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the old soul girl

the old soul girl

29
Jul20

surrender

girl

No dia em que me ligaram a confirmar a minha disponibilidade para o novo desafio que me tinha sido proposto, eu tinha acabado de fazer uma meditação guiada da Sarah Blondin, chamada Learning to Surrender.

Antes de avançar, quero apenas dizer-vos que a Sarah é, provavelmente, das melhores "professoras" de meditação que poderão encontrar. Todas as meditações dela são mágicas, a Sarah tem uma presença que emana tranquilidade e paz. Por isso, fica aqui o meu conselho para a irem pesquisar no Insight Timer, estou certa de que não se arrependerão. 

Retomando. Learning to Surrender. Surrender pode ser traduzido como rendição, entrega. Para mim, como tenho vindo a escrever, a capacidade de entrega, de deixar fluir, é uma aprendizagem contínua, porque toca na minha maior necessidade, que é a de controlo. Controlo e entrega não são compatíveis. Do mesmo modo que controlo e vida também não o são. Na verdade, há pouquíssimas, raras coisas que podemos controlar nesta nossa existência. Podemos controlar os nossos pensamentos (ou, pelo menos, a influência que estes têm sobre nós), os nossos comportamentos e emoções. Podemos controlar a forma como reagimos ao que nos acontece, mas nunca seremos capaz de controlar o que nos acontece. As alegrias e infelicidades da vida não são, muitas vezes, selecionadas por nós. Apenas nos resta ser capazes de lidar com elas da melhor forma possível, do modo que temos disponível naquele momento para enfrentar aquela situação. 

Hoje é o segundo aniversário da morte da minha família como sempre a conheci. Da família onde cresci, onde fui e fomos imensamente felizes. Não escolhi este desfecho, simplesmente aconteceu. Veio bater-me à porta, com uma força e urgência de quem não pede permissão para entrar. Gosto de pensar que tudo o que nos acontece tem o poder de nos transformar. Que tudo pode ser um presente. Mesmo que não venha embrulhado num papel colorido e seja apetecível. Na verdade, há oportunidades únicas de mudança que nunca olharemos como positivas, mas saberemos sempre que foram necessárias para o nosso crescimento. Esta é uma delas. Dificilmente olharei para este acontecimento como positivo, mas consigo extrair dele valiosas aprendizagens. Uma delas é precisamente sobre ser capaz de me render à vida. Aceitar tudo - o bom e o mau - resistindo cada vez menos à mudança. 

Quando me telefonaram, tinha acabado de ouvir a Sarah a dizer que entrega não é o mesmo que desistência. Não é algo passivo. Entrega é sermos capazes de fluir com a vida, de a seguirmos como a água segue o curso natural do rio, que segue o seu caminho ao oceano, fundindo-se num só. É sobre desconstruir resistências, porque tudo aquilo ao qual resistimos, apenas persistirá, como Jung nos ensinou. É sobre compreender, com a mente e o coração, de que o controlo é uma ilusão, de que quando deixamos de ter essa necessidade, podemos estar abertos, curiosos e disponíveis para todas as oportunidades que a vida tem para nós. A meditação acabou, eu ainda estava enfeitiçada por estas palavras mágicas, quando o telefone tocou e me fizeram a proposta oficial. Eu sei que ultimamente tenho falado muito acerca de sinais, mas naquele momento, não fui capaz de ignorar a mensagem. Quando nos propomos a abraçar a vida, com tudo que esta tem para nos oferecer, as coisas simplesmente acontecem. No meu caso, tive esta prenda, mas não me enganei, este é um presente que traz consigo uma dose enorme de desafio e crescimento, como vos tenho contado. Deixou-me muito feliz, mas rapidamente percebi que ia estremecer com todas as minhas inseguranças e defesas. A vida não tira sem nos dar nada em retorno, do mesmo modo que não nos dá, sem nos tirar algo também. É um fluxo contínuo, que não podemos contrariar. 

Por isso, escolho olhar para o dia de hoje como uma oportunidade de recomeço. De renovar pensamentos, de me desfazer de crenças e medos que não me acrescentam, apenas consomem. Somos responsáveis pela nossa vida e, como tal, pela nossa felicidade. Que nos esqueçamos de que somos detentores desse poder e, como tal, dessa responsabilidade. 

28
Jul20

trust

girl

Os sinais existem e estão presentes, basta estarmos atentos e, talvez o mais importante, estarmos recetivos. Hoje entro no meu computador de trabalho, iniciando sessão e abrindo o google chrome, que me recebe sempre com uma frase inspiradora para começar o dia em pleno. A frase que me abraçou hoje foi a seguinte:

Unless you try to do something beyond what you have already mastered you will never grow. - Ralph Waldo Emerson 

Esta citação resume na perfeição a fase que estou a viver. Estou perante um processo de aprendizagem enorme, que me está a desafiar a todos os níveis. Está a mexer com todos os meus medos e receios, com todas as minhas forças e fragilidades. Tenho momentos de confiança e, a seguir, começo a sentir o medo a espreitar, a aproximar-se e a sussurar-me ao ouvido "será que és mesmo capaz?". Sinto o entusiasmo, a adrenalina de me dedicar a algo que me enche tanto o coração e me faz sentir tão viva, mas, ao mesmo tempo, os velhos receios e os pensamentos negativos explodem diante de mim. Quero focar-me apenas no lado positivo, mas não existe luz sem sombra; esta experiência é um todo e, como tal, é também constituída por momentos de angústia no meio de tantos momentos de alegria e euforia. 

