Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

the old soul girl

the old soul girl

04
Nov19

uma previsão futura

girl

Naquela sexta-feira de manhã, durante a conversa sobre o futuro com as amigas, deu-se um daqueles momentos eureka! Em segundos, visualizou como seria o seu futuro e mal podia esperar para chegar a casa e contar o seu plano ao seu amor.

Foi a correr da estação de metro até casa, subindo os degraus dois a dois, na ânsia de lhe contar. Porque sabia que se o plano que idealizara fosse ridículo e impossível de passar à ação, ele seria a primeira pessoa a dizê-lo. Era uma das suas características base - a capacidade de análise - e daquelas que ela nem sempre gostava, porque a fazia regressar ao planeta terra enquanto vagueava pelo universo.
Ele estava dedicado ao almoço, fazendo um incrível malabarismo entre controlar as panelas que estavam ao lume, cortar os alimentos e temperar o manjar que estava a preparar para os dois. Esta, por sua vez, era uma das suas características que ela mais gostava. Não havia nenhuma refeição preparada por ele que não a deliciasse.
Quando chegou a casa, a hiperventilar pela excitação (e pela subida veloz das escadas), disse-lhe ofegante "tive uma ideia para o meu sítio de estágio e vou precisar da tua ajuda!". Ele olhou-a curioso e fez-lhe sinal para avançar e começar a contar o seu plano. Ela, numa adrenalina incontrolável, contou-lhe tudo, pormenorizadamente, detalhe a detalhe. Durante a viagem de metro, que lhe pareceu interminável, teve oportunidade de pensar em todas as respostas às possíveis questões que ele lhe pudesse questionar. É o que acontece quando se namora com uma mente puramente racional: pensa-se em todas as possibilidades e mais algumas.
Terminou de falar, olhando-o com expectativa e ele, refletindo acerca de tudo que ela acabara de lhe dizer, sorriu, concordando com ela que era uma excelente ideia. E mais: faria tudo que pudesse para a ajudar a transformar o seu plano numa realidade. Sorriram os dois, com o coração a antecipar o que o futuro lhes reservaria.
Afinal, aproximava-se o término de uma fase das suas vidas, seguindo-se de imediato o começo de outra, talvez a mais importante e a mais assustadora até à data. Iam passar da vida académica para a vida profissional, dar o salto. Desta vez não existiam guiões pré-definidos do que iria acontecer, seriam eles os autores da sua própria história. Um poder que os deixava ora entusiasmados, ora assustados.
Aquele plano, nascido de uma conjugação aleatória de sinapses neuronais, transformou-se em realidade. Porque ela era aquele tipo de pessoa que quando se propunha a um objetivo, não descansava até o alcançar. Ela sabia que podia não ser a pessoa mais inteligente ou com mais recursos, mas sabia que compensava todos os défices com o seu excesso de esforço e vontade. Era focada, não havia nada que ela sentisse que, com esforço, não seria capaz de conseguir realizar. Porque esta era a curiosidade acerca de si: não gostava de pensar no futuro, tinha aversão a criar expectativas sobre o que quer que fosse pelo preço da desilusão, mas quando se permitia sonhar e idealizar, só parava quando a previsão se transformasse em realidade.

02
Nov19

animal de estimação

girl

Aquele ser de quatro patas, uma cauda e com o focinho mais querido e fofinho do mundo conquistara o seu coração desde o primeiro momento. Bem, talvez não tenha sido logo, porque de início ela tinha algum medo de lhe tocar, fazer festinhas e, na verdade, até a ideia de se aproximar a assustava. A culpa não era daquela cadelinha amorosa, mas sim de todas as experiências passadas (vividas, observadas e imaginadas) que tinha tido com outros cães. Sabia que, por vezes, estes podiam ser perigosos e, mesmo não tendo qualquer intenção, podiam magoar. 

Não se lembra de quando se deu o quebra gelo na relação entre as duas, mas houve um momento em que o medo se evaporou e só deixou espaço para amor e adoração. Que era o que ela sentia por aquela cadelinha. Um sentimento que não sabia ser possível emergir com tanta intensidade e dirigido a um ser que não humano. 

