it's time
Na última sexta-feira, tive um jantar de natal com as pessoas do meu trabalho que já ultrapassaram há muito tempo a categoria de colegas e estão instalados no grupo dos amigos. Uma mesa grande, redonda, cheia de risadas e conversas, onde coubemos todos e todos aqueles que nos são queridos.
Como não podia deixar de ser (infelizmente), falamos muito do trabalho. Queixamo-nos, tecemos autênticas teias de críticas e sátiras a tudo o que vemos de mal na empresa onde trabalhamos e fartamo-nos de rir da nossa desgraça que, quando estamos todos juntos, não parece tão má como na verdade é. A dada altura, um dos convidados que não trabalha connosco, diz abertamente e com um sorriso no rosto que adora o seu trabalho. De repente, vários pares de olhos se focaram nele, uns de surpresa, outros de inveja e alguns de curiosidade. Como é possível existir alguém que gosta do seu trabalho?
A verdade é que não só existe uma pessoa como existem várias que, para nosso infeliz espanto, gostam daquilo que fazem e gostam do seu emprego. Alguns ainda disseram "ah, mas eu gosto do que faço, só não gosto do sítio onde o faço", tentando explicar que o problema não está na função em si, mas no ambiente onde esta decorre.
Eu fui para a casa a pensar naquelas palavras. "Adoro aquilo que faço!". O entusiasmo, a descontração, a alegria que surgia associada ao pensamento de trabalho. Fogo, pensei eu, também quero sentir isto! Quero encontrar esta satisfação, este sentimento de realização que transforma uma obrigação diária num desafio, numa corrida com gosto que cansa, mas cujo cansaço sabe a pouco quando comparado com o prazer sentido.
Fiquei a matutar na fórmula mágica para encontrar o pote de ouro no fundo do arco-íris e os primeiros ingredientes que surgiram na minha mente foram planeamento e coragem.
Planear a mudança é quase tão importante como a colocar em prática. Conhecendo-me como conheço, sei que jamais darei um passo em falso sem saber de antemão que chão tenho diante dos pés. Mudar de empresa, de emprego, o que for, requer planeamento, pensar em todas as possibilidades, vantagens e desvantagens, estudar meios para atingir fins. Por exemplo, estar na atual empresa, mas começar a enviar currículos para outras, ir a entrevistas, sinalizar-me no mercado de trabalho. Ou conciliar o meu atual emprego com o meu emprego de sonho, em modo part-time, de forma a que este segundo se vá tornando cada vez mais viável e sustentável ao ponto que me permita abdicar do primeiro e ser feliz a fazer o que gosto.
Mas por mais que se planeie, um plano só ganha vida quando passamos da ideia à ação. Não adianta ter o plano todo traçado, a rota definida e, depois, não iniciar viagem. Para começar é preciso ter coragem. Atenção: não se trata de não ter medo. Trata-se de não deixarmos que o medo, elemento normal perante a mudança, nos impeça de avançar e conquistar a montanha dos nossos sonhos. Ser corajoso implica abrir mão de alguma dose de controlo e ser capaz de enfrentar o desconhecido. No meu caso, implica enfrentar as areias movediças dos meus pensamentos negativos, que gostam de me mostrar todos os cenários negativos possíveis e de me colocar a pensar numa série de questões que variam entre "e se eu falhar?" e "e se eu estrago tudo?".
O ano está a chegar ao fim e eu sinto que em 2020 um dos meus objetivos principais passa pela minha vida profissional. Como sou uma pessoa cautelosa e muito conscienciosa, nestes primeiros dois anos após a faculdade a minha prioridade assentou sempre em adquirir experiência e juntar dinheiro. Não me preocupei com o esforço despendido, com a exigência da tarefa, com o gostar ou não do que estava a fazer. O meu foco foi sempre trabalhar, sem olhar a prazer nem vontades. E confesso que resultou bem até chegar ao momento em que senti que, no lugar onde estou, não há grande margem de evolução nem de aprendizagem. Sinto que o meu percurso neste lugar alcançou o patamar do conforto: sinto-me segura na minha função e nas responsabilidades que me são atribuídas, estou integrada e sinto-me em casa. E isso é ótimo, por um lado, mas não posso ser hipócrita comigo mesma: é o caminho do conforto e da facilidade. Quero algo que me apaixone, que me desafie um pouco mais. E, acima de tudo, quero paz de espírito. Não quero passar os meus dias a sentir as contrações na barriga, a respiração presa, o ter de pensar mil vezes antes de falar e ter de ser uma pessoa que não sou.
Sinto que está a chegar a fase em que preciso de aplicar as minhas paixões ao lado profissional da minha vida. Tirar mais proveito do que gosto de fazer e, com isso, ter sustentabilidade económica. Quero ter uma vida confortável, claro que quero, todos queremos. Mas até ao momento, sei que apenas vivemos uma vez e não quero sentir que ando a desperdiçar tempo. Porque, infelizmente, é o que tenho sentido nos últimos tempos, que ando a deitar fora a dádiva que é o tempo e que não há forma nenhuma de o comprar ou recuperar.
Vou estar sempre grata por este trabalho, sobretudo pelas tais pessoas a quem hoje chamo amigas e sei que o continuarão a ser para sempre. Mas passados dois anos e tendo cada vez mais presente a ideia de que o amanhã não nos é garantido, começo a pensar na vida de forma diferente. Mais radical, mais solta, mais leve. Quero tanto honrar a oportunidade que é viver cada dia mais um dia. Quero tanto que, quando o fim chegar, haja um sentimento de que aproveitei e fui feliz. Está na hora de começar a desenhar o plano e, acima de tudo, reunir a coragem de o por em ação. Está na hora.