Olho para dentro de mim e vejo dois caminhos. Vejo o velho e conhecido caminho, aquele que me faz sentir segura, mas frustrada; que é reto, plano e não requer grande energia da minha parte para ser percorrido (porque, de tão velho que é, conheço-lhe cada milímetro e percorro-o de olhos fechados). E depois vejo um outro, que não está sequer finalizado, que brilha com muita intensidade, com tanta luz, que me ofusca e faz sentir tonta e desnorteada. É tentador, mas deixa-me apreensiva, o meu estômago enrola-se em si mesmo e sinto a minha garganta contorcer-se num nó cego. Por um lado, quero sentir-me segura e estável; por outro, quero a aventura, o desafio. Quero ambos os caminhos, quero se cruzem e formem um só. 

No fundo, o que eu quero é sentir-me segura nesta nova fase. Quero adquirir a experiência que me faz sentir tranquila e plena, embora, para tal, necessite de percorrer o caminho desconhecido vezes e vezes sem conta até este se tornar familiar. Quero ser grande sem precisar de crescer. Faz algum sentido? Ser sábia sem ter de passar pelas adversidades e lições da vida? 

Sei que esta ânsia é a minha necessidade de controlo a falar. É a minha necessidade de ser bem sucedida, não aos olhos dos outros, mas aos meus. Porque os meus olhos são os mais exigentes de todos. Eu sou a única que não me permito falhar, que não aceito a incerteza, que não normalizo o que é natural. Tenho tanto medo de fracassar, de fazer e dizer a coisa errada, de descobrir que sou uma farsa, uma impostora. No fundo, é como se todo o meu valor dependesse do que sou capaz de alcançar. 

Preciso de abraçar a incerteza com curiosidade; de me permitir errar; de desfrutar mais do processo e desligar-me do resultado final; de viver mais no agora do que nos meus medos imaginários, que apenas pertencem a um futuro longínquo e, muito provavelmente, nunca tornado realidade. 

Estou a crescer e a ser desafiada. Já me tinha esquecido de como é assustador e entusiasmante ao mesmo tempo. Preciso de respirar fundo e aceitar que este processo é mesmo assim. Que estes momentos de incerteza e vontade de desistir fazem parte. É a necessidade de conforto e controlo a gritar, são as resistências a fazer força e pressão. Respiro fundo e sei que, apesar de tudo, nunca conseguirei desistir. Pelo menos não agora. Porque se o fizesse não seria pelos motivos corretos. Não seria por perceber que afinal não é isto que me preenche e não é isto que quero para mim. Seria apenas pelo medo. 

Quando aceitei este desafio, foi com as palavras do meu amor em mente e com o bichinho de felicidade que se instalou no meu coração. Ele disse-me "aceita, nem que seja para perceberes se gostas!". E quando ele me disse estas palavras, tudo fez sentido e percebi que queria muito isto. Queria muito tentar. Mesmo que, para isso, me sinta tão perdida e desorientada tantas vezes. Mas se há característica que faz parte de mim é a persistência. Para ser grande, sê inteiro! Põe quanto és, no mínimo que fazes! Este é o meu lema, é a minha forma de estar na vida e é o modo com que encaro todos os desafios que me são lançados. Talvez seja até desta dedicação que nascem as ramificações do meu medo de fracassar, pois dou tudo de mim, pelo que é inevitável surgir o pensamento "e se, mesmo assim, não for suficiente?". O meu medo é proporcional à quantidade de esforço, energia e dedicação que emprego. Quanto maior é o meu medo, maior é a minha vontade de o ultrapassar. Mas quanto maior é o meu esforço e entrega, maior é a possibilidade de o fracasso ser recebido com angústia e dor. 

Independentemente de tudo, estou consciente de tudo o que estou a sentir e a pensar. Estou consciente de que este é um processo. E comecei este texto a falar de sinais. Comecei a escrever este texto ontem e hoje, quando regressei ao meu rascunho, sabem qual era a frase que me esperava?

Trust the process.

Acho que me resta confiar, certo? Em mim e em que tudo vai dar certo. Seja lá o que for esse certo!

21
Jul20

Life is a gift; experience is the beauty

girl

Passou-se um mês desde que escrevi pela última vez. Não tenho escrito por uma miríade de motivos, desde falta de tempo, de vontade, de assunto, excesso de preguiça, etc e etc. Mas escrever faz parte do meu ADN e, como tal, não posso ignorar a minha natureza. Por isso, cá estou, novamente, na minha casinha digital, pronta para fazer um update dos acontecimentos ocorridos neste mês de ausência.

Considero-me uma pessoa a quem nunca acontece nada realmente interessante de ser partilhado. Não sou, nunca fui, aquele tipo de gente a quem tudo lhe acontece e tem sempre uma história ou novidade para partilhar. Às vezes até penso na minha vida como uma paisagem alentejana, plana e árida, sempre igual por maior que seja o número de quilómetros percorridos. Não que isto me entristeça, porque, como gosto de ver o copo meio cheio, tendo a pensar que ausência de novidades pode muito bem ser sinónimo de ausência de tempestades. 

