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the old soul girl

the old soul girl

26
Out19

win win situation

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Este ano tenho feito um esforço para investir em cultura. Não falo do dinheiro gasto em livros, porque isso ultrapassa qualquer questão cultural, é mesmo uma paixão de e para sempre. Falo de ir a concertos, peças de teatro, espetáculos, tudo o que obrigue sair de casa e regressar com a sensação de enriquecimento. 

Faço parte daquele grupo de pessoas que quer sempre ir a x e a y, mas depois acaba por não ir a lado nenhum. Seja porque não compro logo os bilhetes e depois estes esgotam, ou porque me esqueço completamente e quando me torno a lembrar já passou a data. Ou ainda porque dou ouvidos àquela vozinha irritante que sempre nos diz "podes usar esse dinheiro para outras coisas" ou "se calhar não queres mesmo ir a isso". Para contrariar todos estes motivos, ultimamente mal vejo o anúncio a algum concerto ou espetáculo que me chame à atenção e me desperte a mínima vontade de ir, compro logo os bilhetes. Sem pensar duas vezes, porque se o fizer o mais certo é nunca carregar no botão "avançar" do carrinho de compras. 

Posso dizer que até agora não me arrependi uma única vez. Mais: de cada vez que vou, penso que tenho de ir mais e questiono-me porque não o faço mais vezes. Porque a vida é para ser aproveitada, para nos divertirmos, emocionarmos, sermos surpreendidos. Ir é sempre melhor que ficar. 

Hoje acabei de comprar bilhetes para ir ao concerto do Harlem Gospel Choir em dezembro. Ando há anos para ir ver um concerto deles, é um item que está na minha bucket list desde sempre e finalmente, passados séculos, vou ter oportunidade de realizar este desejo. Ainda pensei muito antes de comprar, medi todos os prós e contras, mas depois rapidamente percebi que é quando começamos a analisar todos os pequenos detalhes que dificilmente passamos à ação, pois encontramos sempre algo que nos impede de avançar. 

Por isso, há que viver mais, pensar menos. Usufruir mais do que temos de melhor nesta vida que é, sem qualquer dúvida, a arte, seja ela de que tipo for. 

25
Out19

a cup of tea

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Já ouviram falar do conceito de escapatória? De algo que, por instantes, faz o mundo ficar suspenso, tudo se desacelera e a realidade stressante e caótica parece vista do espaço, cada vez mais distante? Para algumas pessoas é o tabaco que proporciona esta fuga, para outras é o café e há ainda aquelas em que será a conjugação de ambos. Para mim, é o chá. 

Piadas com ser um "vício" de gente idosa à parte, uma chávena de chá quente é a minha dose letal para qualquer stress. Mesmo que não o extinga, torna-o suportável. Permite-me distanciar o suficiente para olhar para as coisas com mais clareza, para as ver como elas são realmente e não como eu as imaginei através do olhar distorcido da minha mente. Uma chávena de chá não resolve problemas, mas funciona como uma pausa. 

Bebo chá a todas as horas do meu dia. De manhã quando acordo, durante o dia enquanto trabalho, quando chego a casa para descomprimir e à noite para relaxar. Não existe nada mais quotidiano para mim. É a minha escapatória e o meu aconchego.

 

 

25
Out19

espelho meu, espelho meu

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Numa destas manhãs, o meu namorado dizia-me que eu stressava com coisas tão pequenas e que isso me fazia mal. “Se te passas com isto, como é que reages com as coisas realmente importantes?”. De repente, acendeu-se uma luz no meu cérebro. Não é que eu nunca tenha pensado nisso, pelo contrário, o que eu faço a toda à hora é pensar sobre estratégias para me tornar numa pessoa mais descontraída. Mas no meu ciclo de pensamentos ruminativos, nunca me tinha ocorrido que, de facto, eu gasto tanta energia e zango-me tanto com coisas mínimas (atrasos, mal-entendidos, etc.), o que sobra para reagir às coisas realmente graves e stressantes da vida?

Naquele dia, deixei-me ficar calada, porque odeio dar-lhe razão e dar parte fraca. Mas fiquei a matutar no que ele me tinha dito, o raio do rapaz tinha razão! E hoje confirmei o quão sábio ele é, porque estive no lugar de observadora em vez de participante numa situação potencialmente stressante para os corações mais impulsivos, e percebi que, de facto, nós damos muita importância a coisas estapafúrdias!

