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the old soul girl

the old soul girl

31
Ago23

till the end

girl

Avó, hoje é o teu dia. Sempre será. Estejas onde estiveres. Esta data é tua. Não te posso dizer que me lembro especialmente de ti neste dia, porque mentiria. Lembro-me de ti um sem número de vezes, nas mais pequenas circunstâncias da vida e do quotidiano. Quando passo fora da tua antiga casa, cenário de tantas memórias felizes. Foi o palco de uma infância bem vivida, cheia de amor, carinho, mimo, colo. Quando me vejo ao espelho e encontro na forma do meu corpo a tua, a mesma curvatura, a mesma largura. Quando fecho os olhos e te vejo diante de mim, com os braços abertos para me acolheres num abraço apertado. Quando penso na vida e quando penso na morte. Até na tua ausência continuaste a ensinar-me e foi contigo que aprendi o que é morrer, o que é sofrer pela morte de alguém que tanto se ama e o que é recuperar desse lugar escuro e sombrio, que é o luto.

Demorei a processar a tua partida, avó. Tu deverás saber, porque se existe algo mais do que isto, se existe algo além, longe daqui eu sei que continuaste a acompanhar-me com atenção e dedicação. E, por isso, és conhecedora de como somente um ano depois, no lugar mais inesperado e da forma mais surpreendente, fui capaz de chorar a tua morte. Ainda me lembro do desespero das minhas lágrimas e da aflição da minha respiração. Tudo tão cru, tão presente, como se tivesse acontecido no dia anterior. Ensinaste-me que se sobrevive à dor, que é possível conviver com uma saudade que não finda, apenas se multiplica, à medida que o tempo vai passando. Hoje consigo recordar-te como sempre desejei. Feliz, terna, forte, corajosa. Só existe paz, serenidade e amor quando me lembro de ti. 

Adoro-te, avó. Adoro tudo o que me deste, adoro tudo o que representas para mim, adoro cada pedacinho de tempo que tivemos oportunidade de viver juntas. Continuas a ser o meu porto seguro, quando fecho os olhos e regresso ao lugar onde fomos tão felizes.

Hoje celebro a tua vida, avó. E celebro a minha, porque enquanto existir, tu existes também. Vives comigo e em mim, nas minhas memórias mais puras e felizes. Vives nos meus exercícios de gratidão, onde és presença constante. Vives nos meus momentos mais difíceis, como farol, símbolo de força, de coragem e determinação. Vives na pessoa que fui, na pessoa que sou e farás sempre parte da pessoa que um dia serei. 

Até ao meu último dia, este dia é teu e eu aqui estou para o celebrar. 

31
Ago23

Palavras sábias #2

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"I do not have the answer to the question of why, at least not now and not in this life. But I do know that there is incredible value in pain and suffering, if you allow yourself to experience it, to cry, to feel sorrow and grief, to hurt. Walk through the fire and you will emerge on the other end, whole and stronger. I promise. You will ultimately find truth and beauty and wisdom and peace. You will understand that nothing lasts forever, not pain, or joy. You will understand that joy cannot exist without sadness. Relief cannot exist without pain. Compassion cannot exist without cruelty. Courage cannot exist without fear. Hope cannot exist without despair. Wisdom cannot exist without suffering. Gratitude cannot exist without deprivation. Paradoxes abound in this life. Living is an exercise in navigating within them.

I was deprived of sight. And yet, that single unfortunate physical condition changed me for the better. Instead of leaving me wallowing in self-pity, it made me more ambitious. It made me more resourceful. It made me smarter. It taught me to ask for help, to not be ashamed of my physical shortcoming. It forced me to be honest with myself and my limitations, and eventually to be honest with others. It taught me strength and resilience."

Julie Yip-Williams, Letter to her daughters (July 2017) via Letters of Note

 

P.S - Estas palavras sábias chegam-me todas as semanas, através da newsletter do James Clear, autor do famoso (e incrível) livro Atomic Habits. Aconselho vivamente a que subscrevam, todas as quintas-feiras chegam pedacinhos de inspiração, de reflexão, de magia. 

21
Ago23

Reencontros felizes

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Este fim-de-semana encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Uma amiga que conheci na infância, reencontrei na adolescência e que foi companhia e presença constante nos anos da faculdade. Uma daquelas pessoas que encarna o fenómeno agulha num palheiro, por ser tão especial que, de facto, nos faz sentir que dificilmente encontraremos alguém semelhante. Foi tão engraçado encontrá-la no meio de uma avalanche de gente, ver aquele sorriso no meio de tantos rostos e aqueles braços abertos para me receber num abraço apertado, de saudade e alegria. 