No entanto, este mês, uma novidade, das boas, veio bater-me à porta. Recebi, inesperadamente, uma proposta para trabalhar na minha área de formação em part-time. Uma proposta que me permite conciliar com o meu trabalho atual, permitindo-me ter o conforto e estabilidade, por um lado, com o desafio, criatividade e paixão, por outro. Quando recebi a proposta, o meu primeiro instinto foi declinar. Típico da minha pessoa, assustei-me, pensei logo que era areia demais para o meu camião e fiquei com medo. Aquela vontade de dizer "não" era o meu medo de falhar a falar por mim. Mas depois, com calma e com o apoio do meu mais que tudo, que me disse "eu aceitava sem pensar duas vezes, não penses, diz já que sim!", percebi o quão feliz estava por me estar a ser dada uma oportunidade tão boa, sem eu sequer ter ido atrás dela, sem ter dispendido um único segundo ou milésimo de energia. Literalmente, bateu-me à porta. Fiquei extasiada de felicidade e entendi que a minha alegria e vontade de aceitar o desafio conseguiam ser maiores e mais fortes do que o meu medo. Senti que seria uma ingratidão enorme da minha parte declinar uma prenda que o universo me estava a dar. Soube que me iria arrepender se não tentasse, que passaria a minha vida toda a pensar "e se ...?". E, talvez o mais importante, tive a certeza de que esta prenda da vida carregava um conjunto de aprendizagens, em que a maior delas todas é, sem qualquer dúvida, enfrentar o medo que me aprisiona e condiciona tantas vezes: o de falhar, o de não corresponder às expectativas e o de não ser suficiente. Esta oportunidade veio mascarada de desafio, no sentido em que me obriga a dar um salto de fé, no desconhecido, onde as certezas pura e simplesmente não existem. Por todos estes motivos, soube que recusar não era uma opção. Eu fiquei eufórica, com a adrenalina a percorrer-me o corpo, sabem aquela sensação de entusiasmo tão forte, que se confunde com ansiedade, mas uma ansiedade boa? Como é que eu poderia dizer não a algo que, pelo simples facto de vir ao meu encontro, já me deixara tão feliz? 

Posso dizer-vos que já iniciei este projeto e que, como em todos os começos, a ânsia, o nervosismo, o medo estavam presentes. Tentei dar-me consolo, conforto e colo. Procurei normalizar o que estava a sentir, dando espaço a todos os sentimentos para se expressarem. Convidei todas as emoções a apresentarem-se, entendendo que as emoções são temporárias, tal como aparecem também desvanecem. Assim como os pensamentos. A minha mente, não fosse ela hiperativa, fez mil e um filmes, desde os românticos aos catastróficos. Mas os pensamentos são também eles fugazes e tentei ao máximo não me prender a nenhum deles, com a exceção de um: vai tudo correr bem.

Por maior que seja o meu medo de errar, e acreditem que é muito grande, eu tenho sempre uma luzinha acesa no meu íntimo, que simboliza a esperança de que tudo vai correr bem. Mesmo que tudo corra mal, há sempre a oportunidade de retirar algo de bom. Até porque a maior parte dos nossos medos são ficcionários e imaginativos, nunca chegam a transformar-se em realidade. Foi o que me aconteceu. Estava muito ansiosa, mas quando se deu o click "ação!", tudo fluiu e fez sentido. Como se aquele fosse o meu lugar, a minha casa, onde pertenço.

Naquele dia, senti um conjunto ambivalente de emoções. Primeiro, senti-me feliz e plena. Depois, quando comecei a dar corda à minha mente e aos meus medos, fiquei apreensiva e envolvida em pensamentos de "será que dei o meu melhor?", "será que deveria ter feito aquilo assim?", "e se não sou capaz?", "e se eu descubro que sou uma nódoa nisto?", entre outros. Posso dizer-vos que passei dois dias completamente abananada e perdida no meu mundo interno de terror. O meu namorado olhava para mim e dizia-me que estava estranha. E estava. Sentia-me cheia de medo e apavorada. Até que parei para pensar na forma como me estava a tratar. Estava a regressar aos meus velhos hábitos de exigir de mim o inatingível, de não me oferecer compaixão e compreensão quando me é tão fácil oferecer aos outros, de me massacrar vezes e vezes sem conta com as coisas que podiam ter corrido melhor em vez de olhar para as que correram espetacularmente bem, de me pressionar a ser perfeita à primeira. Percebi que era aqui que residia a oportunidade de fazer diferente. Desta vez, em lugar de me fechar numa masmorra de autopunição e autocrítica, eu quero fazer as coisas de forma diferente. Quero dar-me espaço, liberdade e tempo. Quero permitir-me errar e quero, acima de tudo, tratar-me com amor. Quero dizer-me que farei asneiras, terei momentos de impasse e dificuldade, mas que serei capaz de os ultrapassar, recorrendo às minhas competências, à ajuda de colegas e de estudar as vezes que forem necessárias para me tornar cada vez melhor. Quero desfrutar da viagem, sentir o vento no rosto, o sol a queimar, ver paisagens diferentes, sem me importar se chego rápido. Eu quero apenas chegar longe. 

Quando interiorizei tudo isto, a calma regressou. E ainda me senti mais plena quando fui reler antigos documentos de projetos anteriores e me confrontei com a paixão que sinto pela minha área. Como aquilo que estudei é tão enriquecedor e, ao mesmo tempo, tão complexo e exigente. Preciso de me dar permissão a ser uma mera aprendiz para me tornar numa profissional excelente. E só o posso fazer se, em simultâneo, me desenvolver enquanto pessoa. 

