ritual de passagem
Ocorre todas as vezes em que me sento e fecho os olhos. Inspiro calmamente, devagar, sentindo o ar a ocupar lentamente cada pedacinho dos meus pulmões. Também gosto de sentir a minha barriga expandir, como se se tratasse de um balão. Depois, com igual calma, expiro todo o ar anteriormente consumido. Saboreio cada segundo e sinto o ar quente a abandonar o meu corpo e todos os seus recantos retornam ao seu volume inicial. Sei que se segue outra inspiração e o ciclo reinicia. Mantenho-me concentrada neste jogo de entra e sai, de enche e esvazia. Vai-se tornando cada vez mais lento e mais presente.
Uma vez por outra, aparece um pensamento. Uma ideia, algo para fazer em seguida, uma lembrança, uma preocupação. Desligo-me da (literal) corrente de ar e deixo-me ir nesse pensamento. Quando me apercebo que já me afastei o suficiente da costa, paro e torno a regressar. Retomo a atenção na respiração e deixo-me ali ficar. Até que surge outro pensamento, eu torno a ir e torno a regressar. Assim, recorrentemente, vou e venho. Viajo e regresso.
O meu ritual de passagem dá-se todos os dias. Quando me dedico a meditar, alterno entre dois estados: o automático e o pleno; o passado/futuro e o presente. A meditação é o ritual de passagem que me permite avançar entre a confusão da minha mente, a corrida alucinante dos meus pensamentos e chegar a um lugar de aceitação e serenidade. Porque a verdade é que se há algum tempo atrás me perguntassem o que mais queria da vida, eu diria que é ser feliz; hoje diria, sem hesitar, que é ter paz de espírito. Sem esta tranquilidade, é difícil sermos completamente felizes. E sem ela, garanto-vos, é certamente mais duro enfrentar as adversidades da vida.
Assim, cumpro este ritual todos os dias. Recolho-me em mim, regresso a casa e transito para o meu lugar de calma.