Poderia ter-se passado uma década desde o nosso último encontro, a nossa última conversa e, ainda assim, tenho a certeza que teríamos a mesma facilidade em comunicar uma com a outra. Há pessoas, há amizades assim. O tempo passa, passa por cada uma de nós, mas não machuca a conexão criada e é simplesmente fácil. É simples. É um regresso a casa. É aquela sensação de conforto e serenidade de estarmos num espaço familiar e seguro. 

Atualizamos as novidades das nossas vidas. Somos ambas da mesma área profissional e, como tal, partilhamos as mesmas dificuldades, desafios e dúvidas. Optamos por percursos muito diferentes, mas parece-me que o resultado final não difere assim tanto. Ela, sempre mais persistente e sonhadora, decidiu abraçar o desafio de continuar na nossa área; eu, mais pragmática e realista, decidi seguir de imediato para o plano b, que rapidamente se tornou no único plano possível. Hoje estamos as duas afastadas da nossa paixão, com algumas desilusões e amarguras colecionadas pelo caminho.

A verdade é que a faculdade foi um período dourado nas nossas vidas. Não por não existirem dificuldades e momentos duros, porque existiram e a maioria deles aconteceu na nossa vida pessoal e não tanto académica. Mas porque tivemos a felicidade de decidir estudar uma área que nos preencheu por completo e nos fez sentir que estávamos no sítio certo. Eu, pelo menos, passei grande parte da minha vida de estudante a sentir-me desintegrada. Nunca fui uma má aluna, pelo contrário, mas sempre me senti à deriva. Estudava para ter boas notas, porque sabia que era o meu dever, porque os meus pais me incentivavam a tal, mas nunca estudei com um propósito maior. Nunca soube o que queria ser, a não ser saber que queria ser feliz. E isso significa que, independentemente do que estivesse a fazer, eu queria sentir-me feliz a fazê-lo. Quando chegou o momento de escolher, a minha opção foi feita pelo método mais arriscado: exclusão de partes. Excluindo tudo o que tinha a certeza que não gostava e não queria, sobraram poucas opções em cima da mesma e foram essas as minhas escolhas. 

Por isso, descobrir que, no meio do acaso, a escolha foi a certeira, foi uma sensação que ainda hoje não encontro palavras para descrever. Acho que foram os cinco anos mais felizes da minha vida e nos quais me consegui descobri e ser finalmente eu, se é que isto faz algum sentido. Foram anos de muito crescimento, de desafio, de estar simplesmente no caminho certo. Cada descoberta era mágica e reforçava as minhas certezas. 

Ao encontrar a minha amiga, viajei até esses anos, tão bons, tão ricos. Tempos em que o tempo era meu, era da minha total e inteira responsabilidade. Em que o mundo parecia estar nas nossas mãos e tudo era possível. Foi tão bom encontrar uma das personagens principais dessa época e perceber que, apesar tudo, a amizade, a pureza, se mantêm intactas. E que, apesar de tudo, das nossas vidas não se terem concretizado exatamente como prevíamos e desejávamos, conseguimos encontrar novos caminhos, reconstruir propósitos, compreender que há muitas opções diferentes para se ter um final feliz e que Carl Rogers foi sábio nas suas palavras e visão da vida:

"The good life is a process, not a state of being. It is a direction, not a destination.". Estamos a caminho, querida amiga 

18
Ago23

As minhas recomendações #1

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Hoje apetece-me fazer um post sobre recomendações, que é algo que adoro fazer às pessoas da minha vida. Gosto genuinamente de partilhar quando encontro coisas interessantes para ler, ouvir, ver. Por isso, deixo aqui algumas delas, que tive o prazer de descobrir nos últimos tempos:

 

- Debaixo da Língua, podcast de Rui Maria Pêgo, da Rádio Comercial 

Se eu pudesse escolher uma pessoa "conhecida" (não gosto deste termo, mas também não gosto do termo "famoso") da qual gostaria de ser amiga, o Rui Maria Pêgo seria a minha escolha. Acho-o uma pessoa super interessante e cheia de mundo; é culto, é um comunicador nato e brilhante. As conversas que tem com os seus convidados, no podcast, são tão bem desenvolvidas, as questões que coloca tocam nos "nervos" certos, a sua presença na conversa torna-a melhor, mais profunda, mas nunca se sobrepõe ao convidado. É empático, é divertido, é carismático e faz as perguntas certas, da forma certa. Ainda não ouvi um episódio que não achasse interessante e no qual não tivesse aprendido algo ou ficado a pensar em algum tema de forma diferente. O episódio com o ator Nuno Queimado, por exemplo, tem estado a ecoar na minha mente há dias. O episódio com a apresentadora Maria Botelho Moniz é inspirador. O episódio com a Andreia Criner fez-me sorrir o tempo todo e, pela primeira vez, ouvi duas pessoas (a Andreia e o Rui) a descrever na perfeição o porquê de os concertos serem experiências tão mágicas e intensas. Aconselho vivamente a darem uma oportunidade a este podcast; eu tenho ouvido enquanto trabalho, enquanto passo a ferro, arrumo a cozinha, é uma excelente companhia. 