Este texto vai longo, mas queria contar-vos sobre esta oportunidade, porque acredito que este processo que estou a vivenciar é comum a muitos de vós e a outros tantos. Quantas vezes deixamos que seja o medo a comandar a nossa vida e a tomar as decisões por nós? Quantas vezes abdicamos de sonhos e paixões porque somos dominados pelo medo de errar? Eu recebi uma oportunidade rara e única, sem sequer a procurar, e fiquei completamente dividida entre o êxtase e o terror. Aceitei e, todos os dias, me questionei se fiz bem, seguindo-se o pensamento de que sim, fiz. Somos tão complexos e frágeis, temos todos medo de errar, de expor as nossas vulnerabilidades e de nos confrontarmos com a desilusão. Eu tenho medo de fracassar, de não ter controlo, de ficar à mercê dos meus pontos fracos. Mas o que mais me assusta é nem sequer tentar e ser infeliz por este medo de errar. 

Esta semana torno a ter uma reunião deste projeto. Sinto-me tranquila, estou entusiasmada a preparar tudo o que quero abordar, sinto-me até receosa de me sentir tão bem. Porque esta é outra característica muito comum do medo: espreitar entre a felicidade, fazendo-a parecer estranha e incomum. Mas estou atenta aos meus mecanismos de sempre. Estou aberta à experiência e estou genuinamente curiosa para ver o resultado final. Do projeto e de mim mesma. 

 

27
Fev20

"apenas depende de ti"

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Faltar-me-ão sempre estudos para compreender as pessoas (em específico os patrões e entidades patronais) que consideram as questões motivacionais dos seus colaboradores um não assunto. Ou, como já ouvi, um capricho. Divido-me sempre entre pensar que é ignorância ou estupidez ou até um pouco de ambos. Uma coisa sei: inteligência não é certamente.
Sei que não se pode agradar a gregos e a troianos e também sei que existem muitos queixosos crónicos. São aquele grupo de pessoas que se queixa sempre de tudo, tem sempre um problema para cada solução e que parece sentir um genuíno prazer em protestar. Estas pessoas não são apenas assim no trabalho, são assim na vida em geral e os que os aturam têm um lugar reservado no céu. Mas mesmos estes queixosos crónicos ressentem quando a motivação é tratada como um capricho e uma questão que apenas depende do colaborador (como também já ouvi).
A verdade é que a motivação nunca será uma questão exclusiva do trabalhador ou do empregador. É um filho cuja guarda é partilhada e, como tal, cada um tem de fazer a sua parte para que o filho cresça e chegue a bom porto. No entanto, a realidade a que assisto diariamente é que as empresas se descartam da sua responsabilidade e exigem aos colaboradores que a sua automotivação se multiplique e que substitua o papel que só diz respeito ao empregadores. Por muito que um colaborador goste do seu trabalho e chegue todos os dias à empresa com vontade de se exceder e alcançar o seu potencial, não depende apenas de si. Este mesmo colaborador precisa de ter feedback quanto ao seu trabalho, precisa de ver as suas competências valorizadas e não apenas monetariamente, embora também seja muito importante. Mas creio que um "bom trabalho!" enche mais os reservatórios da vontade e dedicação do que alguns euros a mais que, por vezes, com tantos descontos e acertos, se diluem rapidamente. É extremamente importante orientar os colaboradores, dar-lhes oportunidades de crescimento e melhoria contínua, investindo na sua formação não só profissional, mas também pessoal. Proporcionar um bom ambiente de trabalho, no qual sintam que errar não é sinónimo de ter a cabeça a prémio, pelo contrário, utilizar os erros para fomentar aprendizagens e potenciar o seu desenvolvimento. Muitas das pessoas que erram são aquelas que estão sobrecarregadas, divididas entre tantas tarefas que, mais tarde ou mais cedo, alguma vai resvalar e falhar. Ninguém é imenso e o tempo é democrático, todos temos direito às mesmas 24h. Motivar os colaboradores passa também por respeitar a vida destes, sabendo que a esfera profissional é apenas isso, uma esfera no meio de outras igualmente importantes, como a família, os amigos, os tempos livres. Atualmente, as empresas exigem uma disponibilidade quase total aos seus colaboradores, indo além das fronteiras físicas das suas instalações através de chamadas e emails fora de horas. As pessoas não descansam, nunca desligam, entram num ritmo frenético do qual não conseguem encontrar a saída.
Envolvidos num stress constante e crónico, começam a surgir os primeiros sintomas - falta de concentração, de energia, de criatividade para pensar em soluções face aos problemas - e são apenas a pontinha do iceberg. A questão mais fascinante (e ridícula) é que as empresas perdem dinheiro com estes fenómenos, porque depois surgem as baixas, as demissões ou o famoso presentismo, em que temos as pessoas presentes fisicamente no trabalho, mas estarem ou não estarem é quase o mesmo. Está o corpo, mas não está a cabeça.