Estava aqui no gabinete a ver duas colegas a teimarem com uma coisa de nada, uma já completamente passada, outra a perder-se em pensamentos mesquinhos e eu pensei para mim mesma “que parvoíce!”. Às vezes só vemos a figurinha que nós mesmos fazemos quando são os outros a fazê-la diante dos nossos olhos e hoje, ao vê-las tão irritadas e frustradas com uma coisa tão simples de resolver, senti que me estava a ver ao espelho em muitas situações do meu quotidiano em que me passo completamente da cabeça por nada.

Caso para morder a língua e dizer: quando o rapaz tem razão, tem mesmo.

24
Out19

Uma pessoa amada

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O amor está nos detalhes. Na atenção dada às particularidades e peculiaridades que tornam cada pessoa única e apaixonante. Pelo menos com ele tinha sido assim: foram os detalhes dela, todas as pequenas características que a tornavam diferente de todas as pessoas que já tinha conhecido, que o fizeram apaixonar-se.

O que ele sentia por ela era um sentimento que ele nunca tinha sentido antes. Já tinha gostado de outras raparigas e beijado umas quantas, mas era tudo num plano carnal e imediato. Era meramente físico, um bom momento de convívio, chamemos-lhe assim, e que, depois de terminado, não voltava a merecer a sua atenção. Com ela era diferente. Sentia-se atraído por ela, tinha sido até o seu físico a chamar-lhe a atenção pela primeira vez, mas não queria passar apenas um bom momento, queria vários. Durante um longo período de tempo. De muitas formas e maneiras diferentes.

Ela era diferente de toda a gente. Diferente para melhor. Fazia-o querer ser melhor também. Porque ao lado dela, pela primeira vez na vida, ele sentia-se ameaçado. Sentia que poderia não ser suficientemente bom para ser a pessoa escolhida para estar ao seu lado. Logo ele, que sempre fora dono de uma confiança à prova de bala, indestrutível. 

Ele, o senhor orientação, tinha-se perdido nela. No seu sorriso, no ondulado do seu cabelo, na curva que delineava o seu corpo, na sua voz, na sua gargalhada, na forma envergonhada como sorria para as fotografias, na sua paixão pela música, no seu talento para a escrita, nas dezenas de curiosidades que ela partilhava acerca das coisas mais bizarras e estranhas que ele já tinha ouvido. Eram todos aqueles detalhes e tantos outros que o faziam sair de órbita e gravitar num outro plano: o dela.

Soube quase instintivamente que ela seria, por um lado, a sua perdição e, por outro, a sua bússola orientadora. Era um pedaço de mau caminho na estrada em direção ao rumo certo, se é que isto faz algum sentido. Para ele fazia, porque racional como era, estudou todos os argumentos, factos e teoremas acerca da possibilidade de se deixar ir e embarcar naquela viagem alucinada a que chamam amor. Não se queria magoar, não se queria expor, não queria que ninguém lesse as emoções que existiam por trás da cortina opaca na qual se escondia. Mas a ideia de tudo isso, embora assustadora, não conseguia ser pior do que a ideia de a perder. Porque para um observador nato como ele, ele sabia que pessoas como ela eram raras e que, aparecendo uma vez, podiam desaparecer para sempre. 

E assim foi. Deixou-se ir. Apaixonou-se. E, depois mais grave e mais profundo, amou-a. Nem ele sabia que era capaz de sentir algo tão forte e tão intenso por alguém. Era um sentimento de uma dimensão assustadora. Amava-a em todos os momentos, inclusive quando ela estava chateada e lhe virava as costas. Nesses momentos ainda a amava mais um pouco, porque divertia-se ao vê-la chateada. Amava todas as suas virtudes, não se cansava nunca de a elogiar, mas era por amar de igual modo os seus defeitos que tinha a certeza de ter encontrado a "sua" pessoa. Porque todas as imperfeições dela pareciam obras de arte, de tão pitorescas que eram. A teimosia, o coração acelerado, a mente hiperativa. Amava-a como ela era: sem tirar nem por. 