 

- Inacreditável, podcast de Inês Castelo Branco, da Rádio Comercial

Mais um podcast da Rádio Comercial que vale muito a pena. Confesso-vos que ainda nenhum episódio conseguiu superar o primeiro, que é sobre a experiência de Mónica, no tsunami de 2004, na Tailândia. Este primeiro episódio, que dá o pontapé de saída do podcast, é absolutamente avassalador e inacreditavelmente bom. Depois deste, há outros episódios interessantes e, como o nome do próprio podcast sugere, inacreditáveis. Histórias felizes, de coincidências, de situações engraçadas e que se tornaram em boas histórias para contar. A Inês é uma atriz incrível, como se sabe, mas vocalmente, a forma como narra e conta as histórias é envolvente e deliciosa. O que não é assim tão interessante, rapidamente se torna, através da sua voz, da tua entoação. 

 

- Série de Livros Cottonwood Cove, da Laura Pavlov

Sabem a sensação de alegria de ler um livro de uma escritora que não conhecem, mas que ficam imediatamente a adorar? E a sensação de histeria de descobrir que ela tem vários livros publicados, que ainda estão a aguardar por vocês? É uma das coisas maravilhosas da vida. Tinha o Into the Tide há meses no meu kobo, a aguardar ser escolhido. Protelei, li outros livros, até que decidi dar uma oportunidade a este, que é o primeiro da série Cottonwood Cove. É escusado dizer que adorei. Faço o disclaimer, desde já, que é um romance e, por isso, não criem a expectativa de que é um nobel da literatura à espera de ser reconhecido. É uma leitura leve, cativante, com direito a final feliz, que eu tanto gosto. Tem os ingredientes que eu adoro num romance: tem dual POV; as personagens são cativantes, não só as principais, mas todas as restantes; é steamy, o que significa que temos uma história de amor com intensidade; está bem desenvolvido, não é um insta-love. Depois deste, já li os dois a seguir e encontro-me a aguardar pelo 4º livro da série, que será publicado em setembro deste ano. No que toca a leituras, tenho dado preferência aos romances, porque são a minha zona de conforto, de desafio, de aconchego e felicidade. Mesmo que sejam clichés, adoro sempre ler sobre amor, sobre duas personagens que se cruzam, que se conectam, se amam e desejam. Vibro com elas, sofro com elas, fico feliz quando tem direito ao seu final feliz e acredito, genuinamente, que os romances são a minha grande fuga da realidade, porque o mundo fica suspenso quando estou perdida no mundo dos livros. Fazem-me sonhar, suspirar e deliciar. 

 

- Reputation, álbum de Taylor Swift

Não sei se alguma vez escrevi aqui sobre a Taylor Swift. Talvez porque nunca fui, nem sou, aquilo que se considera uma Swiftie. Sou, na verdade, alguém que inicialmente não gostava desta artista, não entendia o hype associado à mesma. E sou, também, a pessoa que ouviu o álbum Folklore e, depois, Evermore, e recolheu tudo aquilo que tinha lançado para o mundo anteriormente sobre esta pessoa. A Taylor Swift é um furacão musical e é raro assistir-se a um fenómeno desta dimensão, alguém que nasce na música country, consegue brilhar nesse registo e, ao mesmo tempo, desvincular-se do mesmo e abraçar outros estilos e fazendo brilharete em todos eles. Não sou, como já referi, uma Swiftie, porque não sou a fã dos anos iniciais, não gosto particularmente dos álbuns da Taylor adolescente, mas respeito-os. E sou verdadeiramente fã de trabalhos posteriores, como é o caso deste álbum, Reputation, que tenho ouvido em repeat e tenho adorado. Gosto da sonoridade, gosto das letras das músicas, da história e da mensagem que elas nos contam, gosto do facto de ser um álbum "chapada na cara, de luva branca" depois de uma época em que a Taylor esteve debaixo de fogo e a tentaram extinguir do meio. Não só não conseguiram, como libertaram a besta interior dela, no melhor dos sentidos, e nos proporcionaram esta maravilha musical. É especialmente bom ouvir este álbum assumindo esta perspetiva, imaginando-nos na pele dela ou simplesmente de alguém que passou pelas chamas e sobreviveu para contar a história. 

