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the old soul girl

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27
Nov19

it's not your business

girl

Um dos problemas das pessoas genuinamente preocupadas com os outros é que assumem que o bem-estar e felicidade dos outros é da sua responsabilidade. Não se trata de simplesmente se preocuparem, ultrapassa essa fronteira e chega ao ponto de sentirem, na sua pele, que é um dever seu lutar para que os outros estejam bem e satisfeitos, quase como se se tratasse do seu próprio bem-estar. Como é que eu sei isto? Porque, para o bem e para o mal, faço parte deste grupo de "responsáveis anónimos" e, confesso-vos, há momentos em que preferia viver focada apenas no meu mundo. 

O pior de sentirmos este dever não é apenas o peso da responsabilidade, mas também as consequências que dela advêm. Posso dar-vos um exemplo mais claro do que me refiro: é frequente as pessoas me procurarem para falarem dos seus problemas. Tudo bem, estou sempre disponível para ouvir, inclusive quando não estou. Mas ouço. E envolvo-me. Absorvo aquelas energias e não interpretem isto como uma treta cósmica e astrológica: absorvo os problemas dos outros porque me preocupo e porque a minha empatia gosta de me lixar e, de repente, já sinto que não é apenas aquela pessoa que tem um problema para resolver, somos duas e temos de o resolver. Estão a ver a estupidez? Pronto, é assim que é viver na minha pele.

Nesta ânsia de ajudar e resolver e fazer e acontecer, acabo sempre por me envolver em situações desnecessariamente. Chego-me à frente para falar pelos outros, procuro formas de os ajudar, às vezes até coloco o meu pescoço na guilhotina a custo zero e, ultimamente, tenho pensado que isto não está certo. Não apenas pelos motivos óbvios de não ser um problema meu e não ter de ser eu a resolver, mas essencialmente pelo desgaste e sufoco que esta responsabilidade me traz. Responsabilidade que assumo sempre como minha embora não o seja! 

Racionalmente, consigo perceber que nada disto faz sentido. Mas no plano emocional a minha vontade de ajudar e, muitas vezes, de salvar os outros é mais rápida do que qualquer pensamento lógico. E, por favor, não interpretem estas palavras como um discurso de heroína e aí eu é que faço e ajudo. Não estou a dizer nada disto nesse sentido e preciso de esclarecer bem isso, até para mim mesma. É um facto de que gosto genuinamente de ajudar os outros e os ver bem. E também não é menos verdade que todos os dias recorrem a mim diversas pessoas nessa busca de que eu faça alguma coisa por elas. Nem que seja ouvir. Por isso, junta-se a fome à vontade de comer, percebem?

Só que isto está a deixar-me sem ar. E a complicar-me a vida. Porque raio é que eu tenho de achar que tenho sempre de socorrer todos? Porque é que visto esta capa de responsabilidade que não me serve nem me pertence? Porque é que tenho esta tendência de pensar sempre nos outros em primeiro lugar? E porque é que escrever isto me envergonha tanto quando não é nada de grave ou alvo de vergonha? 

Há vários motivos. Primeiro, ser filha de quem sou. A minha mãe é a pessoa mais cuidadora do mundo que eu conheço. E eu tenho a maior sorte do mundo por ser sua filha e ter sentido, desde o primeiro suspiro, todo este cuidado e preocupação. Cresci com este modelo: é assim que devemos tratar os outros. Devemos preocupar-nos com o seu bem-estar. Alguém está com algum problema? Sente-se mal? Oferecemos ajuda. Chegamo-nos à frente. Não vos consigo enumerar a quantidade de vezes que vi a minha mãe vestir a sua capa de super-mulher e ir ao auxílio das mais diversas pessoas. Sem hesitar, sem pensar se seria conveniente ou não para si. 

Segundo, porque eu própria sou uma cuidadora. Se gostarem de simplificações, podemos compreender as pessoas em dois grupos: os caregivers e os caretakers. Os que cuidam e os que são cuidados. E eu faço parte dos primeiros. É a minha natureza, não há como fugir. Até porque quando tentam cuidar de mim, ofereço alguma resistência, estranho. Não estou habituada a isso, embora haja tanta gente em meu redor que me trata bem e se preocupa comigo. Simplesmente, não sinto que seja esse o meu papel. 

Terceiro, porque com todos os acontecimentos que ocorreram cá em casa, este traço ainda se acentuou mais. Esta necessidade de salvamento, de ver as pessoas bem. Todos os dias penso neste papel que agora me pertence com mais afinco. Basta olhar para a minha mãe. Começo a sentir um arrepio que percorre todo o meu corpo, é o sussurrar da responsabilidade. É o sentido de que não lhe posso falhar, não a posso deixar cair. Ela conta-me qualquer coisa que o meu cérebro leia como ameaça e lá estou eu preparada para a neutralizar de imediato. 

Algo tão digno e nobre não deveria preocupar-me. Afinal, quem corre por gosto não se cansa, não é o que dizem? Mas eu sinto-me cansada. E, pior do que me sentir cansada, sinto-me asfixiada. Sentir que a cada passo que dou tenho de me preocupar se não estarei a deixar ninguém para trás. Sentir que quero abrir as minhas asas e voar, mas que esse movimento de liberdade pode custar a felicidade de alguém. Ou, mais simples do que isto, sentir que se alguém conta comigo, não o posso desiludir. Não posso ouvir os seus problemas e agir como se não soubesse de nada, como se isso não fosse também da minha responsabilidade ...

Só que é isto que está mal. A maioria das coisas que me preocupam não são da minha responsabilidade. Sou eu que as considero minhas, ainda que saiba que não o são. Isto está a ser um desabafo estranho, confuso e quase esquizofrénico, eu sei. Mas serve para vos ilustrar a dualidade e o conflito de pensamentos que me invadem. É este debate entre o que está certo e errado, o que devo ou não devo fazer, o que é meu e o que não é. Este conflito interno que joga com muitas crenças, valores, experiências, emoções. Não é fácil para mim ser a mediadora deste conflito, porque não estou de fora, infelizmente estou bem dentro. 

Por isso, escrevo. Na esperança de que ao por tudo cá fora, diante dos meus olhos, na ponta dos meus dedos, encontre algum sentido. Porque eu gosto de ver os outros bem. Gosto de ajudar. Contem comigo, eu estarei sempre lá. Mas preciso de definir limites e não me envolver demasiado em coisas que não me pertencem. Preciso de dosear esta vontade de cuidar e ajudar, porque ao fazê-lo não estou certamente a cuidar e a ajudar a pessoa que mais precisa e que deveria estar sempre em primeiro lugar: eu mesma. 

 

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