Mas talvez o que mais amava nela era o amor que ela sentia por ele. A forma como ela o protegia contra tudo e todos. Como ela saltava em sua defesa, mesmo quando nem sempre tinha razão. O modo como se preocupava consigo, chegando até a ser chata, mas nunca queria saber disso: queria apenas saber dele. A sua presença. Era incapaz de não o ajudar, fosse qual fosse a tarefa. Estava sempre lá, na fila da frente, pronta para o ajudar. Da mesma forma que era a primeira a dividir as suas tristezas e multiplicar as alegrias. Ela fazia-o sentir amado, querido, desejado como nunca se tinha sentido antes. Ela nunca se cansava de lhe dizer como ele era maravilhoso e ele sabia que ela sabia o quanto ele precisava de ouvir isso. Porque o detalhe mais extraordinário dela era a sua capacidade de leitura do que ia dentro de cada pessoa. Ela lia-o sem ele precisar de dizer uma palavra. Ela simplesmente sabia o que ele estava a sentir e, consequentemente, o que ele precisava. Ela amava-o sempre, mesmo nas suas idiotices. Encontrava sempre um caminho para o perdoar, para compreender as suas atitudes, para não o julgar. 

Duas pessoas que se amaram, que se amam e nunca deixarão de se amar. Têm crescido juntas, de mãos dadas, lado a lado. Descobrem todos os dias, juntos, o que há de melhor e de pior no mundo. Com a certeza de que, para o pior e no melhor, estarão sempre um para o outro. 

Foram a cura um do outro: ele deixou-se amar e ela compreendeu que podia ser amada. Formando um só: a pessoa amada. 

24
Out19

ritual matinal

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Com a recente chegada do frio, tem sido cada vez mais difícil sair da cama assim que o despertador toca. Desde há algum tempo que optei por colocar o meu despertador para as 06h50, embora só precise de me levantar às 07h15. Algumas pessoas consideram um ato de masoquismo e não posso negar que em algumas manhãs faço batota (ainda hoje foi um desses casos), mas na maioria dos dias sabe-me super bem começar o dia desta forma.
Funciona para mim porque as vantagens superam a preguiça de ficar a dormir mais um bocado:

1 - Fazer tudo com calma - deixei de preparar a roupa que ia vestir no dia anterior, porque com este horário, posso escolher calmamente, ver a melhor opção em função do estado do tempo e do meu humor; posso tomar banho sem pressas, ouvir música enquanto me arranjo, alongar o corpo com tempo, preparar a lancheira para o trabalho com cuidado. Deixa de existir aquela correria que cria logo uma nuvem de stress e nos faz ficar irritados, para dar lugar a uma sensação de harmonia e presença (o que permite aproveitar ainda melhor o tempo em casa antes da saída para uma jornada de trabalho);

2- Ver o dia nascer - é um espetáculo lindo, lindo, lindo. O sol a nascer, o escuro da noite a transformar-se num céu luminoso, as luzes dos candeeiros a desligarem-se. É tão bonito de Verão como de Inverno. Nas manhãs em que estou atenta ao acordar do mundo, sinto sempre uma sensação de gratidão a bombar no meu coração. Grata por estar viva e por me ter sido dada a oportunidade de viver mais um dia;

3 - Meditar - às vezes, a ideia de despendermos tempo connosco próprios soa na nossa mente como um algo pouco importante e perda de tempo. Não há ideia mais errada: se não aprendemos a cuidar de nós diariamente, acabaremos por pagar a fatura mais tarde. Seja no plano físico, seja no plano emocional. Acordar mais cedo e dedicar tempo de qualidade a meditar permite ultrapassar esta barreira criada pela nossa mente nos primeiros minutos de meditação, quando estamos ainda a chegar a nós mesmos, a estabilizar. Além disso, meditar durante 10 a 20 minutos todas as manhãs prepara-nos para o dia, faz-nos despertar com mais vontade de viver, mais plenos, mais gratos por estarmos vivos e mais felizes. Em dias que sabemos que serão mais exigentes emocionalmente ou mais cansativos em termos de trabalho, faz ainda mais sentido parar para respirar, para mentalizar com pensamentos positivos e darmos a nós mesmo um shot de confiança e amor próprio.

4 - Silêncio - a essa hora ainda ninguém acordou na minha casa, lá fora também está tudo tranquilo e reina um silêncio maravilhoso. Cada vez aprecio mais estes momentos na minha companhia, sem ter de falar com ninguém, sem qualquer exigência externa. É libertador. 

Este é o ritual que funciona comigo, que sou uma morning person. À noite, gosto de desligar progressivamente, bebendo um chá quente e, de preferência, de camomila ou lavanda; ler um bom livro; colocar uma meditação guiada própria para induzir o sono; enroscar-me em roupa quente, de forma a entrar num modo de calma e serenidade, até que desligo por completo. 