17
Ago23

Palavras sábias #1

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"Even before you do anything to help, your wholehearted presence already brings some relief, because when we suffer, we have great need for presence of the person we love. If we are suffering and the person we love ignores us, we suffer more. So what you can do—right away—is to manifest your true presence to your beloved and say the mantra with all your mindfulness: "Dear one, I know you are suffering. That is why I am here for you." And already your loved one will feel better."

Thich Nhat Hanh - Fear: Essential Wisdom for Getting Through the Storm

Tão verdade, tão ao encontro do que escrevi ainda esta manhã, sobre a importância de estar e não de fazer, de querer resolver. Às vezes, a presença é mesmo a resposta mais simples e eficaz. 

17
Ago23

Ainda sobre a perda de expectativas ...

girl

Acho que uma das conclusões mais difíceis de digerir, para mim, é a de que não temos o poder de mudar ninguém. Eu sei, eu sei, é uma daquelas verdades absolutas e óbvias, mas, ainda assim, custa-me aceitá-la.

Custou, inicialmente, a nível profissional. Quem trabalha na área da saúde, creio que partilha esta espécie de savior complex, em que achamos que podemos fazer a diferença na vida das pessoas que recorrem aos nossos cuidados. E, de facto, podemos. Podemos fazer a diferença, mas dentro de um raio delimitado, que apenas amplia se a outra pessoa assim o desejar. Podemos dar todos os recursos, oferecer as melhores estratégias e cuidados, mas, no final, será sempre a pessoa a decidir se deseja aplicar o que temos para oferecer. Não depende de nós. E se hoje isso me parece libertador, quando comecei a trabalhar, era um peso que carregava nos meus ombros. Sentia, genuinamente, que tinha o dever, a obrigação de transformar para melhor a vida das pessoas com quem me cruzava. Conseguem imaginar o quão difícil é gerir esta expectativa? E o quão impossível? 

Quando me reconciliei com esta ideia, a nível profissional, não a apliquei de imediato às outras esferas da minha vida. Continuei, secretamente, a acreditar ser responsável pelo bem estar e felicidade das pessoas que me são próximas. De que os problemas delas, são os meus problemas. E, mais uma vez, voltei a confrontar-me com sentimentos de culpa e de fracasso. Porque, como é óbvio, ninguém é responsável pela felicidade de ninguém! E, como tal, por maior que seja a nossa vontade de mudar o mundo do outro, se este não quiser, não vamos conseguir! É uma receita para o desastre isto de acreditar que vamos conseguir fazer alguém feliz, que vamos ser os impulsionadores da mudança do outro. Não vamos. Podemos inspirar a mudança, podemos incentivar, manifestar o nosso apoio, a nossa presença, podemos ser companheiros dessa viagem, mas jamais, em momento algum, seremos os condutores dessa viatura. Não é o nosso papel. Não é a nossa vida. Podemos contribuir, mas temos de reconhecer os limites da nossa ação, até onde podemos e devemos ir. 

Para mim, isto não é pacífico. Continua a ser difícil aceitar e gerir esta ansiedade que surge em mim. Tenho de repetir a mim mesma, muitas vezes, que não sou responsável pela felicidade de ninguém, a não ser da minha. Tenho de fazer desta conclusão uma espécie de mantra, de lema, de afirmação, para conseguir encontrar alguma paz dentro de mim. E é muito difícil quando as pessoas que quero "salvar" me são tão próximas, tão queridas, tão amadas. É igualmente difícil desconstruir esta crença que fui alimentando ao longo dos anos de que o problema de um é problema de todos, de que cuidar é esta entrega exclusiva e obrigatória ao outro. Que é um dever. Isto não tem nada de altruísta, nem de bondade. Isto é sentido, por mim, como algo que devo fazer, que tenho de fazer, que é esperado de mim. Quebrar este padrão requer uma força dantesca e extinguir o sentimento de culpa é algo que ainda estou a aprender a fazer. 