Aquela cadelinha conquistou o seu coração. Por inteiro. Podiam passar horas juntas, num mimo pegado, só entre festas e festinhas, que nenhuma das duas se cansava. A rapariga relaxava e deliciava-se com a satisfação da cadelinha e esta, de patinhas levantadas e barriga para cima ou com a cabecinha encostada na perna da rapariga, enchia-se de ternura e contentamento. 

É muito mais do que um animal de estimação. É parte da família; aliás, é mais família do que alguma família. É o melhor antídoto contra a baixa autoestima, porque por mais miserável que se sinta, basta por a chave na porta e aquela cadelinha vibra com tanta alegria e euforia como se estivesse a ver deus. É a companhia constante. O amor sem julgamentos e sem traições. É a prova de que a fidelidade é possível e real. É uma presença contínua: está sempre lá, em todos os momentos, em todas as fases da vida. Porque tudo pode alterar-se, mas aquele ser felpudo e fofo, nunca deixa de estar presente e de assegurar que há coisas que nunca mudam. 

Um animal de estimação será sempre muito mais do que um mero animal. E, se não for, a culpa não será dele; será sempre de quem o acolher. Porque quando se ama um animal, o amor é recíproco e incondicional. Aliás, às vezes são eles que nos amam mais a nós, sem nunca nos exigirem mais do que uma festinha pela cabeça e uma tigela de comida. 

02
Nov19

a vista da janela

girl

Era simples, eficaz e infalível: àquela hora ele apareceria, conduzindo o seu carro, e ela, esperando-o à janela, começaria a sentir um voo descoordenado de borboletas no seu estômago. Mentira: não seria quando ele aparecesse, no fim da rua, com aquele som característico do motor do seu carro, que as borboletas levantariam voo; seria na antecipação da sua chegada. 

Era simples e o Princepezinho captara este momento ao proferir que 

Se tu vens às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.

Colada à janela, arranjada, perfumada e feliz, ela esperava por ele. Muitas vezes não iam a lado nenhum, deixando-se ficar no carro a conversar e namorar. O destino não era verdadeiramente importante, a companhia sim. Aquela espera deixava-a em suspenso, os minutos pareciam horas e por mais que ele dissesse "estou mesmo quase a chegar!", o quase arrastava-se e ela quase poderia jurar que ele demorava ainda mais a aparecer.

A vista da sua janela era esta. Ela, tal carochinha, via passar um carro, depois outro, depois um vizinho, depois um desconhecido e, quando finalmente ouvia aquele som familiar, as luzes a aproximarem-se e a brilharem com mais intensidade, ela sabia: ele acabara de chegar. E todas as borboletas dançavam, agora num voo coordenado, pois haviam encontrado o seu rumo. 

02
Nov19

Freedom to be whoever I wanna be

girl

Quando estava no concerto, uma das coisas que mais me impressionou, para além da música, foi a entrega dos músicos. A sensação de que estavam ali sozinhos, em cima daquele palco, a desfrutar da música, a senti-la, vibrando com ela, esquecendo-se de que estavam centenas de pessoas a observa-los. Aquela liberdade deixou-me fascinada.

A liberdade de sermos nós mesmos. De nos expressarmos sem medo do que vão pensar, de nos entregarmos por completo sem qualquer necessidade de rede de suporte. 

Para algumas pessoas, é fácil. É fácil serem eles mesmos, sem reservas e receios. Não precisam de usar nenhum tipo de máscara nem estão preocupados com o que as outras pessoas poderão pensar acerca de si. Eu gostava muito de fazer parte deste grupo de pessoas, mas confesso que me é difícil.

É difícil porque, em primeiro lugar, não gosto de me expor completa nem imediatamente. Acho que ninguém fica com uma ideia concreta da minha personalidade após um primeiro encontro comigo; fica com a ideia que eu quiser transmitir. Em segundo, porque não tenho a ousadia de ser eu a 100% em todos os lugares e contextos. Procuro adaptar-me sempre aos locais onde estou e até acho que o consigo fazer, mas o preço a pagar é nunca me sentir completamente confortável. Porque, lá está, aquela é apenas uma versão de mim, mas não a original, 100% real, com todas as falhas e imperfeições. Além disso, acresce o facto de ser uma daquelas pessoas que gosta de agradar os outros. Gosto verdadeiramente de que gostem de mim e gosto de ver os outros confortáveis comigo. Mas, torno a repetir, a desvantagem é nunca me sentir plena. E é mais do que isto: é estar sempre consciente do que se está a dizer, é pensar mil vezes antes de falar para não magoar ninguém, é bloquear algumas explosões emocionais com medo de assustar alguém e que esse alguém vá embora e desista de tentar. 