Será que os patrões desta vida não conseguem mesmo compreender a simplicidade da equação colaboradores motivados = sucesso da empresa? Como é que alguém pode exigir aos seus colaboradores para que estes vistam a camisola, se entreguem de alma e coração às balas, se não há qualquer retorno nem apreço? Por caridade? Por misericórdia?
Trabalho numa empresa onde todos os dias assisto a espetáculos deploráveis de extermínio motivacional. E o que me impressiona mais, ao fim de tanto tempo, nem é a forma como a empresa trata os colaboradores, mas a forma como estes toleram e, mesmo assim, se esforçam. A realidade é que as pessoas precisam de trabalhar, as contas no final do mês são certas e há um medo constante do incerto, porque apesar de isto ser mau, ao menos sabemos como é, a empresa do lado pode ser ainda pior. Só que esta tolerância desgasta-se e as pessoas acabam mesmo por adoecer e perdem tanta qualidade de vida. Tenho tantos colegas à beira do esgotamento, outros tantos que mal conseguem falar e passar tempo de qualidade com as suas famílias. Inevitavelmente, questiono-me se isto vale a pena? Dar tanto a quem nos dá tão pouco?
Não posso deixar de me rir quando me dizem que a motivação apenas depende de mim. Não posso aceitar isso, não posso aceitar que sejam exigidos resultados em tempos recordes, perfeitos, quando neste jogo de dar e receber se dá tanto e se recebe tão pouco. E hoje estas questões pesam-me mais porque olho em meu redor e cada vez conto mais os desmotivados. Vejo rostos cansados, olheirentos, corpos que se alimentam de shots diários de cafeína e refeições pouco saudáveis, telemóveis que não param de tocar e vibrar, emails seguidos a entrar, algumas vozes altas em exaltação por pequenas coisas, mas as pessoas perderam a capacidade de distinção entre o que é pequeno e grande, entre o que é grave e leve. É um cenário triste e degradante, mas mais comum e frequente do que se desejaria. 

Por isso, nunca conseguirei compreender como é que a motivação é entendida como um capricho. Ainda falta a muitos administradores e empresários desta vida a capacidade de compreensão de que as pessoas serão sempre o melhor recurso de qualquer negócio. Serão sempre elas o motor, a força motriz, a chave do sucesso. Hoje investe-se muito em tecnologia de ponta, máquinas novas e XPTO, mas cada vez cai mais no esquecimento a valorização dos recursos humanos. Estes são aqueles que são mais difíceis de substituir e que podem ser o elemento chave no sucesso ou deterioração de uma empresa. Mas o que sei eu de gestão? Sou apenas uma colaboradora caprichosa, cuja subida dos níveis baixos de motivação apenas depende de si mesma. 

03
Fev20

Indignação!

girl

Indignação. É a palavra desta segunda-feira, que ainda vai a meio e já vi um bocado de tudo. Sou uma pessoa indignada com as coisas, não consigo não permitir que me afetem, pelo menos ao ponto de não ter uma opinião sobre elas. Adoraria ser como aquelas pessoas que ouvem barbaridades, testemunham a idiotice dos outros sem sentirem vergonha alheia e sem se sentirem indignados. Eu sempre fui o oposto. Quando vejo alguma coisa que não está correta, quando me deparo com injustiças, tenho de falar. Eu tento controlar esta pulsão interior, a sério, tento com todas as forças. Mas é quase sempre mais forte do que eu e acabo sempre por arranjar (ou criar) oportunidade para falar sobre o que não está bem. Às vezes só faço figura de parva, outras vezes só arranjo lenha para me queimar e já tenho aprendido a ser mais calma e a compreender bem as situações, em primeiro lugar, para só depois agir sobre elas. E, outras vezes, consigo ajudar alguém e é por este nº de vezes, ainda que reduzidas, que ainda me indigno e falo. É por esta necessidade que me atravesso, sujeita a ouvir o que não quero, pelos outros. Porque não consigo ficar indiferente aos problemas dos outros e acabo, frequentemente, por os absorver como se fossem meus, o que também não está certo. Mas envolvo-me, irrito-me, sinto o calor subir-me ao rosto e o estômago a contorcer-se perante injustiças e, acima de tudo, perante o sofrimento dos outros.
Acaba de me acontecer mais um episódio de indignação. Desta vez, comigo, com a minha pessoa. E por mais que odeie sentir-me assim, sei que são estes momentos em que fico estupefacta, a tentar compreender se sou eu que estou a ver mal as coisas, que se acendem as luzes e se dá o click. É o meu momento eureka, o meu "ah!". É o momento em que ganho ainda mais certezas de que não é este o meu local, não é este o meu destino. E sei que tenho repetido neste blogue inúmeras vezes este discurso, estas conclusões repetitivas. Mas de cada vez que o escrevo, reúno certezas e, acima de tudo, forças para procurar a mudança. Porque a mudança é um percurso longo e sinuoso, não se faz de imediato, por maior que seja o nosso desejo.
Por isso, embora me traga tantos dissabores e dores de barriga, gosto dos meus momentos de indignação. Acordam-me para a realidade e reforçam a minha vontade de mudar. Boa segunda-feira para todos!

14
Jan20

the thought train

girl

Como já referi algumas vezes, um dos meus hábitos diários, quase "religioso", é a meditação. Por norma, gosto de meditar de manhã, por um conjunto de razões: preparar-me mentalmente para o dia que se apresenta diante mim, é quando estou mais desperta e menos cansada (não correndo o risco de adormecer), há silêncio absoluto em casa porque sou sempre a primeira a acordar e levantar-me e, talvez o mais importante, coloca-me num estado de tranquilidade e, muitas vezes, bom humor, que são o melhor cartão de visita para dar ao mundo. Uma vez por outra, num dia mais stressante ou quando me sinto muito desperta, medito à noite, numa tentativa de relaxar progressivamente até que o sono acaba sempre por apanhar e não dou pelo fim da meditação. 