Ontem dei comigo a pensar nisto, porque tentei tantas vezes arranjar soluções para um "problema" que não é meu e estas foram sempre devolvidas. Aquela pessoa quer amarrar-se ao problema, ainda não está disposta a abraçar as soluções. Se eu tento incentivar a ver o copo meio cheio, a pessoa responde-me que o vê meio vazio. Se eu digo que é tão bom ter um copo, a pessoa diz-me que não precisa do copo para nada. E eu encontro-me com esta frustração, com esta angústia e entendo que não há nada, absolutamente nada, que eu possa fazer para que aquela pessoa tente mudar a sua visão, a sua perspetiva. Fico triste, lamento, mas ontem, pela primeira vez, não me senti responsável, não me senti culpada por isso. Aceitei, simplesmente, que a minha ajuda ou tentativa de, atingiu o seu alcance e que não há nada mais que eu possa fazer, neste momento. Gostaria que a situação fosse diferente? Sem dúvida alguma que sim. Depende exclusivamente de mim? Não. E pensei que, talvez, esta pessoa não precise das minhas soluções, mas sim da minha presença, da minha validação de que existe um problema. Esta vontade de querer mudar o outro e o seu mundo, às vezes, leva-me a achar que são necessárias grandes atitudes e grandes feitos, quando, na verdade, nem sempre é isso que é necessário. 

É estranho afastar-me deste sentimento tão familiar, de culpa, de responsabilidade, mas é libertador. E, acima de tudo, é essencial para o meu bem estar e felicidade. Esses que são, sim, da minha total responsabilidade e para os quais, sim, devo e tenho de trabalhar diariamente. 

14
Ago23

the art of mourning

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Alerta para um post advindo de um emaranhado de fios mentais, de um novelo de ideias dispersas e enroladas umas nas outras. Esta é uma tentativa de desfazer nós e esticar linhas de pensamentos. 

Estou há horas a tentar escrever alguma coisa decente. Penso, escrevo, apago. Torno a pensar, torno a escrever, torno a apagar. Vejo o desânimo apoderar-se de mim, sinto o cansaço nas minhas pálpebras, a desmotivação a instalar-se na minha postura corporal. Ouço os meus pensamentos, presto-lhes a devida atenção. Eles dizem-me que não tenho jeito nenhum para isto. Que não consigo elaborar e trabalhar esta ideia que me surgiu. Que esta desorganização mental é real e por mais que tente arrumá-la, há sempre alguma reflexão que fica de fora e obriga a repensar toda a ordem até então criada. Que trabalhar a uma segunda-feira, numa véspera de feriado deveria ser proibido e que, por esse facto, me posso entregar a uma dose de letargia. Que me apetece muito criar coisas, investir, inventar. Que isso é difícil e não sei por onde começar. Que quero a mudança, mas será que estou disposta a pagar o preço que ela custa? Será que é um bom investimento? Que me sinto aborrecida. E isto não é apenas um pensamento que me ocorre, é também toda uma emoção e sentimento em si mesmo. Que me sinto triste. E cansada. Que existem várias fontes de cansaço na minha vida, de diferente origem, mas que se completam e fortalecem esta sensação de desfalecimento quotidiano. Que me sabe tão bem dormir e ler. Que em ambas as atividades me distancio de mim, deste estado de consciência e navego para outros mundos, outras realidades, outras pessoas e possibilidades. Que sinto fome. E que devo comprar um chocolate para aguentar até ao fim do dia, pois vai ser longo. Que não trabalhei quase nada e o dia já vai a meio, mas que também não em preocupo muito com isso. Que se lixe.

Não era sobre nada disto que queria escrever. Mas talvez não seja sobre o que quero, mas sobre o preciso de escrever. Quero escrever sobre livros, podcasts, música; mas preciso de escrever sobre as minhas dores e os meus pensamentos sobre elas.

Dou por mim a refletir sobre o conceito de luto e, inevitavelmente, sobre o de perda. Parece-me que andam de mãos dadas, a cara e a coroa da mesma moeda. Para cada perda tem de existir um luto. Mas há tantas formas de perda. A mais comum, e das mais assustadoras, é a perda de alguém que amamos. Mas existem outras que não exigem uma ausência física, o que não significa que não impliquem uma ausência. Há perdas de expectativas, de sonhos, de projetos. Há perdas de pedaços de nós, há perdas da totalidade de nós. Há perdas de rumo, de sentido, de propósito, de missão. E no meio destas perdas todas, há tanto luto por trabalhar. Sim, o luto é um trabalho. Duro, ingrato, escravo, controlador, precário. Um trabalho para o qual é difícil arranjar candidatos, por maiores e melhores que sejam as promessas de condições de trabalho. Lembram-se daquela expressão horrenda que estava inscrita nos portões dos campos de concentração nazis, O trabalho liberta? Naquele contexto e naqueles moldes, o trabalho não libertava, matava. Mas nesta minha linha de raciocínio condicional, se o luto é um trabalho e se o trabalho liberta, então o luto é um trabalho que liberta.

