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the old soul girl

the old soul girl

19
Nov19

numb

girl

"People often mistake numbness for nothingness, but numbness isn’t the absence of feelings; it’s a response to being overwhelmed by too many feelings." - Lori Gottlieb

 

É exatamente assim que me sinto a maior parte do tempo em relação ao que nos aconteceu. Anestesiada, adormecida, dormente. E quando não me sinto assim, sinto-me excessivamente zangada, como se uma fúria incontrolável e desmedida se apoderasse de mim, reagindo intempestivamente e exageradamente às situações. Racionalmente, sei que não há motivo para uma resposta tão exacerbada, mas emocionalmente é a única forma que encontro de reagir. E sei que este excesso está diretamente relacionado com o défice de outras emoções. Ou melhor, com o défice da sua expressão.
Porque quando penso nesta situação e no núcleo de pessoas que tem conhecimento sobre ela, à exceção de familiares, são apenas duas. E apenas com uma delas consigo realmente expressar as minhas emoções. Com a outra, apenas falo sobre o assunto, mas com um distanciamento tão grande que até parece que estou a falar de uma coisa na qual não estou envolvida. Gosto dessas conversas, porque me permitem pensar no assunto em voz alta e criar novas perspetivas, mas isso não é o que preciso. Não preciso de vestir novamente a capa de super heroína, como se isto não me afetasse como me afeta. Não preciso de usar sempre a carta da racionalidade e fazer-me de forte. Mas é o que acontece quase sempre.
Menos com ele. Com ele desabo e quando quero encontrar palavras para explicar o que sinto, não consigo. É como se qualquer pingo de lógica me abandonasse e não tenho qualquer oportunidade para me fazer de forte. Quando torno a mim, já estou envolvida nos seus braços, num abraço apertado e quente, que me sufoca qualquer tentativa de explicação. Na verdade, ele não precisa de explicações, ele está a par de todos os detalhes, mesmo os mais sórdidos e inacreditáveis. Ele não precisa de ouvir vezes e vezes sem conta o que esta situação me provoca, mas precisa de o ver. De testemunhar como isto me destruiu e de como ainda estou a tentar recolher todas as peças que outrora formavam a pessoa que eu era. Ele precisa disso. E eu também.
Sobretudo eu. Eu preciso de chorar, gritar, dizer asneiras, rasgar coisas, parti-las, o que for. Neste momento, sinto-me zangada. Muito zangada com tudo isto. Furiosa. Há momentos em que me sinto asfixiada pela forma como me sinto furiosa. Sobretudo quando tentam invadir o meu espaço. Ele já é tão reduzido e, ainda assim, tentam penetrar nessa bolha só minha, sem qualquer pedido ou cedência de autorização. Disse-vos que acordo sempre mais cedo do que a hora de que realmente preciso. Faço-o por todos os motivos que enumerei, mas não vos disse o principal: faço-o porque a essa hora ninguém que habita naquela casa está acordado para me chatear. Posso ser só eu e os meus pensamentos. Não há ninguém à minha volta, não há ninguém a dirigir-me perguntas essencialmente estúpidas às quais não tenho qualquer vontade nem paciência para responder. 

Porque depois das minhas explosões de fúria, segue-se a culpa. A sensação de que não tenho qualquer direito de reagir da forma como reajo. Esta é uma das principais características da minha baixa autoestima: achar sempre que não tenho direito a nada. Questiono-me sempre que direito tenho eu de ficar chateada, de me mostrar furiosa, de me expressar completamente. É como se não me autorizasse a expressar, porque sinto que não o mereço. É a coisa mais estúpida do mundo, eu sei, acreditem que sei. Trabalho nisto diariamente, mas nenhuma mudança é do dia para a noite. Expressar-me sem receios entra na categoria de ser vulnerável e isso é algo que só me permito ser com um número muito reduzido de pessoas. Os escolhidos. E mesmo com estes, nunca deixo de me perguntar: será que tenho direito?

A sensação de que os meus sentimentos podem invadir o espaço dos outros acompanha-me desde sempre. Porque eu sei que a maioria das pessoas não sabe lidar com os sentimentos dos outros nem com a sua manifestação. Eu, por outro lado, não tenho qualquer problema com isso. Sempre estive muito tranquila e recetiva a todo o tipo de reação e, confiem no que vos digo, é por ser assim que a maior parte das pessoas diz sentir-se bem comigo. Porque as sei colocar confortáveis de forma a que não sintam qualquer receio em serem elas mesmas e se expressarem. Mas, e isto vai ser um grande contrassenso, só sei ser assim para os outros, porque sei a dificuldade que sinto em fazê-lo! Por saber como é difícil para mim me abrir, revelar o que sinto, sentir-me confortável para o fazer é que sei criar as condições para que os outros o façam comigo. No entanto, quando é a minha vez de ficar do outro lado, hesito. Sei que não sou fraca nem frágil por chorar, por exemplo, mas por algum motivo não sou capaz de o fazer. Não porque seja forte, pelo contrário, considero-me patética e cobarde, porque sermos vulneráveis é um ato de coragem. Pelo menos, para mim é. 

Quando penso nesta situação merdosa em que o meu pai nos colocou e tento extrair as aprendizagens, quando tento ver o copo meio cheio, penso que esta situação pode ser o catalisador da minha mudança. Pode ser o estímulo que me faltava para começar a fustigar algumas crenças puramente irracionais e para me abrir. Para ser eu sem medos, sem "e se". 

Há pessoas que gostam de se sentir dormentes. Eu tenho medo desta anestesia emocional, sei que não é saudável. Sobretudo nos momentos em que tudo acontece muito rápido e dispara dentro de mim. Não estou em equilíbrio, mas sei que só estarei quando me permitir sentir tudo que há para sentir. À revolta e fúria posso fazer "check", mas ainda falta a pior e maior delas todas: a tristeza.