23
Out19

momento(s) de coragem

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E ali estava eu, com 30 pessoas especadas a olhar para mim, à espera da minha resposta, e tudo o que eu conseguia fazer era chorar. Chorar e arrepender-me do momento em que decidi que era boa ideia por a mão no ar para responder a uma colega que, angustiada, questionava como é que conseguiria despedir-se da avó, que estava cada vez mais doente. Só mais tarde compreendi como estas questões são muito mais dirigidas a nós mesmos do que aos que nos rodeiam. 

"A esta eu sei responder" pensei para mim mesma. Porque sabia. Sabia bem demais, porque essa tinha sido a mesma questão que eu tinha colocado, inúmeras e inúmeras vezes, quando a minha mãe me contou com a minha avó estava doente e em fase terminal. Não havia nada a fazer: o bicho era grande e tinha criado habitação numa série de lotes do corpo da minha, julgávamos nós, saudável avó.

Lembram-se de vos ter dito que em segundos a nossa vida jamais é a mesma? Esse foi um desses momentos. Ela ainda estava connosco e parecia que eu já a sentia afastar-se. Como quando olhamos fixamente uma imagem e, ao fim de algum tempo, a começamos a ver cada vez mais desfocada e sem qualquer detalhe. Só que a minha avó ainda estava ali, viva, consciente, lúcida, a tentar compreender o que raio se passava com o seu corpo. 

"Um dia todos vamos morrer" foram as palavras que escolheram para lhe confirmar um diagnóstico nada favorável. Palavras secas, frias, cruas, cruéis, desprovidas de qualquer sensibilidade e cuidado. Foi nesse dia que eu soube que a minha avó também era capaz de sentir medo, porque até então eu achava-a uma super mulher, superior a qualquer coisa. Mas ela não sentiu apenas medo, ela sentiu pânico. Desespero. Como se estivesse encurralada num beco sem saída, com as paredes a estreitar cada vez mais e o ar a tornar-se mais e mais rarefeito, até que se tornou impossível respirar. Coitadinha. Ainda hoje me vêm as lágrimas aos olhos quando penso nela, a receber a sua sentença. Foi mais um daqueles dias em que tive uma crise de alergia a injustiças. Em que mundo justo poderia a minha avó estar sujeita àquele fim? Já me cansei de procurar respostas, conformei-me. 

Só que a minha avó era, de facto e como eu suspeitava, uma super mulher e quis provar a sua força até ao último suspiro da sua vida. Encarou a morte de frente. Fechou-se numa sala com ela, olhou-a nos olhos e não deixou que esta fosse capaz de lhe provocar mais uma lágrima. Trabalhou até ao fim, sabe deus em que condições, mas ela precisava disso. Precisava de vida nos seus dias, já que lhe tinha sido confiscado acrescentar dias à vida.

Foi piorando, dia após dia, às vezes hora após hora. Até que no fim, já só restava um grande saco de dores, de fios a entrar e sair por todo o lado, de confusão e desorientação. Ela ainda estava ali, mas já não parecia ser a mesma. Ainda assim, guerreira como era (e teimosa!), insistia em fazer as coisas sozinha, porque nunca quis dar trabalho a ninguém. 

Não consigo pensar em momento de coragem maior do que o braço de ferro que vi a minha avó travar com a doença e com a morte anunciada. Porque coragem não é ausência de medo, é ir além do medo, mesmo estando a morrer de medo. É fazer do medo companheiro de viagem, mas ir, nunca parar. Não foi um momento de coragem, foram vários. Desde o choque perante o diagnóstico até ao seu último dia de vida. 

Naquele dia em que tentei responder à minha colega, o que pretendia dizer-lhe é que não há forma de nos despedirmos. Mesmo quando sabemos que o teremos de fazer, que o tempo corre em contra corrente e não a nosso favor. Só nos resta aproveitar todos os momentos que a vida nos oferece, sabendo que com a facilidade com que nos dá, também nos tira. E, muito importante, transmitir amor. A minha avó sabia que estava a morrer, mas nunca quis que ela lesse essa triste verdade nos meus olhos. Queria que ela só visse amor, todo o amor que eu sentia por ela. Que ela visse esperança. Que ela se visse a si mesma e compreendesse que jamais morreria: estaria sempre viva em mim. É a única forma de eternidade que nos resta.