E é mesmo. Por mais que custe, por mais que demore, por mais que pareça não ter fim, o luto liberta-nos. E eu vejo-me neste compasso de espera, de indecisão, de avançar ou de me encolher perante este processo. De um lado, vejo as minhas perdas empilhadas, acumuladas umas atrás das outras. Perdas simples, simbólicas, essencialmente de expectativas que nem sabia que tinha criado. O próprio mecanismo de proteção de não criar expectativas advém de uma perda maior, que me convenceu que não se pode perder nada que não se possua em primeiro lugar. Claro que esta aprendizagem (não) brilhante foi feita num momento de desilusão, de estilhaços de sonhos e fantasias no chão. Mas pior do que perder um sonho, é perder todos pela perda da capacidade de sonhar. Durante muito tempo confiei que esta era uma boa estratégia, mas já não estou convicta disso. Sinto saudades de sonhar e, num plano mais amplo e abrangente, sinto saudades de mim, de um “eu” onde sonhar era um prazer.

As nossas perdas não trabalhadas, não choradas não se extinguem. Não evaporam. Apenas se sedimentam, formando várias camadas, umas em cima de outras, que vão causando erosão na nossa identidade e nas nossas relações, com os outros e com o mundo. É isto que vejo do outro lado. Existe uma expectativa e existe a realidade; quando ambas coincidem, maravilhoso, quando ambas se contrariam, é preciso chorar essa contrariedade. É preciso mastigar (não ruminar) as emoções que daí surgem e aceitar esta conclusão, encaixando-a na nossa história, na narrativa da qual somos autores. Às vezes este processo é rápido, outras vezes não. Às vezes é difícil olhar para as emoções com aceitação, é difícil estar com o desconforto que elas provocam. E não faz mal, porque isso também é, em si mesmo, um processo. Outras vezes, é difícil a aceitação. Não queríamos determinado desfecho, não queríamos escrever determinado capítulo. Não faz sentido na visão que pretendíamos construir. E, mais uma vez, está tudo bem. Porque é difícil desvincular de uma ideia, de um projeto, de uma vontade. Por mais lógico e racional que seja esse processo de desvinculação, há qualquer cola invisível que nos une àquela ideia, aquela perspetiva. Mudar de óculos, de lentes, requer um período de habituação, não é verdade?

São estes pensamentos que têm pairado na minha cabeça desde manhã. Sei que ainda não trabalhei esta ideia como gostaria, falta-me sustentação, falta-me limar as arestas. Mas o essencial está cá. A ideia central está lançada no mundo: tenho perdas para chorar. Tenho trabalho para fazer. Tenho de olhar para dentro e desembaciar as lentes, que estão ofuscadas pelo medo de sentir. Sim, medo de sentir. Durante muito tempo, fui refém deste medo. Medo de abraçar as emoções, sejam elas quais forem, com os dois braços abertos, de coração para coração. Medo de não ser capaz de as gerir, de elas me esmagarem em vez de me abraçarem. Medo de me paralisarem e me bloquearem. Nunca fizeram tanto sentido as palavras de Carl Jung: o que resiste, persiste. É preciso deixar fluir, seguir o rumo da corrente e não remar em direção oposta. Essa resistência vai criar mais entropia, vai bloquear o ritmo normal e saudável da vida.

O pontapé de saída está dado. Começar a “partir pedra” e desmontar este muro que construi entre mim e as perdas. Afinal, fazemos parte da mesma matéria, partilhamos o mesmo berço. Eu não sou as minhas perdas, mas elas fazem parte de mim. Da minha história.

E depois deste momento de escrita caótico e catártico, os pensamentos continuam presentes, mas eu apenas os observo e contemplo. Que bela atividade mental que para aqui vai.

11
Ago23

Férias

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Já perdi a conta ao número de vezes que ouvi pessoas a dizer "para tirar férias e ficar em casa, prefiro estar a trabalhar!". Por mais que tente compreender esta forma de olhar para as férias, admito que ainda não consigo empatizar com esta visão. Talvez seja porque não adoro o meu trabalho, talvez seja porque me "contento" com pouco, não sei. Para mim, o conceito de férias é simples: não ir trabalhar. Não preciso de ter grandes planos, não preciso sequer de sair de casa, basta quebrar a rotina de acordar cedo, preparar almoço, passar o dia no escritório, para me sentir de férias. 

Este ano tirei uma semana de férias sozinha. O meu namorado mudou recentemente de emprego e, como tal, em ano de admissão o direito às férias só surge após seis meses de trabalho. Eu, pelo contrário, como mudei de emprego no ano passado, acumulei alguns dias de férias. Assim, marquei uma semana de férias para desfrutar da minha companhia e, sem dúvida, que me soube pela vida!