Uma das aplicações que utilizo para manter este hábito é a já tão conhecida aplicação Insight Timer. Descobri-a há cerca de 3 anos e desde aí a utilização tem sido quotidiana. Há pouco tempo cometi a "loucura" de me oferecer a mim mesma a subscrição premium, aproveitando o desconto de 50% da black friday. Embora a aplicação tenha a maioria dos conteúdos disponíveis gratuitamente, outros, muito aliciantes (como cursos ou outras ferramentas simples, como poder recuar e avançar na meditação), só estão disponíveis para usuários premium. Assim que passei para esta categoria, aventurei-me nos cursos disponibilizados por inúmeros professores de meditação, psicólogos, monges, enfim toda uma comunidade. 

Estou, neste momento, a acompanhar um curso dado por um psicoterapeuta, em que em cada sessão este recorre a uma metáfora para explorar o modo como nos relacionamos com os outros, com o mundo e, de certo modo, connosco mesmos. Cada meditação é uma maravilha para a alma, seja pela riqueza do conteúdo, seja pela beleza das metáforas utilizadas que, para mim, fazem a diferença na compreensão de muitos temas que, doutra forma, poderiam apenas ser confusos e de difícil apreensão. 

No domingo, fiz uma sessão cujo nome é "thought train", traduzindo, "o comboio do pensamento". Foi, talvez, um dos exercícios mais poderosos que já fiz a nível introspetivo. Basicamente, consiste em compreendermos a nossa mente como uma estação de comboios em que, a cada momento, estão a entrar novos comboios no cais, outros a partir em viagem, num ritmo frenético. Cada comboio representa um pensamento ou uma emoção ou uma sensação física. A nossa mente, no fundo, é este enorme conjunto de pensamentos a toda a velocidade, envolvidos em emoções. Neste exercício, somos convidados a sentar-nos na estação, a observar os comboios que chegam e que partem, isto é, quais os pensamentos em que entramos constantemente (como se fossem comboios dos quais somos passageiros), sem nos darmos conta. Assim que tomamos consciência destes comboios, podemos escolher se nos mantemos a bordo ou se voltamos ao terminal, à estação. Parece um exercício um tanto ou quanto disparatado, foi o que pensei quando comecei a minha visualização. Mas, muito rapidamente, consegui identificar os comboios em que embarco quase sempre, como se tivesse um bilhete vitalício. 

O primeiro que identifiquei foi o comboio "e se...?". As viagens alucinantes que eu faço a bordo deste comboio, os cenários e paisagens incríveis pelos quais passo ...! Se há coisa na qual a minha mente é mestre, é na arte de fantasiar e criar situações surreais. Escusado será dizer que a maioria destas são negativas e se fazem acompanhar por sentimentos de medo e preocupação, deixando a minha barriga num aperto ou às voltas.

O segundo foi o comboio "necessidade de controlo". Cada vez me tenho apercebido mais da minha necessidade, da urgência em saber como e quando é que as coisas vão acontecer. Da urgência em estar preparada, em saber como reagir, em não ser surpreendida. Penso que não é necessário afirmar que este comboio duplicou as suas rotas e viagens depois do que aconteceu cá em casa. As saudades que eu tenho de embarcar no comboio "surpresa" ou no comboio "deixar ir". Quando vivemos com esta necessidade de controlo, não sei, sequer, se estamos realmente a viver. A vida é precisamente o oposto, é incerteza, é descarrilamento. 

O terceiro comboio mais popular é o comboio "medo". Medo do que vai acontecer, medo de como vou reagir, medo do que os outros vão pensar e/ou dizer, medo disto, medo daquilo. Mais uma vez, apercebo-me que este comboio me leva para longe da vida, pelo menos, para longe da vida que pretendo viver e que desejo para mim. Ao longe, vejo o comboio "coragem" e o comboio "esperança" e faço sinal para que abrandem, para que eu ainda me possa juntar à viagem.

Como podem ver, um simples e até estranho exercício tem o poder de nos levar numa viagem pelas terras desconhecidas da nossa psique. Ter consciência e conhecimento de que estes comboios, sempre em movimento, são apenas a mente a funcionar como é suposto e saber que temos o poder de escolher em qual vamos entrar, em qual nos vamos manter, é libertador. Primeiro, significa que não somos o que pensamos, somos a consciência desses pensamentos. E, segundo, por sermos esse ser observador, com poder de escolha, somos nós os decisores dos pensamentos e das emoções que povoam a nossa cabeça e, em modo geral, a nossa vida. Para mim, é aqui que reside a verdadeira e talvez única forma de liberdade: dentro de nós mesmos. 