A minha avó foi a definição de coragem em toda a sua vida. Naquela sala, com aqueles estranhos a ver-me chorar, também me senti corajosa. Nunca imaginei que seria capaz de ser tão vulnerável. E certamente não poderia saber como esse momento, em que me sentia completamente exposta e nua, foi o catalisador para superar a sua perda. Foi ali, naquele palco improvisado, num momento de total vulnerabilidade, que finalizei o meu luto. E só o poderia ter feito num acto de total coragem, homenageando a melhor mentora que poderia ter tido. 

 

23
Out19

alergia a injustiças

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Desde sempre que tenho alergia a injustiças. Lembro-me de ser miúda e de me sentir revoltadíssima quando algum colega era julgado erradamente; de me sentir a fervilhar por dentro quando alguém se tentava aproveitar de alguma situação ou de alguém. Com o passar dos anos, fiquei pior, mas, ao mesmo tempo, também fui ganhando alguma tolerância às minhas “crises alérgicas” à medida que fui percebendo a dimensão de injustiça que existe no mundo em que vivemos. Vamos crescendo e não perdemos apenas a inocência, perdemos também a esperança de que as coisas sejam como deveriam ser e não como são.

Quando comecei a trabalhar, e porque trabalho numa área em que me permite ouvir frequentemente todas as perspetivas de um mesmo assunto, ainda me choquei mais com a quantidade de atitudes injustas que se pode ter e agir como se nada fosse. Como sabem, considero que trabalho num ambiente desagradável e que não estimula o que há de melhor nas pessoas, pelo contrário, faz com que venha à superfície o que de mais primitivo habita dentro de cada um de nós. Imaginem no que diz respeito ao sentido de justiça. É simplesmente nenhum. É como se estas pessoas se tivessem esquecido de como é ser pessoa ou de como deveria ser. No entanto, parte de mim não as consegue julgar: muitas destas pessoas agem desta forma porque é a única maneira que encontraram para sobreviver num sítio com este. E há contas para pagar, comida para por na mesa e filhos para criar. Nada é linear, a vida nunca pode ser lida como se fosse preto ou branco quando há tantas tonalidades.

Hoje parei por alguns minutos para refletir acerca da nossa busca incessante por justiça. Da energia que gastamos em nos sentir zangados, frustrados, revoltados perante as injustiças que vemos diante dos nossos olhos e sobre as quais nada podemos fazer. De como isso nos consome e nos esgota. Para quê? É um esforço inglório.

Pensemos na própria vida. Não há justiça nenhuma na vida. É uma série de aleatoriedades que ora jogam a nosso favor, ora ditam o nosso azar. Mas nunca podemos dizer que a vida é justa, porque se fosse não morriam crianças todos os dias à fome, nem pessoas tinham de fugir dos seus países em guerra, nem tão pouco tínhamos hospitais carregados com pessoas inocentes doentes.

Assim sendo, esta nossa necessidade de justiça parece tão antinatural. Pretendemos equilibrar os dois pratos da balança e isso consome-nos. Eu falo por mim: todos os músculos, tecidos, células da minha barriga se contorcem quando vejo uma injustiça diante de mim e sei que nada posso fazer para a inverter. Porque esta é outra verdade: existem situações em que não podemos fazer rigorosamente nada! O que as torna ainda mais injustas do que o que já eram.

É tão cansativo por ordem na desordem. Corrigir o incorreto. Despende-se tanta energia e, tantas vezes, para nada, para ficarmos reduzidos à insignificância que é o nosso pequenino poder de mudança.

Mas depois penso que lutar por um mundo justo pode não parecer natural no mundo em que vivemos, mas é essa luta contínua e constante que faz o mundo avançar e não colapsar. São todos os pequenos passos, milimétricos e quase invisíveis que damos em direção ao equilíbrio que fazem esta caminhada ter um propósito e um ponto de chegada. Se algum dia pisaremos a meta, não sei, mas sei que não podemos parar de andar no seu sentido. Porque ser justo pode parecer muitas vezes antinatural, mas é precisamente esse sentido de justiça que permite que a nossa espécie continue e não se auto destrua. É desafiar a vida, dizendo-lhe que é ela a autora do que nos acontece, mas nós somos o que fazemos com esses acontecimentos.

Continuo a ter alergia a injustiças, acho que nunca deixarei de ter. Acho que me irei debater para o resto da vida entre aceitar que o mundo é um lugar injusto e lutar para contrariar essa realidade. Sei com certeza que me irei revoltar muitas e muitas vezes, mas também sei que grave será o dia em que, perante uma injustiça, não surgir nenhum efeito, nem a mínima comichão.