A liberdade de fazer o que me apetece, não ter de conciliar vontades nem fazer cedências, não ter de esperar por ninguém, ser a dona do meu tempo e determinar a que horas vou fazer o que me apetecer fazer foi maravilhoso. Aproveitei para me dedicar a tudo que me nutre e faz sentir feliz, viva: caminhar com a música como companheira, pela natureza, pela praia; ler; ouvir música; descansar no sofá, com direito a ver filmes românticos e com finais felizes; escrever: sentar-me a ver o mar, as ondas, a sentir o sol. Foi tão bom parar e descobrir o que existe à minha volta.

Acima de tudo, foi a oportunidade mágica para estar comigo e entender que solidão e solitude são conceitos muito diferentes. Estive quase sempre sozinha, mas senti-me sempre acompanhada, plena e feliz por estar na minha companhia. Cheguei, inclusive, a ir lanchar sozinha, levar o meu caderno e escrever sobre o desconforto inicial que senti por estar sozinha num café, a lanchar, e sobre o modo como, ao aceitar esse desconforto, ele se foi dissipando e a experiência se foi tornando, gradualmente, cada vez mais prazerosa e rica. O modo como me senti viva e presente, focada nos estímulos à minha volta a que, por norma, estou alheia. Depois do lanche, ainda fui caminhar até à praia, em modo de passeio, desfrutando do sol, do vento, da alegria de ter tempo para mim e para usufruir dos pequenos prazeres da vida.

Confesso que também existiram momentos em que senti que seria bom estar acompanhada, em que gostaria de ter companhia para partilhar aquela sensação de paz e de bem-estar, de felicidade. Mas nunca foi um sentimento predominante e que me fez aproveitar menos o tempo livre. Pelo contrário, fez-me sentir grata por ter pessoas na minha vida com quem gosto de estar, de viver, e como uma dessas pessoas, a mais importante, sou eu mesma. 

Estar de férias, torno a dizer, é apenas não trabalhar. Por a rotina em stand-by e ter tempo para ser, para estar, para sentir, para fazer o que nos dá prazer e não apenas o que são obrigações e deveres. É desligar o despertador, mesmo que se continue a acordar cedo como se ele tocasse. Não faz mal, é um despertar completamente diferente. É a sensação de acordar para mais um dia, cheio de possibilidades, onde podemos escolher o que fazemos com cada segundo, porque somos os donos do nosso tempo. É cozinhar pratos deliciosos, que nos levam mais tempo, requerem mais técnica e trabalho, mas não faz mal, porque temos tempo para nos dedicarmos a eles. É conversar e estar com as pessoas de quem mais se gosta sem olhar para o relógio, porque existe todo o tempo do mundo para desfrutarmos uns dos outros, podemos dar atenção total a cada um. É um despir completo de afazeres, de telefonemas, emails, demandas. É abrandar para olhar para o céu, para ir ver o mar, para sentir o sol no rosto, para olhar para as árvores e flores e perceber que existe tanta natureza, todos os dias, à nossa volta. É regressar a casa, à casa que somos e cuidar dela, adorná-la, limpá-la, fazê-la sentir bonita, arrumada, serena novamente. É a sensação de regresso, de retorno, após uma longa temporada de ausência, de viver a meio gás, à superfície, apenas pela metade. 

08
Ago23

Getaway Car

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Uma das minhas características, que tantas vezes me irrita e torra a paciência, é que tendo dois caminhos possíveis diante de mim, opto (quase) sempre pelo mais difícil. Não me questionem, há qualquer coisa que me atrai em ir atrás das dificuldades. Ou simplesmente na falta de inteligência! Lembro-me das aulas de matemática, no liceu, em que a minha melhor amiga olhava para mim, com espanto e surpresa (e também, provavelmente, pena pela minha alma complicada), por me ver a calcular, manualmente, a fórmula resolvente, quando tínhamos a mesma instalada na nossa calculadora XPTO e nos permitia obter o resultado em segundos. Pior, mais do que calcular manualmente, eu fazia este cálculo, muitas vezes, depois de já ter o resultado dado pela máquina, apenas para confirmar que estava correto. Quem fala desta situação, fala de muitas outras. Parece que algo me compele a ir sempre atrás do que dá mais trabalho, do que exige mais de mim. 

É por isto que, quando decidi optar por um carro de condução automática, me senti em falha comigo mesma. Pela primeira vez na minha vida, encontrei-me a optar pelo caminho mais simples e fácil. Pareceu-me batota, como se estivesse a atalhar por uma rua que me leva exatamente ao mesmo ponto de chegada, enquanto todos os outros estão a percorrer o caminho "oficial". 

