunidade de viver.
Porque dizia o poeta, e bem, que a melhor vida é aquela que é sonhada.