emotional
Há quase um mês que não escrevo e poderia dizer que é por falta de tempo, mas nem eu acredito nisso. A verdade é que escrever não tem sido uma das minhas prioridades nos últimos tempos. Sinto que não existe nada sobre o qual me apeteça escrever ou que valha a pena fazê-lo. Pensei escrever sobre um documentário que vi e me deixou a pensar na forma caótica como vivemos (ou existimos). Pensei escrever sobre um livro que li recentemente e me fez chorar aos soluços de madrugada, como já não me lembrava. Pensei escrever sobre uma nova banda de música que descobri e cujas letras são autênticos poemas. Pensei escrever sobre o desafio que coloquei a mim mesma de ser mais ativa e de fazer exercício físico quase todos os dias da semana e sobre os resultados que já começo a obter. Pensei escrever sobre o difícil que é viver uma quarentena com uma família em que mãe e pai estão divorciados. Mas depois, quando me sentava em frente ao computador e olhava para o ecrã vazio à minha frente, não conseguia evitar pensar "para quê?". É como se tivesse este conjunto de pensamentos a bombar dentro da minha cabeça, mas optasse por os manter em cativeiro em vez de os libertar, porque a simples ideia de ter de lhes abrir a porta para sair me custava e me pesava.
E foi nesta fase de acalmia que me dei conta que não são apenas os pensamentos que mantenho reféns, mas também as emoções. E percebi que não o faço apenas com as negativas, mas também com as positivas. Dei por mim a não saber sentir-me feliz, a não ser capaz de identificar uma emoção tão agradável e positiva como a alegria. Foi uma epifania. Percebi que tenho tanta tensão acumulada dentro de mim, que deixei de conseguir distinguir a que é boa da que é malévola. Entendi que estou a bloquear todas as emoções e estou a fazê-lo como um mecanismo de sobrevivência para que tudo se mantenha neutro e em equilíbrio. Os últimos dois anos da minha vida foram tão agitados e intensos que me levaram a procurar um estado de inércia, de linha contínua, que confundo muitas vezes com paz e tranquilidade. Mas a vida não é assim, aliás, a vida não pode ser assim. Porque quando tentamos a todo o custo bloquear o mau, também acabamos por bloquear o bom. E sem mau como é que sabemos o que é bom? E haverá realmente algo totalmente mau e algo totalmente bom? Existencialismo ao rubro.
Comecei a desenrolar este novelo complexo aos bocadinhos, a puxar sempre mais um pouco e percebi que esta minha ânsia de controlar toda e qualquer emoção que provoca um pico na linha regular do meu batimento cardíaco se expandiu como um vírus, chegando ao ponto de me levar a evitar falar sobre determinados assuntos, de deixar de ver determinado filme por ter receio de ser demasiado intenso e mexer demasiado com as minhas emoções. Conseguem entender a dimensão do que estava a fazer a mim mesma? De como estava a negar tudo aquilo que é a vida, que faz parte dela, para atingir o tão desejado equilíbrio?
Mas depois li o tal livro que mexeu com todas as minhas emoções e me virou do avesso. E depois ouvi as tais canções cujas letras são poesia e senti o ritmo do meu coração galopar. E depois vi o documentário que me mostrou o perigo de "engolir" as emoções sem as digerir, a forma como podemos adoecer em todos os planos físico, mental, social. E percebi que aquela pessoa que se emocionava, que estava a permitir-se sentir tudo com a intensidade devida era eu. Era o meu antigo eu. O eu de quem sinto saudades. Eu nunca temi nenhuma emoção, minha ou dos outros. Foi sempre esse estado de conforto e à vontade com toda e qualquer emoção que levou as pessoas a procurarem-me sempre que precisavam de falar, de desabafar. Nunca me esquecerei quando uma amiga me disse que o meu maior dom era a forma como fazia as pessoas sentirem-se confortáveis na minha presença, como se não existissem vergonhas e barreiras. Essa pessoa que eu sempre fui, de quem eu tinha tantas saudades, desapareceu quando comecei a querer controlar todas as emoções, quando comecei a racionalizar os sentimentos. Porque antes, quando me permitia sentir, era muito mais saudável e equilibrada do que sou hoje, que tento controlar tudo. É irónico.
Eu nunca tive medo de sentir até ter sentido uma dor tão forte, que me paralisou. Que fez o meu mundo estremecer e ficar sem sentido. Estou há dois anos a tentar processar o que trago cá dentro. No outro dia, numa meditação, viajei ao dia em que a minha vida mudou radicalmente. Voltei àquele domingo de julho, todos os detalhes daquele dia são tão vivos a minha memória e, ao mesmo tempo, tão vagos. Lembrei-me do que foi possível e senti as lágrimas escorrerem pela minha cara. Não foi um choro compulsivo, não desabou nenhuma barragem emocional dentro de mim. Foi um choro suave, livre, mas profundo. Aquelas lágrimas vieram de recônditos escondidos dentro de mim. Naquele momento, senti vontade de me abraçar. De me consolar e aconchegar. De me deixar ir, de libertar o peso do mundo que trago dentro de mim.
Estou neste estado de consciência, em que começo a ver as coisas com mais clareza, mais nitidez e de forma mais ampla. Não tenho escrito, porque dentro de mim sei que não me apetecia escrever sobre nada mundano e vago. Acho que sabia exatamente o que queria escrever, mas não acreditei que seria capaz de o fazer. Ainda acho que este texto não cumpre grande lógica, não tem qualquer fluidez e beleza como eu gosto de ler. Mas tem verdade, a minha. E acho que nesta fase, ser verdadeira comigo, é tudo aquilo que mais preciso.