19
Dez19

2019 foi o ano em que ... #1

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... me afastei de muita gente. Não apenas de pessoas que pouco acrescentavam à minha vida, mas de quase toda a gente no geral. E mesmo daqueles dos quais permaneci próxima, afastei-me emocionalmente. Não creio que o isolamento seja uma estratégia eficaz ou benéfica, mas foi uma das poucas que encontrei para me manter à tona, sobretudo nos períodos mais complicados. A ideia de alguém invadir a minha armadura tão bem construída e saber o que se estava a passar na minha vida assustou-me, ainda me assusta, não fosse eu uma pessoa reservada e cautelosa. Mas houve um outro motivo que pesou neste afastamento e que não me deixa orgulhosa. Grande parte de preferir ficar em casa, na minha companhia e dos meus livros, deve-se a não ter o menor interesse em estar a par das vidas dos outros, mesmo que estes outros sejam pessoas próximas de mim e para as quais apenas desejo o melhor.
A paciência para estar no café a ouvir falar do trabalho do x, do concerto ao que o y foi, ou do dilema entre ir a Itália ou a franca de férias deixou de existir. Sei que as conversas triviais fazem falta e mais falta fazem quando tudo em que conseguimos pensar se centra maioritariamente em questões complexas, densas e difíceis. Mas quando estamos tão saturados de tudo, quando sentimos que carregamos o mundo às costas, não nos apetece conviver com aqueles cuja vida corre de feição. Não me interpretem mal, adoro os meus amigos e fico feliz por eles terem a oportunidade de viverem em pleno e completo a idade que têm, de não terem de ser pais dos seus pais ainda, mas a realidade deles é tão diferente da minha, que deixei de me relacionar com aquilo a que chamam problemas e com aquilo que os move e preocupa.
Torno a dizer: não me orgulho. Gostava de ser capaz de me abrir, de chorar as minhas dores, de por tudo para trás das costas e viver mais. Mas também reconheço a necessidade crescente que sinto de estar na minha companhia, por ser uma companhia e presença de onde não me é exigido nada, onde não tenho de me esforçar, onde posso estar tranquila. Faz algum sentido?

Isolei-me na ilha que sou, na tentativa de encontrar toda a serenidade que não consegui (e ainda não consigo) encontrar no mundo exterior. Porque o meu cansaço atingiu um limite tão elevado que até os eventos sociais se tornaram um sacrifício, por serem mais um momento de pura representação, de mais uma vez colocar a máscara e bloquear tudo o que sinto. Há compromissos, como o trabalho, dos quais não posso fugir, mas todos aqueles cuja porta estava aberta, saí e corri sem olhar para trás.  

05
Dez19

Praise the lord, Aleluia!

girl

Há verdades universais e irrefutáveis nesta vida. Não são muitas, é certo, mas uma delas prende-se com o poder da música. A capacidade rara e quase excecional que a música tem de nos fazer desenrolar um novelo variado de emoções, de nos transportar para o passado ou fazer sonhar com o futuro, de simplesmente mudar a nossa disposição e, com isso, mudar todo o nosso dia.
Ontem foi precisamente isso que me aconteceu. Acordei carrancuda, chateada com a vida. Não vos sei dizer o motivo, talvez até fosse mais do que um, mas sei que estava sem paciência e sentia-me completamente desligada de tudo. Cansada, como tem sido recorrente, de ouvir os problemas dos outros, cansada demais para fingir que está tudo bem. Acontece que ontem era o concerto dos Harlem Gospel Choir e, independentemente da minha vontade, lá fui, sem grande expectativa, ainda que fosse uma daquelas coisas que já desejava fazer há séculos e nunca tinha tido oportunidade para tal.
E aconteceu magia. M-A-G-I-A-! Qualquer vestígio de mau feitio que estivesse alojado no meu corpo, dissipou-se e deu lugar a uma boa disposição e alegria que ainda cá estão hoje, passadas algumas horas. Acho que até adormeci a sorrir.
O concerto a que assisti ontem foi muito mais do que um espetáculo musical. Foi um momento de celebração, de exorcizar todos os males e dores para deixar que a alegria de viver, de cantar a dançar nos consuma. O que me maravilhou realmente não foram as vozes dos elementos do Harlem Gospel Choir, embora sejam algo que se aproxima do divino. Foi a sua alegria, a liberdade com que cantavam e dançavam, a sensação de estarem vivos e a aproveitar cada milésimo de segundo de vida. Como invejo essa forma de estar na vida!
Ainda que, a dado momento, tenha sentido que estava numa missa gospel, adorei cada segundo. Não me considero crente e não sou, tampouco, religiosa, mas adoro ser testemunha da fé e da crença das pessoas que o são. Acho lindo a forma como as pessoas conseguem acreditar que existe algo maior, divino, que nos protege, que nos guia e nos recebe no final desta jornada. Adoraria acreditar no mesmo, não duvido que me traria uma imensidão de paz de espírito.
O espetáculo de ontem foi também de fé. A única diferença é que enquanto para uns a fé se dirige a deus ou a jesus, a minha dirige-se à vida e aos seres humanos, no potencial que cada um de nós tem para fazer o bem, a si e ao próximo. Ontem senti-me abraçada por essa fé, senti conforto naquela sala cheia de pessoas a bater palmas, a cantar, a dançar, a vibrar com a música e a desfrutar da vida.
Foi memorável e confirmou o que eu já sabia: a música é a magia que contagia todos, feiticeiros e enfeitiçados.

28
Nov19

little girl blue

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Liga-me, atendo e segue-se aquela conversa rápida e desprovida de conteúdo, cuja duração não ultrapassa um minuto. Desligo e começo a chorar. Agradeço o facto de estar sozinha em casa, o que é raro, para chorar à vontade. Não é um choro compulsivo, mas correm-me as lágrimas pelo rosto e não as limpo. Deixo-as deslizar e sinto a forma como me arrefecem a face. Não dura muito tempo, mas dura o tempo suficiente para aliviar alguma dor que armazeno. 