Com o passar do tempo, tenho selecionado cada vez mais os ambientes nos quais posso ser eu mesma. Sem máscaras e artefactos. Onde sei que me posso passar e ninguém se vai assustar ao ponto de fugir. Onde tenho liberdade para ser eu mesma. E, à medida que o vou fazendo, cada vez me apercebo mais de como é pequeno o nosso círculo de pessoas próximas. De como são escassas as pessoas que nos conhecem em todos os nossos ângulos e mais raras são as que conhecendo, gostam e ficam. 

Não sei citar de quem é esta frase, mas guia-me sempre que penso em relações. Amar é dar ao outro liberdade de ser quem ele é. Os anos vão passando e esta frase vai ganhando mais significado e relevância. Sermos nós mesmos, mostrarmo-nos como somos ao mundo é um salto de fé, é uma prova de tremenda confiança. Eu não sou ousada nem corajosa a esse ponto. Mas quando o faço, quando permito que me vejam como realmente sou, tenho consciência de que é uma prova de confiança que dou aos outros. É um voto de fé. 

Porque o grande problema de andarmos pelo mundo vestindo uma pele que não é a nossa, é que nunca sabemos se as pessoas gostam verdadeiramente de nós ou da versão que lhes demos a conhecer. Porque o medo de nos mostrarmos como somos só esconde um medo maior: não sermos aceites pelo que realmente somos. O que nos faz esconder é a possibilidade de alguém nos ver e se assustar com o que vê. Mesmo que isso signifique que essa pessoa não deve fazer parte do nosso caminho, não deixa de ser amargo sabermos que alguém desistiu de nós. 

E isto leva-me a pensar: não será porque, em primeira instância, nós próprios não nos aceitamos como somos? Porque, se o fizéssemos, saberíamos que independentemente de quantas pessoas gostarem, nos temos sempre a nós mesmos. E isso é suficiente. Por outro lado, se não gostamos de quem somos, se colocamos sempre em evidência tudo o que está mal em nós em vez de dar primazia a tudo o que está bem, torna-se insuportável a ideia de sermos suficientes para nós mesmos. Precisamos de validação e aprovação de outros. Alguém que nos permita sermos nós quando nós não somos capazes de o fazer. E isso, a meu ver, é ainda mais triste.

É triste sermos tão duros e exigentes com a nossa pessoa. Christophé André, um autor do qual já falei no blog e que muito admiro, diz num dos seus livros que a vida, por si só, já é suficientemente dura connosco. Que não há nenhuma necessidade de acrescentarmos dureza ao nos tratarmos mal. Ao usarmos um discurso interno negativo. Pelo contrário, temos o dever de ser os nossos maiores amigos e apoiantes. Porque para exigência, já basta a que vem de fora, a todos os instantes. 

Enquanto olhava para os músicos, passavam-me todos estes pensamentos pela cabeça. Toda aquela liberdade misturada com prazer, com adrenalina e presença fizeram-me desejar sentir o mesmo. Ser livre na minha própria pele. 

 

01
Nov19

uma (a minha) nuvem no céu

girl

Não vai há muito tempo, embora pareça que entre esse momento e o atual se tenha passado uma eternidade, que um dos meus sonhos era ter uma nuvem só para mim. Porque de toda a natureza deste mundo, a minha favorita é o céu. 

Há arte no céu. Talvez porque este se assemelhe a uma tela em branco na qual se pode lançar uma infinidade de tons e obter sempre uma imagem digna de obra de arte. Seja o nascer do dia, o finalizar ou uma noite cerrada, cheia de pequenos pontinhos luminosos. É um espetáculo que nunca desilude e perante o qual nunca se consegue ficar indiferente.

