Como o "Isto acaba aqui" acabou comigo
Sou uma fã assumida e orgulhosa da Colleen Hoover. Já foram diversos os textos que escrevi sobre o impacto dos seus livros em mim e sobre a forma como admiro o trabalho e o talento de Colleen. Só não me aventuro a criar-lhe um clube de fãs porque já devem existir centenas deles e o meu seria apenas mais um, perdido no universo. E depois leio o "Isto acaba aqui" e começo a reformular toda esta ideia de (não) criar um clube de fãs, porque quando eu achava impossível não me deslumbrar mais pelo trabalho de Colleen, ela é capaz de me surpreender e todo o seu talento se debruça sobre mim como uma avalanche.
Fiquei acordada até às tantas da manhã, num dia de semana, sabendo que teria poucas horas de sono, para acabar de ler este livro. E valeu cada segundo de sono perdido, porque o que perdi em descanso, ganhei em entusiasmo, euforia, tristeza, raiva, eu sei lá, toda uma montanha russa de emoções. O mais curioso é que eu não estava nada curiosa para ler este livro. Aliás, quando lia e relia a sinopse do livro, sentia que não era o tipo de livro que iria prender a minha atenção. Até que num belo dia, numa viagem pelo Goodreads, li uma resposta da Colleen a um fã, que a questionava qual dos seus livros mais gostava. Ao que a Colleen não se poupou a respostas politicamente corretas e, abertamente, disse que era o "Isto acaba aqui", por ser o livro mais pessoal e intenso que já havia escrito. E foi aqui que a coisa se inverteu para mim. Onde antes não havia curiosidade, do nada nasceu toda uma vontade de descobrir este livro e perceber se, afinal, era assim tão incrível como todas as pessoas no Goodreads comentavam, inclusive a própria autora do livro.
E ... o que dizer? O que dizer para além do óbvio e já dito por todo o universo de pessoas que leram este livro? É realmente incrível. É tão incrível que senti necessidade de escrever sobre ele, para que mais pessoas possam deitar os seus olhinhos nele e se deixarem levar por uma história que tem um pouco de tudo e em que não falta nada, mesmo nada.
Sempre que escrevo a minha opinião sobre livros, sou muito superficial, porque não quero, de forma alguma, dar spoilers. Nunca sei como conciliar falar do livro com entusiasmo sem dar demasiadas informações sobre a história, mas vou dar o meu melhor para vos tentar explicar o porquê deste livro me ter arrebatado, como eu nunca, nem nos meus maiores sonhos, imaginei.
O tema base e central deste livro é a violência doméstica. É a história de uma jovem de 25 anos, Lily, que cresceu a assistir a cenas de violência entre os pais, mais concretamente o pai a agredir a mãe. Conhecemos a Lily de hoje, jovem adulta, emancipada, a conquistar todos os sonhos que tem para a sua vida, e, ao mesmo tempo, vamos conhecendo a Lily do passado, com 15 anos, que assistia ao que ninguém deveria alguma vez assistir e ao impacto que todos esses episódios tiveram na construção da sua personalidade e na forma como se relaciona com os outros. E até aqui nada disto parece muito fascinante, mas posso dizer-vos que há uma pessoa especial que cresce com Lily, que a marca para sempre e posso também dizer-vos que surge uma pessoa no presente de Lily, que parece ser a pessoa perfeita, que se apaixona por Lily, por quem Lily se apaixona e por quem, também nós, leitores, acabamos por nos apaixonar a dada altura. Estas duas pessoas terão muito peso e influência na história de Lily, no rumo que a sua vida vai tomar, nas escolhas e decisões que esta terá de tomar.
Mas não é sobre a história de que vos quero falar, embora a tenha adorado. Adorei todos o detalhes dela, todos, todos. Adorei a forma como a Colleen conseguiu criar personagens tão dinâmicas e que, no final, nos fazem acreditar numa frase chave no decorrer deste livro: não há pessoas más, há apenas pessoas que por vezes fazem coisas más. Adorei a genialidade da autora em nos dar a conhecer o passado de Lily através das entradas dos seus antigos diários, que são deliciosas. Mas esta genialidade não se esgota e Colleen consegue escrever sobre as dinâmicas e os conflitos internos da violência doméstica de uma forma que nos envolve, que nos faz sentir que somos aquela vítima, que aquela poderia ser a nossa realidade e poderíamos ter de ser nós a ter de tomar tais decisões. Colleen alerta, em mais do que um momento, para uma questão que me tem passado em loop na mente: tendemos a dirigir os nossos pensamentos mais críticos e duros para aqueles que são vítimas de violência doméstica do que para os agressores. É-nos mais fácil julgar a mulher que não sai de casa, que não abandona o marido violento, pensar nela como fraca e frágil, até como pouco inteligente por cair sempre no mesmo engodo e na mesma armadilha de perdoar, por achar que não se voltará a repetir. E enquanto o fazemos, vamos deixando escapar impune os agressores, que não destroem apenas fisicamente as vítimas diretas, destroem-nas por dentro e destroem todos os que estão em seu redor. Mas, ao mesmo tempo, Colleen ainda nos consegue deixar sentir um pouco de empatia por estes mesmos agressores, mostrando-nos que estes também têm uma história e que, muitas vezes, também estes estão num sofrimento inesgotável. No entanto, Colleen nunca nos deixa cair na armadilha de pensar que ter uma história de vida difícil é um motivo ou uma justificação. É apenas isso: uma narrativa que nos leva a perceber que, novamente, as pessoas não são boas nem más. Apenas fazem coisas más por vezes.
Há muito da vida, do passado de Colleen neste livro. Há vulnerabilidade, há a sensação de que a autora escreve este livro com um objetivo triplo: engrandecer a mãe, perdoar o pai e libertar-se a si mesma, rescrevendo a sua história ou, pelo menos, a forma como sempre olhou para a mesma. Hoje entendo o porquê deste ser o seu livro preferido e o mais difícil de escrever. A matéria-prima não só era densa, pesada, negra, como vinha de fontes próximas.
Poderia dizer-vos tanto sobre este livro e sinto que seria sempre insuficiente. Quem já o tiver lido, partilhe comigo nos comentários o que achou! Quem não o fez, faça-o, não se irão arrepender. Para mim foi apenas mais uma confirmação de que Colleen Hoover tem um talento que transborda, não tem início nem fim. Foi a confirmação, também, que, de quando a quando, aparece um livro que nos abala, que nos faz estremecer, que nos deixa a pensar, que nos transforma. Tudo nele é brilhante, até o próprio título.
E, em jeito de conclusão, termino com uma frase que me ficará gravada para sempre, que ressoou tanto dentro de mim, pelos motivos mais óbvios: quando a vida é difícil, parecendo não haver solução, há que continuar a nadar. Nem que pareça que apenas flutuamos ou que estejamos a afundar, nunca podemos deixar de nadar. Chegaremos à margem.