De alguma forma, aquela chamada abriu qualquer coisa em mim. Descongelou um pedaço da dor que sinto e, em estado líquido, essa dor esmoreceu. Naquela sala, naquele momento, só existia eu e a minha tristeza. A casa estava silenciosa e a única luz emitida era a do candeeiro da mesinha de apoio. E ali estava eu, sentada no sofá, entregue às minhas lágrimas, a pensar em tudo e, ao mesmo tempo, em nada, limitando-me a sentir que as coisas mudaram. Sim, isto é importante: sentir que as coisas mudaram. Eu penso muitas vezes que as coisas mudaram, mas quase nunca o sinto. Seja porque não me permito senti-lo, seja porque não o consigo sentir. 

Não disse a ninguém, guardei-o para mim. Como digo muitas vezes (e escrevo outras tantas), sinto-me cansada deste assunto e de ser vítima deste acontecimento. Por isso, sinto que não me adiantaria de nada partilha-lo com alguém. É mais do mesmo e nada se altera. No entanto, por algum motivo, sinto que devo escrever sobre ele. Talvez por ter sido das primeiras vezes que me senti apenas triste. Normalmente, a raiva antecede a tristeza e, muitas vezes, só existe mesmo raiva. Mas desta vez foi diferente: só existiu tristeza.

E não consigo deixar de pensar o quão importante isso é. Significa que se inicia uma nova fase do meu luto. Não melhor nem pior do que qualquer outra, apenas mais uma fase necessária para ultrapassar este acontecimento. Sei que ainda irei chorar muito e em muitos outros momentos; sei o quão preciso de o fazer. Também sei como é difícil para mim, mas lá chegarei. Um dia tudo isto será apenas história. 

 

01
Nov19

all that jazz

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Sempre tive mais dificuldade em escrever quando estou feliz. Acho que isto se deve a uma velha crença minha de que quando estamos felizes, devemos aproveitar essa felicidade ao máximo, não perdendo sequer tempo a escrever sobre ela. A tristeza, por sua vez, sempre me serviu como uma ótima força motriz para a escrita. Talvez pela lógica freudiana da sublimação, a tristeza transforma-se em obra de arte e, ao sê-lo, deixa de ser um pouco menos de tristeza. Mas, como o nosso amigo Camões nos diz, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Neste caso, muda-se a forma de olhar para o mundo e a minha tem-se transformado. 

Acordei feliz e quero escrever sobre esta felicidade. Porque a felicidade pode ser igualmente matéria-prima para a escrita como é a tristeza. A felicidade é igualmente inspiradora. E é precisamente sobre inspiração e felicidade que me apetece escrever, como se uma pulsão incontrolável gritasse dentro de mim. 

Desde ontem que sinto uma felicidade esmagadora no coração. Sinto uma excitação eletrizante a percorrer o meu peito e sei que é um sentimento dos bons, como quando estamos prestes a fazer algo que desejamos muito e há muito tempo. É esse tipo de euforia e inquietação, que nos faz vibrar dos pés à cabeça. E sinto-me assim porque tive oportunidade de viver uma experiência que desejava há muito tempo: finalmente fui a um concerto de jazz! 

Superou qualquer expectativa que eu pudesse ter criado. E, acreditem, as expectativas estavam bem lá no alto, não fosse o jazz o estilo de música que me aquece a alma. Mas o que eu não podia esperar, de forma alguma, era sentir-me tão viva, tão feliz e grata por estar ali, naquele instante, sendo completamente conduzida pela música e esquecendo que existia um antes e depois daquele momento. 

Viver o momento. Foi apenas isso e foi tudo isso. Todos os meus sentidos ficaram reféns daquela fórmula mágica que só uma orquestra de jazz, uma big band, consegue aplicar e transformar em melodia. Olhar, ouvir, sentir, saborear e respirar música. Cada poro, cada microrganismo do meu corpo estava conectado naquele momento, concentrado naquele ritmo e seguimento, como se fosse também um elemento da banda a ser conduzido pelo maestro. 

Ontem descobri que é possível passarmos uma hora e meia a sorrir de orelha a orelha e não ficarmos com paralisia da face. Que é possível viver uma experiência que nos absorve por completo, que nos afunda e traz à tona no mesmo instante. 

Estou a sonhar acordada. Com a magia do que vivi, do que senti. E enquanto ali estava, petrificada a sentir tudo isto e mais um universo de sensações e sentimentos, só me passava pela cabeça como a vida é maravilhosa e como a felicidade é inspiradora. Uma imensidão de ideias começaram a pulsar, vindas de todos os lados e direções. Outra vez aquela sensação que parecia estar adormecida em mim: a capacidade de sonhar. Novamente aquela vontade de ir desbravar o mundo, de ir, ir e só ir! De por em ação todos os itens da minha bucket list. De arriscar, de não ter medo de ser eu mesma, de sentir, de viver. Estar aqui de passagem e poder, no final, dizer "eu estive aqui!". 

Não sei sequer se faz algum sentido o que acabei de escrever. Porque a tristeza tem um compasso totalmente diferente da felicidade: enquanto a primeira é lenta e organizada, a segunda é veloz e sem direções. Mas não há qualquer problema. Hoje estou feliz e isso é suficiente. 

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