Conduzir, para mim, sempre foi uma questão. Não por não gostar de o fazer, mas por me sentir a pessoa mais incompetente, mal preparada e incapaz do mundo quando o fazia. Nada na minha vida me fez sentir tão pequenina como a sensação de me sentar em frente ao volante, engatar a primeira e não conseguir arrancar. Convenci-me de que era uma nódoa, uma vergonha, uma impostora, que por mera sorte passou no exame de condução à primeira, enquanto tanta gente mais competente e capaz chumbou. E esta é a parte engraçada do funcionamento das nossas mentes: quando as alimentamos diária e regularmente com proteína negativa, elas tornam-se resistentes a outro tipo de nutrição. 

Sentia-me cansada de estar dependente de outros, de me sentir um peso e uma inútil sempre que as minhas ansiedades e cismas levavam a melhor de mim e me obrigavam a pedir a alguém que me desse boleia, que me fosse buscar, etc. Não vivo numa cidade especialmente grande nem com uma vasta oferta de transportes públicos, pelo que, as únicas opções possíveis eram a) andar a pé ou b) andar à boleia. O grande problema é que a primeira opção nunca foi viável para me deslocar para o trabalho.

Assim, durante muito tempo, esta condicionante fez-me sentir mal comigo mesma. Ponderei regressar à escola de condução para ter algumas aulas, mas os meus pais sempre me disseram que o meu problema não estava na minha competência a conduzir, mas sim na minha confiança acerca da minha competência. Eles diziam que precisava de praticar, de arriscar, de me expor à vulnerabilidade de ser uma amadora e permitir que a experiência fizesse o seu papel e me fizesse adquirir gradualmente confiança em mim mesma. Perdi a conta ao nº de vezes que determinei, ano após ano, que me dedicaria à condução. "Este ano vai ser o ano em que vou conduzir!" dizia a mim mesma, todas as passagens de ano, à meia noite. Escusado será dizer que à primeira falha, adversidade ou contratempo, regressava ao meu estado de incapacidade. 

Até que me surgiu a ideia de conduzir um carro automático. A minha maior dificuldade foi sempre lidar com a ansiedade que advém quando o carro vai abaixo na entrada de uma rotunda, após o semáforo passar de vermelho a verde e, especialmente, nas subidas. Mais do que fazer o ponto de embraiagem, preocupava-me não ser capaz de tornar a conseguir conduzir se o carro fosse abaixo. Mas este medo e fonte de ansiedade poderiam facilmente dissipar-se se conduzisse um carro automático, que não exige muito mais do que travar e acelerar. Pareceu-me uma solução boa, boa demais, que pairou na minha mente durante alguns meses, até que decidi avançar com a compra. 

Sentia-me uma batoteira, mas pior do que me sentir uma desistente, era a sensação de me sentir uma dependente e um fardo para os outros. Por isso, quando comprei o meu carro, o meu primeiro carro de sempre, fi-lo para adquirir a minha liberdade, a minha independência, mas sentindo-me, simultaneamente, a optar pelo caminho mais fácil e simples, algo que nunca fiz. 

Admito, passado quase um ano, que foi a melhor decisão que poderia ter tomado. Os ganhos, as vantagens que me trouxeram a condução automática ultrapassam, largamente, a minha necessidade de complicar e insistir no difícil. Perdi a vergonha de admitir que conduzir era um problema dantesco para mim, que estava cravado no meu sentido de identidade, fazendo-me sentir um fracasso. Conduzir, hoje, é prazeroso. Ainda me surpreendo, de quando a quando, com a capacidade que adquiri de ir sozinha onde me apetece, onde preciso de ir. Uma parte de mim estava profundamente convicta que nunca seria capaz de o fazer. É incrível fazê-lo e compreender que o caminho mais fácil revelou-se o melhor para mim. Não me coloca em cheque, não me minimiza. Como diz uma grande amiga minha: automático ou manual, não deixa de ser conduzir e tu estás a fazê-lo! 

07
Ago23

Encontro-me quando ...

girl

... me perco num livro,

 escrevo,

ouço música,

aprendo coisas novas,

caminho na natureza,

sinto o sol abraçar-me,

ouço a chuva,

estou na minha companhia,

danço, 

liberto o meu lado mais infantil e me permito brincar,

me rio, 

me abraçam,

sou uma testemunha da bondade, da tolerância e da resiliência,

vou a concertos de música,

sorrio ao meu reflexo no espelho,

desafio os meus medos, 

abraço a coragem,

não tenho receio de fazer questões às quais ainda não sei as respostas,

me aceito, tal e qual como sou. 

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