Nesta tela, surgem as nuvens. Aqueles aglomerados fofos, suspensos e leves, que viajam o mundo. Há qualquer coisa nas nuvens que nos faz sonhar e viajar. Não apenas pela célebre expressão "estás com a cabeça nas nuvens", mas pela sensação de leveza e conforto que surge quando nos imaginamos deitados numa nuvem. 

Eu sempre quis ter uma só para mim. Ter o meu nome lá registado e fazer dela o meu veículo de transporte. Atravessar o mundo. E sentir-me igualmente leve e serena, suspensa e firme. 

 

01
Nov19

all that jazz

girl

Sempre tive mais dificuldade em escrever quando estou feliz. Acho que isto se deve a uma velha crença minha de que quando estamos felizes, devemos aproveitar essa felicidade ao máximo, não perdendo sequer tempo a escrever sobre ela. A tristeza, por sua vez, sempre me serviu como uma ótima força motriz para a escrita. Talvez pela lógica freudiana da sublimação, a tristeza transforma-se em obra de arte e, ao sê-lo, deixa de ser um pouco menos de tristeza. Mas, como o nosso amigo Camões nos diz, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Neste caso, muda-se a forma de olhar para o mundo e a minha tem-se transformado. 

Acordei feliz e quero escrever sobre esta felicidade. Porque a felicidade pode ser igualmente matéria-prima para a escrita como é a tristeza. A felicidade é igualmente inspiradora. E é precisamente sobre inspiração e felicidade que me apetece escrever, como se uma pulsão incontrolável gritasse dentro de mim. 

Desde ontem que sinto uma felicidade esmagadora no coração. Sinto uma excitação eletrizante a percorrer o meu peito e sei que é um sentimento dos bons, como quando estamos prestes a fazer algo que desejamos muito e há muito tempo. É esse tipo de euforia e inquietação, que nos faz vibrar dos pés à cabeça. E sinto-me assim porque tive oportunidade de viver uma experiência que desejava há muito tempo: finalmente fui a um concerto de jazz! 

Superou qualquer expectativa que eu pudesse ter criado. E, acreditem, as expectativas estavam bem lá no alto, não fosse o jazz o estilo de música que me aquece a alma. Mas o que eu não podia esperar, de forma alguma, era sentir-me tão viva, tão feliz e grata por estar ali, naquele instante, sendo completamente conduzida pela música e esquecendo que existia um antes e depois daquele momento. 

Viver o momento. Foi apenas isso e foi tudo isso. Todos os meus sentidos ficaram reféns daquela fórmula mágica que só uma orquestra de jazz, uma big band, consegue aplicar e transformar em melodia. Olhar, ouvir, sentir, saborear e respirar música. Cada poro, cada microrganismo do meu corpo estava conectado naquele momento, concentrado naquele ritmo e seguimento, como se fosse também um elemento da banda a ser conduzido pelo maestro. 

Ontem descobri que é possível passarmos uma hora e meia a sorrir de orelha a orelha e não ficarmos com paralisia da face. Que é possível viver uma experiência que nos absorve por completo, que nos afunda e traz à tona no mesmo instante. 

Estou a sonhar acordada. Com a magia do que vivi, do que senti. E enquanto ali estava, petrificada a sentir tudo isto e mais um universo de sensações e sentimentos, só me passava pela cabeça como a vida é maravilhosa e como a felicidade é inspiradora. Uma imensidão de ideias começaram a pulsar, vindas de todos os lados e direções. Outra vez aquela sensação que parecia estar adormecida em mim: a capacidade de sonhar. Novamente aquela vontade de ir desbravar o mundo, de ir, ir e só ir! De por em ação todos os itens da minha bucket list. De arriscar, de não ter medo de ser eu mesma, de sentir, de viver. Estar aqui de passagem e poder, no final, dizer "eu estive aqui!". 

Não sei sequer se faz algum sentido o que acabei de escrever. Porque a tristeza tem um compasso totalmente diferente da felicidade: enquanto a primeira é lenta e organizada, a segunda é veloz e sem direções. Mas não há qualquer problema. Hoje estou feliz e isso é suficiente. 

Pág. 4/4