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the old soul girl

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20
Nov19

donos da verdade e da razão

girl

Há muitas coisas neste mundo que me aborrecem. Tento não escrever sobre elas para não lhes dar importância nem deixar que o negativismo me contamine, mas a vida não são só coisas boas e positivas e escrever sobre as coisas que me aborrecem é tão legítimo como escrever sobre as que me alegram. Além disso, há coisas que me trespassam o coração de tal forma que preciso mesmo de escrever sobre elas para as expulsar do meu organismo. E se podia criar uma série dedicada a coisas que me tiram do sério, o primeiro episódio tem de ser obrigatoriamente sobre a facilidade com que as pessoas julgam os outros.
Ah, que coisa mais desprezível, mais tudo! Ok, deixem-me acalmar e reformular a minha perspetiva. Não me considero nenhuma santa imaculada que nunca faz juízos de valor. Pelo contrário, faço, porque sou humana e a nossa espécie foi concebida de forma a organizar todos os elementos do seu ambiente em gavetas, com rótulos e etiquetas. Isto é bom, isto é mau, isto é feio, isto é bonito, etc e etc. É a nossa natureza e, como tal, estes pensamentos disparam a alta velocidade como se tivessem vontade própria. No entanto, precisamente por sermos seres racionais e dotados de raciocínio lógico e sermos capazes de pensar acerca do nosso próprio pensamento (coisa que mais nenhuma espécie é capaz de fazer), temos a capacidade de gerir estes juízos de valor. De os questionar, por em cheque e, em última instância, de os ignorar e deixar de lado. Resumidamente: lá por os julgamentos serem como cogumelos, que nascem em tudo que é lado, não significa que todos sejam comestíveis. Pelo contrário: não só nem todos o são como alguns podem ser de tal forma venenosos, que podem acabar em fatalidade.
Já fui uma pessoa muito mais julgadora e com uma opinião sobre tudo e todos do que sou hoje. Aliás, acho que hoje sou o oposto, sinto muita dificuldade em cair em juízos de valor imediatos, sem tentar compreender primeiro toda a situação e as suas diferentes perspetivas.

Quando descobrimos a verdade sobre o que se estava a passar cá em casa, uma das minhas maiores questões foi "como é que eu vou trabalhar amanhã e agir como se o meu mundo não tivesse acabado de desabar?". Eu sei, no meio de tanta coisa interessante e complexa para desvendar, ali estava eu preocupada em esconder o que estava a sentir, mas a verdade é que queria manter-me profissional e não queria, nem por um segundo, desabar em pleno escritório e ter de contar o que se estava a passar. O dia seguinte, em que fui efetivamente trabalhar, foi dos mais difíceis que já tive de enfrentar. Recordo-me de ligar ao meu namorado à hora de almoço e dizer "ok, já aguentei 4 horas, já só faltam outras 4, está quase" e de me sentir à beira do abismo. O dia passou e a máscara colou de tal forma, que os dias seguintes foram mas fáceis e à medida que o tempo foi passado, acabei por usar o local de trabalho como um escape, sendo o ambiente em que poderia estar liberta das preocupações familiares e dedicar-me a outro tipo de assuntos. Claro que nunca consegui a 100% desligar-me da esfera familiar, mas o trabalho foi um bom distrator, não posso negar. Mas onde quero chegar é que passou um ano e ninguém, olhando para mim, consegue imaginar o que se passou e se continua a passar na minha vida. A representação é tão perfeita, que se eu decidisse agora contar toda a verdade, a maioria das pessoas não acreditaria e as restantes pensariam que eu lidei com o assunto muito bem, tal a minha aparente tranquilidade. O que significa que nós nunca imaginamos o que vai na vida de cada pessoa com quem nos cruzamos. Não sabemos rigorosamente nada a não ser o que as pessoas nos querem mostrar. Assim como não sabemos como foi o seu percurso até ao momento atual em que se encontram, quais foram as suas adversidades, as suas perdas, as suas estratégias e ferramentas para lidar com elas. Deste modo, questiono: temos direito de julgar alguém?  Pelo menos, sem nos certificarmos primeiro de que estamos na posse da quantidade de informação razoável para tecermos um juízo de valor minimamente acertado?
Cada vez que ouço alguém, cheio de si, pregar acerca da vida dos outros, sinto o estômago apertar-se. Só me apetece gritar e questionar "mas que raio sabes tu acerca dessa pessoa e da sua vida?". A falta de compaixão torna-se cada vez mais óbvia à medida que vamos crescendo, o que não faz qualquer sentido, deveria ser o oposto. Com o avançar da idade pressupõe-se que vivenciamos cada vez mais situações e, se não vivenciamos, vemos os que nos rodeiam vivenciar e aprendemos por observação. Essa experiência deveria ser a base, o ponto de partida para sabermos que nem tudo o que parece é, para darmos o benefício da dúvida mais vezes e não nos lançarmos logo em conclusões precipitadas e, frequentemente, erradas.
Não sei se é por, pela primeira vez, ter estado do outro lado da barricada e saber o que é aparentar viver uma vida que não é real, mas custa-me engolir este tipo de pessoas. Torno a repetir: todos julgamos, faz parte da nossa natureza, mas não podemos ser ingénuos e acreditar em todos os julgamentos que despontam na nossa cabeça.

Esse é sempre o caminho mais fácil, mas não é, de todo, o que pretendo seguir. Não sou a melhor pessoa do mundo nem candidata ao prémio Nobel da paz, mas recuso-me a cair nas armadilhas da minha mente. E não sou parva: sei que ao escrever isto estou, de certo modo, a julgar todas as pessoas que julgam. O que pode tornar o meu ponto de vista contraditório, mas em prefiro pensar da seguinte forma: este é um juízo de valor que faço deliberada e conscientemente. Não conheço todas as pessoas do mundo, nem as suas histórias e muito menos conheço os motivos que as levam a julgar sem freio, mas na maioria das situações com que me deparo resume-se a falta de compaixão e de informação. E falta de interesse também, porque é sempre mais fácil cair num juízo errado do que colocar as coisas em perspetiva. Isso envolve esforço, requer empatia e a capacidade de perceber que somos todos muito mais complexos do que queremos assumir ser.

É sempre mais fácil espalhar ódio e assumir o papel de donos da verdade. Nem quero entrar pelo caminho do que se passa nas redes sociais, porque isso é matéria-prima para outro capítulo desta série. Só quero passar a seguinte mensagem: se usássemos a mesma energia que usamos para julgar e pregar para nos compreendermos uns aos outros, a nossa vida era bem melhor. 

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